Propano e butano

Cide-combustíveis incide sobre gases liquefeitos

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29 de novembro de 2009, 6h58

A exigência da contribuição de intervenção no domínio econômico denominada "CIDE-combustíveis" (Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico-combustíveis) possui autorização constitucional específica, introduzida pela Emenda 33/2001, no artigo 177, parágrafo 4º da Constituição, tendo sido instituída pela União por meio da Lei 10.336/2001.

A contribuição tem como hipótese de incidência a importação e a comercialização de petróleo e seus derivados, gás natural e seus derivados, conforme artigo 1° da Lei 10.336/2001.[1]

A referida lei prevê também a incidência da CIDE-combustíveis sobre o gás liquefeito do petróleo, inclusive o derivado de gás natural e nafta.[2]

A questão que se impõe se restringe à previsão legal de cobrança da CIDE-combustíveis sobre todas as formas de gás liquefeito de petróleo, incluindo-se, o GLP sentido estrito, o propano, o butano, e outros gases liquefeitos[3].

A discussão em torno do tema decorre no disposto no artigo 3°, inciso V, da Lei 10.336/2001, pois em sua redação a cobrança decorre de importação e comercialização de gás liquefeito de petróleo.

Mostrar-se-á o no presente artigo que a denominação contida na lei abrange todos os gases liquefeitos de petróleo e não somente o GLP em sentido estrito.

Inicidência sobre todos os gases liquefeitos de Petróleo

O alcance da norma, ao instituir a exação sobre o gás liquefeito de petróleo, abrange não somente o GLP sentido estrito, ou seja, o GLP produto ou gás de cozinha, que é uma mistura de hidrocarbonetos.

Esclarece-se que o GLP sentido estrito é também conhecido como gás de cozinha e tem em sua composição outros hidrocarbonetos liquefeitos como o propano e o butano.

O propano e o butano são hidrocarbonetos liquefeitos que, embora também sejam componentes do GLP sentido estrito, também são usados separadamente para fins combustíveis, bem como são extraídos do refino do petróleo ou do processamento do gás natural.

E sendo o direito tributário interdisciplinar nos termos artigo 109 Código Tributário Nacional (CTN)[4], cabe à Agência Nacional do Petróleo (ANP) definir o significado de GLP sentido estrito, do propano e do butano, isto é, dos hidrocarbonetos liquefeitos derivados do petróleo ou do gás natural.

E para a ANP o propano, o butano e o GLP sentido estrito são gases liquefeitos decorrentes do refino do petróleo[5] ou do processamento do gás natural[6].

Sendo todos gases liquefeitos de petróleo, portanto, incide a CIDE-combustíveis sobre o GLP sentido estrito e o GLP sentido amplo, neste último caso estão incluídos o propano, o butano e o GLP sentido estrito.

Tal conclusão decorre do fato de a Lei 10.336/2001 ter instituído a CIDE-combustíveis sobre a importação e comercialização de petróleo e seus derivados, gás natural e seus derivados, o que inclui, dessa forma, todos os hidrobarbonetos liquefeitos, sejam eles derivados do petróleo ou do gás natural. Essa é a disposição contida, inclusive, no Projeto e Lei nº 5907/2001, que deu origem à Lei 10.336/2001.

Outro argumento que corrobora a incidência da CIDE-combustíveis sobre todas as formas de gases liquefeitos de petróleo advém dos códigos instituídos pela NCM (Nomenclatura Comum do Mercosul). Os gases liquefeitos do petróleo são classificados na subposição 2711.1, como é o caso do propano 2711.12.10, do butano 2711.13.00 e do GLP 2711.19.10 (aqui em sentido estrito). Portanto, são todos gases liquefeitos do petróleo, hidrocarbonetos liquefeitos.

Entender de forma diferente, seria o mesmo que estabelecer uma isenção sem lei específica, o que vai de encontro ao disposto no artigo 111 do Código Tributário Nacional (CTN)[7].


Assim, o preceito normativo primário contido na Lei 10336/2001 inclui a cobrança de Cide-combustíveis sobre o propano, o butano, bem como sobre outros hidrocarbonetos liquefeitos, e o GLP sentido estrito (ou gás de cozinha).

Ademais, não se trata de interpretar a lei, mas sim entender que do refino do petróleo ou processamento do gás natural se extrai o GLP em sentido estrito, o propano, o butano e demais hidrocarbonetos liquefeitos, que são usados para diversos fins na indústria.

Dessa forma, somente ato normativo primário poderia prescrever a exação tributária em comento, e assim o fez (artigo 9°, inciso I, CTN e art. 150, I, CRFB/88) ao instaurar a Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico sobre combustíveis.

