Mundo empresarial

"Captar cliente exige técnica e conhecimentos gerais"

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22 de novembro de 2009, 5h00

Spacca
José Ricardo Bastos Martins - Spacca

Já foi o tempo em que apenas ter muito conhecimento técnico na área empresarial era garantia de sucesso para os advogados. Os investimentos estrangeiros e as oportunidades para os escritórios de advocacia aumentaram, assim como a concorrência. Captar clientes, hoje, depende de mesclar a técnica jurídica com outros conhecimentos, inclusive do negócio do cliente. A orientação parte do advogado José Ricardo Bastos Martins, do Peixoto e Cury Advogados, que participa da State Capital Group, uma rede de escritórios de advocacia com representantes no mundo todo.

"É impossível atender o cliente sem ser um bom técnico. E é também impossível ser um bom técnico sem entender do negócio do cliente", explica. Para Martins, saber o que o cliente espera do seu advogado é essencial, até mesmo na hora de escolher a melhor forma de cobrar pelos serviços prestados. “O cliente quer que o advogado entenda de economia, de história, de cultura. Somos um fornecedor importante. Temos consciência de que estamos no topo da lista dos custos, exceto pela matéria-prima. Poucos consultores têm um valor tão alto. Tem que fazer por merecer isso.”

Em entrevista à revista Consultor Jurídico, Bastos Martins fala da forma de cobrar pelos serviços prestados pelos advogados. Há a ideia equivocada de que o cliente não vê com bons olhos a cobrança com base em horas trabalhadas, diz. “Isso não é verdade. O cliente acha que, para cada tipo de serviço, tem que haver um tipo de cobrança.” Para encontrar a melhor forma de cobrar, é fundamental conhecer a estrutura do negócio da empresa.

Sócio do escritório Peixoto e Cury Advogados, que há mais de 10 anos mantém uma filial nos Estados Unidos, Bastos Martins afirma que participar de encontros entre escritórios fora do país é uma boa maneira de captar clientes estrangeiros. Não só para isso, mas para estreitar relações com advogados estrangeiros e poder pedir um auxílio na hora de atender clientes, diz.

Formado pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, José Ricardo Bastos Martins atua nas área de Direito Empresarial, Agronegócio e Societário.

Leia a entrevista

ConJur — O senhor participou do encontro anual da State Capital Group, que reúne 140 bancas de advocacia de todo o mundo. Como são esses encontros?
José Ricardo Bastos Martins A associação é uma rede de escritórios que promove, de forma intensa, o contato pessoal de seus membros. Há representações em praticamente todo o mundo, com um escritório associado em cada país. Vários encontros são promovidos para que as firmas consigam aproveitar da melhor maneira a ferramenta de marketing que a associação, em si, é. Além de gerar clientes, a associação é muito importante para ter parceiros em outros lugares. A advocacia internacional exige que o escritório responda com muita rapidez a demanda que comumente ultrapassa a fronteira do país. Não é simplesmente fazer um telefone. É ter um advogado conhecido, com quem já se trabalhou e com quem se possa discutir opiniões sobre leis. Muitas vezes, não é só conhecer o aparato técnico e jurídico de outro escritório, mas identificar o estilo dele e ver se está apto a trabalhar na velocidade que os negócios impõem. Este ano, o encontro foi nos Estados Unidos. Por terem sido o país que fundou a iniciativa, os Estados Unidos têm um representante por estado. Também há representantes em algumas cidades norteamericanas pela importância delas, como Nova York, Miami e Los Angeles. Nos demais lugares do mundo, há quase sempre um representante por país.

ConJur — Como é a escolha de cada representante?
Bastos Martins — É feita por indicação dos membros que já participam. Sou membro dessa organização há mais de 12 anos. No encontro anual deste ano, havia em torno de 450 advogados do mundo inteiro. É um grupo importante. São escritórios de altíssimo nível.

ConJur — Escritórios grandes?
Bastos Martins — Não. Uma das características é não buscar escritórios multinacionais. Opta-se por firmas que atuam em nível nacional ou, no caso dos Estados Unidos, estadual. Não existe uma regra rígida, mas é um perfil que se busca. Trabalhamos com escritórios médios, embora isso seja relativo dependendo da cidade. Médio não é a mesma coisa em São Paulo e Nova York. Em São Paulo, um escritório médio conta com 80 a 90 advogados. Em Nova York, com 300.

