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A lógica da consolidação do pleito eleitoral

Autor

  • Waldir Sebastião de Nuevo Campos Júnior

    é desembargador da Seção Criminal do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo juiz efetivo do Tribunal Regional Eleitoral-SP no cargo da Juiz de Direito nos biênios 2005/2007 e 2007/2009 e membro da Comissão Permanente de Estudos de Reforma Política do Instituto dos Advogados de São Paulo.

1 de outubro de 2009, 15h49

A atividade político-eleitoral destinada à eleição dos integrantes do Poder Político está cada vez mais complexa, na medida da pluralidade própria do ambiente democrático da sociedade moderna e da evolução das relações sociais, em particular, no âmbito político, econômico, das informações e da crescente potencialização da conscientização política.

Não mais se concebe, à evidência, a democracia nos moldes clássicos, em particular, no que concerne ao exercício da capacidade eleitoral passiva, qual seja a possibilidade de se candidatar a cargo eletivo e ser votado.

Por outro lado, para que se possa viabilizar condições mínimas para o efetivo exercício de mandato eletivo, em especial, no âmbito do Executivo, no desenvolvimento das ações políticas estabelecidas como da campanha eleitoral, é indispensável que o sistema político-eleitoral seja concebido e estruturado de modo a permitir, dentro do possível e razoável, a consolidação do pleito eleitoral, num ambiente mínimo de estabilidade jurídica e política.

Esta orientação, apontada pelos doutrinadores como essencial para adequada estruturação do sistema eleitoral, também está presente, de forma marcante, na evolutiva jurisprudência eleitoral, como importante referência na interpretação e explicitação da legislação eleitoral, o que importou em crescente potencialização da força da preclusão, cuja observância é indispensável na concretização da consolidação do pleito.

O sistema eleitoral atual está concebido e estruturado a partir dessa lógica, pressuposto para que, consolidado o pleito, haja um mínimo de estabilidade jurídica e política, de modo a permitir, não é demais repetir, o exercício, com efetividade, dos mandatos eletivos, quer no âmbito legislativo, quer no que ser refere às diversas instâncias do Poder Executivo, cuja estruturação apresenta complexidade diferenciada.

A intermediação exclusiva do processo eleitoral pelos partidos políticos, disciplinada por regramento restritivo, tanto no que se refere à constituição das agremiações políticas e à filiação partidária, como no que tange ao limite de candidatos para participar da disputa eleitoral, é indispensável à viabilização dos pleitos, tanto no que se refere à sua estruturação, como no que diz respeito à concretização da apuração da vontade popular, manifestada de forma livre e esclarecida.

Não há como se admitir, assim, na disputa eleitoral, a existência de candidato que não tenha sido apresentado por partido político.

Tal intermediação exclusiva, entretanto, constitui apenas um dos pressupostos à viabilização dos pleitos eleitorais e seria absolutamente inócua caso os procedimentos eleitorais em geral — alguns dos quais buscando até mesmo a desconstituição de mandatos por irregularidades praticadas durante o processo eleitoral — pudessem ser apresentados por qualquer cidadão e a qualquer tempo.

A inexistência de regramento restritivo em relação a esses procedimentos — consideradas as peculiaridades da disputa eleitoral, as paixões políticas permeadas por interesses das mais diversas espécies, perseguidos legitimamente por representantes dos mais diversos segmentos sociais, alguns dos quais dotados de penetração e poder diferenciados —, sem dúvida importaria, por seu volume, em significativo prejuízo da atividade jurisdicional sob todos os aspectos e, por suas possíveis consequências, em grave instabilidade social, jurídica e principalmente política, com todos os efeitos perversos que lhe são inerentes, comprometendo, de forma importante, a qualidade da consolidação de qualquer pleito eleitoral.

É razoável, portanto, que o legislador tenha optado pela lógica da consolidação do pleito, potencializada pela interpretação restritiva da legislação eleitoral no âmbito da atividade jurisdicional eleitoral.

O ilícito eleitoral em geral, no âmbito legislativo, tem sido concebido, predominantemente, de forma típica, embora constitua espécie de ilícito administrativo, cuja estrutura típica, em regra, é atípica.

A dinâmica social tem apresentado, constantemente, novas possibilidades de distorção do processo eleitoral, o que, evidentemente, tem importado na necessidade da previsão de novos ilícitos, novas sanções, realidade que, sem a observância da orientação de previsão de ilícito eleitorais típicos, o que tornaria bastante indeterminado o âmbito da incidência de legislação eleitoral punitiva, importaria em ambiente de considerável instabilidade jurídica, política e social.

