Pagamento e restituição

O financiamento de veículos e as seguradoras

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29 de novembro de 2009, 5h56

Em sede de financiamento de veículo automotor com alienação fiduciária, a seguradora não pode ser responsável pela liquidação do sinistro, quando houver contrato de abertura de crédito junto a uma instituição bancária e o segurado, no caso consumidor, celebra, no azo, contrato de seguro objetivando, em caso de óbito, a quitação integral do veículo financiado. Acordaram os ilustres Ministros da 4ª Turma do Superior Tribunal de Justiça, à unanimidade, ao julgar o Recurso Especial, sob número 11.411.006, em 06 de outubro de 2009, com esteio no voto do eminente relator ministro Luis Felipe Salomão.

No caso concreto, o consumidor, proprietário do veículo automotor sob condição suspensiva, no decurso do contrato veio a falecer e a seguradora negou a cobertura do sinistro, sob o manto de que o segurado teria falecido em decorrência de doença preexistente.

O espólio aforou demanda pretendendo obter do banco a transferência do veículo, assim como a restituição de parcelas pagas indevidamente. O banco contestou, pugnando por sua ilegitimidade passiva requerendo, ademais, a denunciação à lide da Companhia de seguros.

O Tribunal de Justiça a quo, rejeitou, em sede de agravo, a ilegitimidade do banco, de vez que a transferência da propriedade do veículo e, eventual, pedido de restituição de valores é da instituição bancária. No que diz respeito ao pedido de denunciação da lide, da mesma forma o Tribunal entendeu que “se o denunciante intenta se eximir da responsabilidade pelo evento danoso, atribuindo-a com exclusividade a terceiro, não há como dizer-se situada a espécie na esfera de influência do artigo 70, inciso III, do Código de Processo Civil, de modo a admitir-se a denunciação da lide, por isso que, em tal hipótese, não se divisa o direito de regresso, decorrente de lei ou do contrato” (RSTJ 53/301); “restrita a questão jurídica à legitimidade de parte, descabida é a pretensão da ré de preceder à denunciação da lide à pessoa a quem atribui o dever de reparar o dano e, conseqüentemente, de figurar no pólo passivo do litígio”(RSTJ 111/2390). ( Excertos do relatório do recurso especial em foco).

Aliás, estas decisões, assim como a de que “a jurisprudência do STJ acolheu entendimento no sentido de que, não havendo relação jurídica entre litisdenunciante e litisdenunciado, não há como se admitir o pedido de denunciação da lide (RSTJ 67/441), estão insertas no acatado Código de Processo Civil (Theotonio Negrão, José Roberto F. Gouvêa, com a colaboração de Luis Guilherme Aidar Bondioli, 41ª edição, Editora Saraiva, 2009, pág. 209)”.

O eminente ministro relator entendeu pela leitura do inciso III do CPC, que “nem pela lei, nem pelo contrato, há direito do banco de se ressarcir da seguradora. Não há vínculo contratual nem legal entre as duas pessoas jurídicas”, (trecho do voto do relator no recurso especial em tela).

Data vênia do brilhantismo do voto do eminente relator ouso discordar deste entendimento.

No seguro de dano, se garante ao segurado a perda de um valor determinado em seu patrimônio, quer quando da contratação direta entre o segurado e a seguradora, quer quando um terceiro, através de um outro contrato, promete através do pagamento de um prêmio pelo segurado junto a uma seguradora a quantia suficiente para repor o bem sinistrado. É o caso, por exemplo, de um imóvel financiado no qual o segurado realiza no momento da contratação do financiamento, um contrato de seguro, para a hipótese em que ele venha a falecer.

Aliás, o enunciado 31 do STJ, diz, textualmente:

“A aquisição, pelo segurado, de mais de um imóvel financiado pelo Sistema Financeiro da Habitação, situados na mesma localidade não exime a seguradora da obrigação de pagamento dos seguros”.

Roberto Rosas, doutrina: “No caso, há dois negócios jurídicos distintos: o financiamento e o contrato de seguro.”

E arremata: “Mas essa possibilidade não atinge o contrato de seguro, que decorre do contrato. Se ele não foi invalidado, a seguradora não foge do pagamento”. (In, Direito Sumular, 13ª Edição, Malheiros Editores, 2006).

Ademais, como registra James Eduardo Oliveira, em escólios de Humberto Theodoro Júnior, verbis: “Não será um direito de regresso que se estará exercitando, mas o direito de exigir que a seguradora assuma o dever de realizar a indenização direta ao autor da ação indenizatória, pois, no atual regime securitário, o direito da vítima é exercitável tanto perante o causador do dano como em face de sua seguradora.” (HUMBERTO THEODORO JÚNIOR, Curso de Direito Processual Civil, 44° ed.Forense, p. 142), Apud, Código Civil Anotado e Comentado, Doutrina e Jurisprudência, Editora Forense,, 2009, pág. 566.

Mas, o próprio instituto da denunciação da lide “é demanda antecipada: o denunciante se antecipa e, antes de sofrer qualquer prejuízo e para hipótese de vir a sofrê-lo, demanda proposta em face de terceiro, com o objetivo de imputar-lhe a responsabilidade pelo ressarcimento”. Normalmente, seria caso de demanda sem interesse de agir, pois o demandante ainda não sofreu qualquer prejuízo; mas por uma questão de economia processual, permite-se a antecipação da demanda, atribuindo-lhe, porém, a natureza eventual. Sintetiza Barbosa Moreira: a denunciação da lide consiste “em verdadeira propositura de uma ação de regresso antecipada, para a eventualidade da sucumbência do denunciante” (In, Fredie Didier Jr, Curso de Direito Processual Civil, vol 1, 2007, Edições Podivm, pág. 319).

Com relação à garantia de cumprimento do contrato de seguro se pode extrair semelhante conclusão, quando se lê a seguinte passagem de Alexandre Freitas Câmara, verbis:

“Afirme-se ainda, e desde logo, que embora a denunciação da lide seja, de ordinário, dirigida a um terceiro, estranho à relação processual, admite-se que se denuncie a lide a quem já seja parte, o que se dará, por exemplo, quando entre os réus haja relação de garantia. Neste caso, admite-se que um dos litisconsortes denuncie a lide ao outro” (Alexandre Freitas Câmara, Lições de Direito Processual Civil, vol I, 16ª edição, Lúmen Júris, 2007, pág.207).

Dessarte seja por meio do instituto da denunciação da lide, inciso III, artigo 70 do Código de Processo Civil, seja, hoje, modernamente, como parece se inclinar a jurisprudência, através do chamamento ao processo, inciso III, do artigo 77 do mesmo diploma legal, institutos da denominada “Intervenção de Terceiros”, o prejudicado, ou o seu beneficiário, em sede de um contrato-tipo, obterá o direito tutelado por um contrato a laterae de um outro como soe ser o contrato de seguro.

Estas ilações decorrem da existência e da realização de dois contratos, quer o de financiamento, quer o de seguro.

Por este último, a obrigação surge com o sinistro, que não foi invalidado com o pagamento do prêmio à seguradora, embutido por ocasião do contrato de financiamento, no caso, de seguro automóvel.

Diante destas razões e forte no enunciado 31 do STJ, entendo, data vênia, que a seguradora deva indenizar os beneficiários do segurado pagando o valor da importância segurada (indenização), a fim de conseguir a transferência do veículo aos beneficiários legais, assim como a restituição de parcelas, por acaso, pagas indevidamente para se acobertar dos riscos do sinistro avençado em um contrato atrelado a um outro, na hipótese, o de financiamento de veículo automotor.

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