ConJur — Como é a participação do Brasil nesse grupo?
Bastos Martins — O Brasil está se sobressaindo muito na América Latina. Temos participado de maneira bem ativa nesses encontros, procurando levantar discussões para estimular o interesse dos investimentos no mercado brasileiro. Além disso, buscamos mostrar o nível de preparação que temos para atender demandas de investimentos estrangeiros, que só tendem a crescer com as boas notícias que o Brasil vem dando. Por conta das oportunidades que o país está começando a oferecer, procuramos organizar uma discussão sobre o que uma multinacional espera de um escritório externo.

ConJur — Clientes dos escritórios participam desses encontros?
Bastos Martins — Este ano, nós convidamos para palestrar advogados de duas empresas que são o sonho de consumo de qualquer escritório: a Avon e a Interpublic. Embora esta última não seja tão conhecida por nome, é uma holding que controla uma fatia importante das agências de publicidade multinacionais e que tem atuação em quase todos os mercados representados nesse encontro. A Interpublic representa mais de uma dezena de empresas no Brasil no segmento de publicidade. Convidamos dois clientes de peso, com grandes operações fora do Brasil e fora do país sede, que é os Estados Unidos. Se esses clientes têm operações enormes, os problemas certamente são de magnitude equivalente.

ConJur — E quais os pontos que foram discutidos?
Bastos Martins — Procuramos nos limitar a alguns pontos. Um deles é o background do advogado. Outro ponto importantíssimo é o feed back, ou seja, quais as formas e periodicidade de relatórios. Também há questões relacionadas à confidencialidade, garantias fundamentais em uma relação cliente-advogado. Há questões relacionadas a faturamento. Advogados de escritórios que se propõem a atuar nas diversas áreas do Direito, normalmente denominadas de full service, vêm de um passado não muito distante onde a cobrança era quase 100% na base de hora trabalhada.

ConJur — Há problema com esse modelo?
Bastos Martins — Ele tem sido objeto de diversas críticas. Hoje, tem-se a impressão de que a cobrança na base de hora trabalhada é, necessariamente, algo que o cliente não vê com bons olhos. Isso não é verdade. O cliente acha que tem de haver um tipo de cobrança para cada tipo de serviço. Os escritórios precisam ser mais criativos e flexíveis e entender a perspectiva do cliente na hora de propor formas de remuneração. Em determinados casos, a hora pode continuar sendo a mais transparente e honesta de se cobrar pelo serviço. Até porque nós continuamos a mensurar a produtividade dos nossos profissionais na base de horas. Um ponto que foi discutido em relação a background de escritórios e de advogados é como conseguir ser criativo e propor formas, por exemplo, de remuneração apropriada.

ConJur — Como saber qual é a forma apropriada?
Bastos Martins — Só conhecendo muito bem o negócio do cliente. Aliás, o cliente pede que o advogado conheça seu negócio. A Avon, convidada para participar do encontro, é cliente do Peixoto e Cury Advogados há mais de 60 anos. A Interpublic é relativamente nova, comparada com a Avon, mas está há mais de 30 anos conosco. A publicidade no Brasil tem uma série de nuances, que diferenciam o modelo de negócio brasileiro do resto do mundo. Nós do escritório não apenas sabemos disso como ajudamos a construir esse modelo de negócio. Estivemos muito ombro-a-ombro com o cliente, participando das discussões. Temos, hoje, um conhecimento que é muito mais do que só o aspecto técnico. É o histórico do processo.

ConJur — Em que sentido conhecer o negócio do cliente ajuda a definir a melhor forma de cobrar pelo serviço prestado?
Bastos Martins — Por exemplo, no caso da publicidade, não adianta fazer uma proposta de pagamento à vista porque a agência vai receber daqui a seis meses. Será o mesmo que pedir ao cliente, que quero cativar e me aproximar, que me pague antes de ele mesmo receber. As negociações têm de ser no mesmo ritmo. Para atender bem, é fundamental entender as dificuldades que o cliente enfrenta. Pode parecer a coisa mais óbvia do mundo, mas houve um debate intenso que explorava esse aspecto.