Diversa não poderia ser a postura em relação aos procedimentos eleitorais em geral, principalmente no âmbito da jurisprudência eleitoral.

A legitimidade ativa, em conformidade com a legislação vigente, é significativamente restrita, ou seja, só a possuem os candidatos, partidos e coligações participantes do mesmo pleito eleitoral, além, evidentemente, da possibilidade de propositura de iniciativa ministerial.

No âmbito das condições da ação, o reconhecimento do interesse de agir está diretamente correlacionado com a possibilidade, a utilidade, de se concretizar a objetividade jurídica comum a todos os ilícitos eleitorais, qual seja, a garantia da legitimidade possível de determinado pleito eleitoral em cujo desenvolvimento o ilícito foi praticado, independentemente da verificação de outros efeitos em relação a pleitos eleitorais futuros.

É razoável, ainda, a importante celeridade que caracteriza os procedimentos eleitorais, alguns dos quais com prazos peremptórios para serem propostos e julgados, condição para que as fases iniciais da disputa eleitoral sejam consolidadas, como, por exemplo, a relativa aos registros de candidatura.

A celeridade dos procedimentos e a efetividade da atuação jurisdicional eleitoral, especialmente em primeira instância, estaria seriamente comprometida, caso a regra geral em relação aos recursos não fosse a ausência de efeito suspensivo.

É certo que esta regra, embora indispensável à manutenção de um mínimo de estabilidade jurídica e política, como qualquer direito, não é absoluta, admitindo exceções por meio das vias jurisdicionais adequadas.

No entanto, a regra geral não pode deixar de ser a ausência de efeito suspensivo.

Essas características do sistema vigente conferem importância diferenciada à preclusão, ou seja, ainda que tenha sido praticada alguma importante irregularidade durante determinada fase da disputa eleitoral, passível de grave sanção, como, por exemplo, a exclusão de determinado candidato da disputa eleitoral mediante a cassação de seu registro de candidatura, caso não haja oportuna propositura do procedimento eleitoral cabível na espécie, tal irregularidade estará convalidada e, juridicamente, não importará em prejuízo da legitimidade do resultado do pleito eleitoral, salvo situações de absoluta excepcionalidade, como, por exemplo, a fraude praticada para dissimular a presença de hipótese de inelegibilidade constitucional, que pode ser arguida até mesmo por meio de ação de impugnação de mandato eletivo.

Orientação diversa, com a desconsideração do caráter restritivo da legislação eleitoral e da especial força da preclusão no desenvolvimento das etapas tendentes à concretização do pleito eleitoral, importará na viabilização da possibilidade de ocorrência de graves distorções decorrentes da propositura tardia de procedimentos eleitorais, cujo propósito não mais será a garantia da legitimidade do pleito já realizado, mas a verificação de efeitos de cunho predominantemente individuais, com vistas a efeitos pretéritos tendentes a alterar o resultado da disputa eleitoral.

Tais distorções, em passado recente, importaram na adoção, pelo Colendo Tribunal Superior Eleitoral, de severa orientação restritiva principalmente em relação ao juízo de admissibilidade dos procedimentos eleitorais, no que diz respeito à oportunidade de sua propositura, ou seja, na análise do interesse de agir.

De qualquer forma, a derradeira via jurisdicional a ser utilizada para garantia da legitimidade de determinado pleito eleitoral, prevista em sede constitucional, é a ação de impugnação de mandato eletivo, cuja propositura deve observar, é necessário frisar, prazo de natureza decadencial, que não admite quer suspensão, quer interrupção.

Como se vê, o regramento da disputa eleitoral não pode desconsiderar a lógica da consolidação do pleito.

Finalmente, é inquestionável que o sistema eleitoral vigente demanda profunda reforma, aperfeiçoamento e, principalmente, consolidação e uniformização, em particular, no âmbito procedimental.

Entretanto, a ausência de tal reforma pode e deve ser minimizada pela importante competência regulamentar do Colendo Tribunal Superior Eleitoral, para explicitação da legislação eleitoral de acordo com as peculiaridades de cada pleito eleitoral, em conformidade com o ambiente social, jurídico e político vigente, competência esta que, é relevante ressaltar, também não pode desconsiderar a lógica da consolidação do pleito eleitoral.

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