Quinhentas mil

Judiciário e o implemento de suas decisões

Autor

  • Joaquim Falcão

    é professor de Direito Constitucional e Diretor da Escola de Direito da Fundação Getulio Vargas do Rio de Janeiro vice-presidente do Instituto Itaú-cultural e ex-membro do Conselho Nacional de Justiça.

17 de novembro de 2009, 10h33

Não terá investidor, instituição financeira, Caixa, Santander, Real, poupador, governo que não será afetado pela próxima decisão do Ministro Sidnei Beneti, do Superior Tribunal de Justiça.

O país será outro. Será posto a limpo. Terá virado a página definitivamente. Os planos econômicos, os verdadeiros esqueletos econômicos, sairão de seus respectivos armários processuais, e se diluirão no ar livre da justiça. Para o bem de uns, para o mal de outros. Para o melhor do Brasil.

Faz cerca de quinze dias, e quase na surdina publicidade dos diários oficiais e dos sites judiciais, que o Ministro Beneti (1), mandou suspender todos os recursos, parar todos os juízes, estejam onde estiverem, em primeiras ou segundas instâncias, e que venham todos juntar-se a um só processo.

Venham compor o que ele chama de uma macro-lide. Está certo. Só a política da macro-lide pode enfrentar a política do macro-plano. Este exige aquela. Macro-plano econômico que se concretiza ou se paralisa pela micro-lide é fragmentar para desigualar. É anti democracia.

A multitude de micro-processos individualizados, a avalanche de recursos repetitivos, obriga pela racionalidade da justiça, pelo princípio da isonomia, pela eficiência processual, que tudo e todos sejam julgados de uma vez só, e de uma vez por todas.

O Ministro estima que esta sua decisão afetará cerca de 500 mil processos, hoje ainda perambulando pelo judiciário, a maioria deles levados pelas ágeis mãos de especialistas que querem o seu não julgamento.

Levados pelas mãos dos que conhecem bem a saída do labirinto judicial e dela sempre se afastam sempre quando dela se aproximam. Sísifos processuais. O que vai de tão importante ser julgado? Tudo.

Desde questões processuais como o da prescrição venenaria — isto é — se questão que se arrastam há mais de vinte anos prescreveram ou não, até a legitimidade processual das partes, dos bancos, sobretudo.

E o mais importante. Pretende-se dar um ponto final na incerteza dos cálculos e correções nômades do Plano Collor I, Plano Collor II, Plano Verão, Plano Bresser.

Pretende-se fixar se os índices a serem aplicados nas poupanças e direitos da população são 84%, 44%, 7 %, 21%, 42% e por aí vamos. Esta sim a grande insegurança jurídica. A insegurança provocada pelos índices.

Ao juntar os processos através da indispensável inovação dos recursos repetitivos, o Ministro Beneti manda ouvir todos concomitantemente, e não sequencialmente, pois aí outras dezenas de anos se passariam. Atinge assim vários objetivos de uma só vez.

O primeiro é o humano. Acaba com a agonia, com o futuro incerto, com a esperança desesperada de mais de meio milhão de brasileiros, partes, crentes e clientes da justiça de seu país.

O segundo desafoga o Judiciário, reduz-lhe os custos, aumenta o tempo profissional de milhares de juízes que antes se chocavam e se contradiziam, dizendo ou desdizendo o mesmo, esbarrando-se, desconhecendo-se e brigando nos corredores das instâncias.

Finalmente, o terceiro objetivo, e maior de todos, mostra que o real poder do Poder Judiciário não são as ameaças e as controvérsias discursivas com os demais poderes.

Mas é algo mais simples e mais precioso: a capacidade de decidir e de implementar as suas próprias decisões.

Está na eficácia da lei, mais do que na letra da lei, o grande poder recôndito dos juízes. Mais do que fixar o sentido da lei, o primeiro passo, cumpre, além disto, fazê-la obedecida e obediente à constituição.

Diante da imensa tarefa que se avizinha, e que não se enganem, não será de fácil conquista, no fundo o maior dos testes para o novo instituto dos recursos repetitivos, o Ministro Sidnei Beneti ainda encontra tempo para uma reflexão filosófica.

O que teria acontecido com os planos econômicos se a justiça fosse instantânea? Decidisse a tempo e à hora? Editados o plano na segunda, na terça a sentença definitiva sobre a sua constitucionalidade? A resposta é simples. Não haveria planos.

Os planos trazem embutidos em suas políticas a lentidão judicial para se concretizarem. Não vivem sem ela.

Para terem tempo de redistribuir e realocar, penalizar e beneficiar, os desvarios da mão invisível do mercado, palpável em cada bolso.

Qualquer plano precisa de um tempo lacaniano para se fazer acreditar, acreditados, creditados ou debitado.

Artigo publicado originalmente no blog do jornalista Ricardo Noblat, em 17 de novembro

Autores

  • Brave

    é mestre em direito pela Universidade Harvard (EUA), doutor em educação pela Universidade de Genebra (Suíça), professor de Direito Constitucional e diretor da Escola de Direito da FGV-RJ, e ex-conselheiro do Conselho Nacional de Justiça.

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