Impossibilidade de tributação por meio de instruções normativas

A Secretaria da Receita Federal do Brasil (SRFB) editou duas instruções normativas INs SRF 107, de 28 de Dezembro de 2001 e 219, de 10 de outubro de 2002, com o fim de regulamentar o pagamento da CIDE-combustíveis.

A IN SRF 107/2001 não trouxe expressamente a posição na tabela NCM para o propano (2711.12.10) e butano (2711.13.00), mas tão somente para o GLP sentido estrito (2711.19.10), o que ocorreu na IN SRF 219/2002.

Entretanto, não se poder extrair de um mero silêncio normativo a existência de um direito subjetivo, até porque a concessão de benesses fiscais demanda exegese literal.

O fato de norma secundária não trazer o código NCM não exonera o contribuinte do recolhimento tributário, até porque o código NCM existia em data anterior à IN 107/2001 e consta do sítio da SRFB.

O princípio da legalidade é a base do Estado Democrático de Direito e garante que todos os conflitos sejam resolvidos pela lei (artigo 5º II, artigo 37, caput e artigo 150, todos da CF).

Traduz o primado de que toda a eficácia da atividade administrativa fica condicionada à observância da lei, significando que o administrador público está, em toda a sua atividade funcional, sujeito aos mandamentos da lei e às exigências do bem comum, e deles não se pode afastar ou desviar, sob pena de praticar ato inválido e expor-se a responsabilidade administrativa, civil e criminal, conforme o caso.

Há que se distinguir também, reserva de lei, que é reservar a uma matéria a determinada espécie legislativa (lei complementar para determinados assuntos), e legalidade, que é mais amplo do que a reserva de lei.

Pois bem, em Direito Tributário, a vige o princípio da legalidade estrita (tipicidade fechada, restrita), ou seja, os entes políticos só podem criar ou aumentar tributo, por meio de lei, artigo 150, I, CRFB/88, c/c artigo 97 do CTN. Isso significa que a lei deve conter itens taxativos, como alíquota, base de cálculo, sujeito passivo, fato gerador e multa. É uma lista numerus clausus.

Assim, a Lei 10.336, 19/12/2001, cumpriu o princípio da legalidade ao prever o fato gerador, a base de cálculo, o sujeito passivo, a alíquota e o sujeito passivo da CIDE-combustível sobre a importação de todos os gases liquefeitos de petróleo, incluindo, então, propano, butano, GLP sentido estrito e demais hidrocarbonetos liquefeitos.

Portanto, não há ofensa à legalidade, nem retroatividade de norma infralegal, mas tão somente autuação que deriva de ato normativo primário: LEI.

É de se ressaltar que as instruções normativas visam a regulamentar a arrecadação da exação, interpretando a lei nos seus exatos limites, isto é, nem ampliando, nem reduzindo sua interpretação.

As instruções normativas guerreadas somente externam os códigos constantes da Nomenclatura Comum do Mercosul (NCM) [8] dos produtos, seja GLP sentido estrito, seja propano ou butano.

Assim, as instruções normativas trazem a correta interpretação sobre o alcance da cobrança da CIDE-combustíveis, em razão do disposto na IN 219/2001, isso com base em uma interpretação sistemática e lógica do ordenamento jurídico.


Consequência da alteração legislativa promovida pela Lei 10.865/2004, que incluiu o parágrafo 3º ao artigo 3º, externando os Códigos NCM para o propano e butano

A Lei 10.865/2004, incluiu o parágrafo 3º ao artigo 3º da Lei 10.336/2001 e nele externou os códigos NCM para o propano e butano[9].

O fato de a lei tê-los trazido em seu conteúdo em momento posterior somente ratifica a incidência tributária desde o seu nascedouro, pois somente a lei pode exigir tributo.

Aqui ratifica-se o que já foi exposto no presente artigo, no sentido de que a Lei 10.336/2001, artigo 3º, inciso V, trouxe a exigência de CIDE-combustíveis sobre todos os gases liquefeitos do petróleo e não somente do GLP sentido estrito.

Conclusão

Em conclusão, o presente texto traz a defesa da cobrança da CIDE-combustíveis sobre todos os gases liquefeitos do petróleo, conforme disposto no comando legal inserto no inciso V, artigo 3°, da Lei 10.336/2001.

A ilação dimana do Projeto e Lei 5.907/2001, que deu origem à Lei 10.336/2001, o qual traz a incidência da Contribuição sobre os derivados do petróleo, do gás natural e de Nafta, sendo que os hidrocarbonetos liquefeitos -como o GLP sentido estrito, o propano e o butano — são provenientes do petróleo e do gás natural.