ConJur — O senhor poderia dar um exemplo de forma de cobrança criativa?
Bastos Martins — Muitas vezes, a criatividade não está na forma em si, mas no modo de abordar o cliente. Em alguns casos, cobrei do cliente um valor fixo pelo serviço. Não há nada de criativo nisso. A diferença foi como expus a ele o modo como enxergava seu negócio. Em função disso, achava que, naquele determinado caso, um valor fixo era mais apropriado. Também apresentei o momento do pagamento em função do que eu entendo sobre o fluxo de caixa dele. Essa abordagem foi extremamente criativa. Foi uma chance de mostrar o quanto conheço o negócio do cliente e o quanto sou parceiro dele.

ConJur — O senhor estuda cada cliente antes de abordá-lo?
Bastos Martins — Estudo cada setor da empresa. Todos os setores são importantes para o escritório. Aqui não existe nenhuma hierarquia entre as áreas da empresa. Cada uma delas exige uma forma de enxergá-la. O responsável pela área comercial, ao me procurar para um problema de contencioso, já vem mal humorado. Às vezes, não recebeu o pagamento de um cliente. Eu tenho que entender o espírito do diretor comercial quando chega para uma reunião para expor problemas. É diferente de quando, por exemplo, um diretor financeiro me procura porque quer comprar outra empresa, triplicar seu tamanho. Ele vem com outro astral. A remuneração tem que ser adequada a esse astral. A criatividade está em aplicar isso no nosso dia-a-dia. A ideia é mesclar todas as formas de cobrança, levando em conta o cliente ou cada segmento dele.

ConJur — O que é necessário para perceber cada uma dessas realidades?
Bastos Martins — É preciso investir muito tempo em cada uma dessas relações. O mais importante é conhecer o cliente, conversar com ele e escutar o que ele tem a dizer. Mas apenas isso não vai garantir um bom resultado se o advogado não for preparado para essa conversa. Também é preciso dedicar um tempo para entender de economia, de mercado. O advogado tem que ler dois ou três jornais, no mínimo, por dia, de preferência um estrangeiro. Durante a conversa com o cliente, o advogado descobre que ele pretende expandir seus negócios. Não adianta sugerir uma ajuda para que ele obtenha um financiamento pelo BNDES, por exemplo, se estou acompanhando notícias de que não existe uma linha no banco para aquele determinado segmento. É preciso estar atualizado. O cliente quer que o advogado seja multifacetado. Ninguém quer conversar com um mala, que só quer falar de Direito.

ConJur — E como fica a parte técnica?
Bastos Martins — Essa é a terceira e óbvia parte, que é investimento em técnica. É claro que existe no escritório advogados que estão mais à frente do relacionamento com o cliente e outros mais voltados para o aprofundamento técnico, mas — o que é importantíssimo — os modelos são híbridos hoje. É impossível atender sem ser um bom técnico e é impossível ser um bom técnico sem entender do negócio.

ConJur — Esse tipo de exigência é recente?
Bastos Martins — Há 30 ou 40 anos, a exigência talvez não fosse tão grande. Havia muitas empresas vindo para o Brasil e poucos escritórios preparados para atendê-las. Há um grupo de escritórios que já trabalha há algum tempo na área de Direito Empresarial, que teve uma relativa tranquilidade para crescer com a demanda espontânea que existia. Hoje, isso mudou totalmente. Temos concorrência.

ConJur — Como é a captação de clientes do exterior?
Bastos Martins — Há muitas formas, por exemplo, por meio da participação em eventos de associações como a que eu citei. Tive a oportunidade de contar para os nossos parceiros quais são as perspectivas de negócios que estão despontando no Brasil. Esses escritórios membros da associação vão levar as informações para os clientes deles. É assim que começa, com uma sementinha. No ano passado, eu estava em Nova York, onde nosso escritório participou de um evento. Falamos da agricultura brasileira. Mesmo com a expectativa dos efeitos da crise econômica, que viria nos meses seguintes, conseguimos reunir mais de cem pessoas para ouvir sobre as oportunidades de investimento no nosso cerrado.

