Adeus ao mestre

Legado de Antonio Junqueira permanecerá por anos a fio

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26 de novembro de 2009, 8h55

Na noite do dia 10 de novembro, faleceu o Antonio Junqueira de Azevedo, professor Titular do Departamento de Direito Civil da Faculdade de Direito da USP (Largo São Francisco). A passagem do professor Junqueira coincidiu com o apagão que deixou às escuras mais de nove estados brasileiros. A coincidência carrega tom metafórico notável.

Antonio Junqueira de Azevedo, além de professor sério e exigente, foi um jurista que viveu muito à frente de seu tempo. Seu legado permanecerá por anos a fio e sua influência para o Direito Privado brasileiro não se apagará tão logo. Grande introdutor do conceito de negócio jurídico no Brasil, ele foi dos primeiros a falar dos hoje tão festejados princípios da boa-fé objetiva e da função social dos contratos. Seus textos pioneiros sobre esses dois temas influenciaram e influenciam gerações de profissionais e pesquisadores do ramo do Direito e serviram de parâmetro a inovações legislativas como o Código de Defesa do Consumidor e o Código Civil atual, promulgado em 2002.

A introdução, no Brasil, da discussão sobre o comportamento ético e leal das partes no contrato, feita pelo prof. Junqueira, deve ser vista como uma das maiores inovações ao pensamento jusprivatista na última metade do século XX e neste início de século XXI. É também de autoria dele o texto que inaugurou a aplicação do princípio da função social dos contratos no país, ao analisar o comportamento anti-social de distribuidores e revendedores de combustíveis no início da década de 1990. Tal regra está hoje escrita no Código Civil. Essas duas iniciativas são exemplos do pensamento do professor, que cobrava da comunidade jurídica brasileira o abandono dos paradigmas jurídicos e filosóficos do século XIX e do início do século XX, apontando sempre para a pós-modernidade.

Junqueira construiu seu legado com alicerce no Direito de ponta e na universalização do ensino jurídico de qualidade. Diretor da Faculdade de Direito do Largo São Francisco entre 1990-1994, foi idealizador e o responsável por levar o ensino jurídico para os campi da USP no interior de São Paulo. Primeiro em Pirassununga, com cursos de especialização, e depois em Ribeirão Preto, com a instalação da Faculdade de Direito de Ribeirão Preto, da qual foi o primeiro Diretor.

A partida do professor das Arcadas faz apagar um grande luminar do Direito Privado nacional. O Código Civil de 2002 ainda traz consigo muitas questões a solucionar e muitas dificuldades a contornar. O crescimento econômico do país levará à celebração de cada vez mais contratos e tais contratos certamente levarão a conflitos a serem apaziguados. Há também os desafios de adaptação das regras do Direito Privado à globalização e de inclusão dos mais pobres na realidade jurídica e na cidadania. Em tudo isso sua ausência se fará notar.

Muito embora a partida do professor entristeça a comunidade jurídica, o exemplo e o legado de Antonio Junqueira de Azevedo ficarão como inspiração e meta a alcançar. Seu compromisso com o rigor científico das proposições e sua clareza de raciocínio continuarão a alimentar as mentes dos que ficam. Uma ciência jurídica de mais qualidade e em maior quantidade é imperiosa para o desenvolvimento do país e de suas instituições. As lições do prof. Junqueira são mote e estímulo para enfrentarmos e vencermos este desafio.

O Direito é instrumento de justiça e equilíbrio nas relações privadas. É também meio para o desenvolvimento econômico e social sustentável. Essas duas frases sintetizam o que ensinou Junqueira de Azevedo, e serão a partir de agora a luz para iluminar nossas mentes na trilha a caminho do Direito justo e eficiente, trilha essa que ficou mais escura depois da noite de terça-feira.

* Paulo Dóron Rehder de Araujo é advogado, Professor do GVLaw na FGV-SP,

Doutorando em Direito Civil na Faculdade de Direito da USP.

** Kleber Luiz Zanchim é advogado, Professor do GVLaw na FGV-SP e da FIA,

Doutorando em Direito Civil na Faculdade de Direito da USP.

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