Em perfeita consonância com a tributação em defesa, estão os código NCM para os hidrocarbonetos liquefeitos, pois todos estão classificados na subposição 27.11.1.

Por fim, há precedentes do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais favoráveis à arrecadação da CIDE-combustíveis sobre todos os gases liquefeitos de petróleo consubstanciados nos Acórdãos 303-32.076 (PA n° 11050.001119/2003-81) cuja conclusão é que a CIDE-combustível é cobrada sobre “todas as formas de gás liquefeito de petróleo, independentemente de sua estrutura química. Esta é aspecto primordial para a classificação do produto, mas irrelevante para a incidência tributária.” Elucida o referido acórdão (303-32.076) que “As Instruções Normativas editadas a respeito do assunto pela Secretaria da Receita Federal simplesmente explicitam os códigos NCM de tais produtos, mas jamais poderiam quer revogar quer criar hipóteses de incidência, como bem sublinha a r. decisão contestada, não havendo como falar-se em retroatividade de uma nova norma onde simplesmente não existe norma.”

Esse é o entendimento dos acórdãos abaixo:

PA n° 10494.001184/2002-44 – Acórdão 303-32075:

“CONTRIBUIÇÃO DE INTERVENÇÃO NO DOMÍNIO ECONÔMICO – CIDE — As hipóteses de incidência da CIDE foram estabelecidas pela Lei nº. 10.366/01, não podendo ser removidas nem criadas através de ato administrativo. A contribuição em causa incide sobre as importações de propano bruto liquefeito e butano liquefeito ex vi do art. 5º., VI da citada lei. Recurso improvido.” (http://161.148.1.141/domino/Conselhos/SinconWeb.nsf/Ementa/2257B98C0F9ACC28032570280016E747?OpenDocument&posicao=DADOS51302E)

PA n° 18336.000623/2003-15 – Acórdão 302-38069, cujo inteiro teor pode ser encontrado no link: (http://161.148.1.141/domino/Conselhos/SinconWeb.nsf/Ementa/D801A09C600D821C0325744F002C0C6E?OpenDocument&posicao=DADOSAEBB86).

Deste modo, a CIDE-combustíveis tem sua incidência sobre todos os gases liquefeitos do petróleo (GLP sentido estrito, propano, butano e outros hidrocarbonetos liquefeitos).

Referências bibliográficas

SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo. 17ª ed., São Paulo: Malheiros, 1999.

MORAES. Alexandre de. Direito constitucional. 9ª ed., São Paulo: Atlas, 2001.


BRASIL. Lei n. 10.336, de 19 de dezembro de 2001. Institui Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico incidente sobre a importação e a comercialização de petróleo e seus derivados, gás natural e seus derivados, e álcool etílico combustível (Cide), e dá outras providências. Diário Oficial da República Federativa do Brasil. Brasília, 20 dez. 2001.

BRASIL. Lei n. 10.865, de 30 de abril de 2004. Dispõe sobre a Contribuição para os Programas de Integração Social e de Formação do Patrimônio do Servidor Público e a Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social incidentes sobre a importação de bens e serviços e dá outras providências. . Diário Oficial da República Federativa do Brasil. Brasília, 30 abril 2004. Edição extra.

BRASIL. NCM. Disponível em: http://www4.receita.fazenda.gov.br/simulador/PesquisarNCM.jsp?codigo=271112&codigoCapitulo=27&codigoPosicao=2711&codigoSubPosicao1=27111&codigoSubPosicao2=271112.

BRASIL, Constituição (1988). Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constitui%C3%A7ao.htm

BRASIL, Lei n. 5.172, de 25 de outubro de 1966, Código Tributário Nacional. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/L5172.htm


[1] “Art. 1o Fica instituída a Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico incidente sobre a importação e a comercialização de petróleo e seus derivados, gás natural e seus derivados, e álcool etílico combustível (Cide), a que se refere os arts. 149 e 177 da Constituição Federal, com a redação dada pela Emenda Constitucional no 33, de 11 de dezembro de 2001.”

[2] Art. 3o A Cide tem como fatos geradores as operações, realizadas pelos contribuintes referidos no art. 2o, de importação e de comercialização no mercado interno de:

I – gasolinas e suas correntes;

II – diesel e suas correntes;

III – querosene de aviação e outros querosenes;

IV – óleos combustíveis (fuel-oil);

V – gás liqüefeito de petróleo, inclusive o derivado de gás natural e de nafta; e

VI – álcool etílico combustível.