ConJur — Essa também é uma forma de captação de clientes?
Bastos Martins — Sim. Para participar desse evento, eu e meus colegas de trabalho sentamos com o ex-ministro [da Agricultura] Roberto Rodrigues para saber o que ele pensava sobre as potencialidades do Brasil nessa área. Também conversamos com fazendeiros brasileiros e até estrangeiros, que estavam na região, para entender a realidade local. Vimos também os problemas, como as áreas de preservação permanente. Procuramos saber como o governo Lula interpreta o grande interesse de aquisição de terras brasileiras por estrangeiros. Explicamos o contexto político que o Brasil estava vivendo, com questões ligadas ao MST, por exemplo. Proferimos esse tipo de seminário e conseguimos motivar interesses e mostrar que temos conhecimento além da parte jurídica. Isso ajuda muito a captar clientes. Posso dizer que, hoje, a captação de clientes acontece de maneira quase que natural em função dos relacionamentos já estabelecidos, mas é preciso se reinventar sempre para que os olhos fiquem voltados para nós.

ConJur — Quais as dificuldades em lidar com clientes de outros países?
Bastos Martins — É muito importante entender a cultura de negócios do cliente. Esta é a razão pela qual temos uma filial em Nova York. Somente trabalhando lá, como vários já trabalharam, é possível entender as peculiaridades dos negócios daquele lugar. Uma das características principais está na velocidade da resposta. Também é preciso achar a maneira mais objetiva possível de tratar as questões e usar poucas palavras. Não é hábito dos executivos norteamericanos receber parecer com citação jurisprudencial, por exemplo. Eles entendem que cabe ao advogado ter esse tipo de conhecimento, mas esperam receber um parecer com conclusões claras e objetivas que sejam capazes de ler e contestar. Para eles, verde é verde e amarelo é amarelo. É preciso se atentar sempre. Nunca mudar, por exemplo, a opinião que já foi dada.

ConJur — Ter experiência lá fora ajuda?
Bastos Martins — Entre um advogado bárbaro que nunca foi advogar fora do país e outro que tem a experiência, ganha ponto quem já trabalhou no exterior. Se além de ter ido para o exterior, o advogado frequentou a Harvard Law School, esse é um grande diferencial. É comunicação de business. Quanto mais se especializa, maior será o tamanho do negócio.

ConJur — Mas isso depende de mais vivência do que estudo?
Bastos Martins — Sim. Muita coisa é só vivendo.

ConJur — A expectativa muda quando o cliente e o escritório externo estão dentro do próprio país?
Bastos Martins — No encontro, a discussão pendeu para a relação entre cliente e escritório externo ao local de origem da empresa, mas também se aplica ao relacionamento entre qualquer cliente e seu escritório externo.

ConJur — O senhor falou da crise econômica. Isso também foi discutido?
Bastos Martins — Não, mas a intenção foi deixar claro que o importante não é só o advogado conhecer o negócio do cliente, mas o momento em que ele vive. É preciso analisar se o negócio está crescendo ou enxugando.

ConJur — O senhor tem percebido novos nichos de atuação dos advogados?
Bastos Martins — Com a Copa do Mundo, há muito a expandir quanto à infraestrutura, mas não é só isso. Também terão questões de propriedade intelectual e de patrocínio. Os investimentos para Copa começam dois anos antes. Teremos marketing esportivo. A Copa, mais do que as Olimpíadas, gera oportunidades nacionais. Não quero ser piegas e dizer que o eixo das oportunidades será Minas, São Paulo e Rio de Janeiro, mas a Olimpíada reforça isso. Em São Paulo, por exemplo, tem cidades como Campinas que tem muito potencial. Ela está na rota do trem bala.

ConJur — O escritório pretende montar uma equipe visando os eventos esportivos?
Bastos Martins — Sim. Estamos começando a estruturar uma área multidisciplinar para atuar, principalmente, em assessoria de investimentos estrangeiros. Achamos que essa área vai aquecer. Por isso, temos de ter uma equipe muito forte em Direito Administrativo e Direito Bancário por conta das estruturas de financiamento que os eventos vão provocar. A área de propriedade intelectual também vai aquecer, pois os projetos todos vão envolver tecnologia, direito de imagem e direitos autorais. A área contratual é outra que vai aumentar muito. Basta imaginar quantos contratos são gerados em cada projeto desse porte.

ConJur — Como será a estrutura dessa equipe?
Bastos Martins — Imaginamos uma equipe não muito inchada, para focar nas oportunidades, captar demandas e distribui-las para o escritório inteiro. Outra área que terá demanda é a societária. São coisas que vêm a reboque dos projetos. Pode ser que o investidor antes de querer participar de uma licitação tenha de montar uma empresa no Brasil.

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