[3] IN SRF 219/2002

[4] “Art. 109. Os princípios gerais de direito privado utilizam-se para pesquisa da definição, do conteúdo e do alcance de seus institutos, conceitos e formas, mas não para definição dos respectivos efeitos tributários.”

[5] REFINO O óleo cru extraído do poço não tem aplicação direta. A sua utilização ocorre por meio de seus derivados. Para que isso ocorra, o petróleo é fracionado em seus diversos componentes através do refino ou destilação fracionada. Este processo aproveita os diferentes pontos de ebulição das substâncias que compõem o petróleo, separando-as e convertendo em produtos finais. Da produção do GLP sentido estrito se extrai os hidrocarbonetos liquefeitos, como o propano e butano.

[6]PROCESSAMENTO DO GÁS NATURAL

Nas unidades de processamento de Gás Natural, conhecida como UPGN, os componentes do gás natural são separados em produtos especificados e prontos para utilização. Nesta etapa, o gás é desidratado (é retirado o vapor d’água) e fracionado. Nesse fracionamento são obtidos: metano e etano; propano e butano; pentano, hexano, heptano e hidrocarbonetos superiores.


[7] “Art. 111. Interpreta-se literalmente a legislação tributária que disponha sobre:

(…) II – outorga de isenção;”

[8] NCM / SH – NOMENCLATURA COMUM DO MERCOSUL / SISTEMA HARMONIZADO DE DESIGNAÇÃO E CODIFICAÇÃO DE MERCADORIAS

As mercadorias comercializadas internacionalmente pelo País são classificadas, desde 1996, de acordo com a Nomenclatura Comum do Mercosul (NCM), que é também adotada por Argentina, Paraguai e Uruguai. Os códigos de classificação da NCM são formados por oito dígitos, sendo tal classificação baseada no Sistema Harmonizado de Designação e de Codificação de Mercadorias, ou simplesmente Sistema harmonizado (SH). A inclusão de dois dígitos, após os seis do código numérico do SH, tem como intuito obter melhor detalhamento das mercadorias e respectivas classificações e satisfazer aos interesses de todos os Estados membros do Mercosul.
É importante que o importador faça a correta classificação dos produtos adquiridos, com a finalidade de evitar a aplicação de penalidades pelas autoridades aduaneiras, além de utilizar as vantagens tarifárias decorrentes dos acordos bilaterais e multilaterais que o Brasil mantém no âmbito de seu comércio internacional. É recomendável, também, que o exportador, com o intuito de aprimorar a classificação da mercadoria que pretende exportar ao Brasil, informe ao cliente brasileiro a classificação que utiliza em seus negócios externos, visto que nem sempre a classificação da NCM/SH coincide com a codificação utilizada pelo exportador nas duas últimas posições numéricas (oito dígitos).
As vantagens advindas da correta classificação traduzem-se essencialmente na redução do Imposto de Importação, ou até mesmo em sua isenção, de acordo com os acordos comerciais vigentes. Neste sentido, é necessário que o exportador conheça os benefícios tributários do seu produto em relação ao mercado brasileiro, a fim de ganhar competitividade frente aos concorrentes de outros países que eventualmente não sejam favorecidos pelos tratados comerciais que o Brasil mantém no seu comércio exterior.
Essa vantagem tributária será efetivamente formalizada durante o processo do despacho aduaneiro, quando o importador deverá estar de posse do Certificado de Origem, para eventual apresentação às autoridades aduaneiras, documento esse emitido pela entidade autorizada no país do exportador, no qual devem constar os fundamentos legais do acordo comercial que está sendo aproveitado nessa operação. A falta de apresentação do certificado de origem ocasiona a perda dessas vantagens, implicando o pagamento pelo importador do Imposto de Importação com as alíquotas normais.
Note-se que da classificação incorreta das mercadorias na NCM/SH decorrem, além do pagamento de eventuais diferenças de alíquota na classificação correta, multas a serem aplicadas sobre o importador brasileiro, cujo valor corresponde, no mínimo, a 1% do valor aduaneiro, dependendo do tipo de infração.

[9] § 3o A receita de comercialização dos gases propano, classificado no código 2711.12, butano, classificado no código 2711.13, todos da NCM, e a mistura desses gases, quando destinados à utilização como propelentes em embalagem tipo aerossol, não estão sujeitos à incidência da CIDE-Combustíveis até o limite quantitativo autorizado pela Agência Nacional do Petróleo e nas condições estabelecidas pela Secretaria da Receita Federal. (Incluído pela Lei nº 10.865, de 2004)

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