Forma de julgar

"Recursos deveriam ser exceção, mas são a regra"

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15 de novembro de 2009, 8h06

Spacca
Fabricio Fernandes - Spacca

A Justiça Federal da 2ª Região (Rio de Janeiro e Espírito Santo), se prepara para virtualizar todos os processos que chegarem às varas já a partir de 2010. Com a perspectiva de aumento da demanda por conta da exploração do petróleo na camada do pré-sal, da Copa do Mundo de 2014 e do Rio como sede das Olimpíadas de 2016, os juízes federais querem o aumento do número de varas federais na região, acompanhado também da ampliação do Tribunal Regional Federal da 2ª Região.

Presidente da Associação dos Magistrados Federais do Rio de Janeiro e Espírito Santo (Ajuferjes), o juiz Fabrício Fernandes de Castro entende que a região precisa de mais estrutura. Também acredita que os juízes perdem independência com os mecanismos utilizados pelos tribunais superiores para filtrar recursos, como súmula vinculante e repercussão geral, e até mesmo com a questão remuneratória.

“A sentença, pela própria origem da palavra, vem do radical sentir. O juiz sente e expõe as razões pelas quais ele julga de uma forma ou de outra no caso concreto. Se ele apenas concorda com uma súmula vinculante, não está expressando o sentimento com relação àquela questão; está apenas cumprindo uma ordem.”

Os dados do programa Justiça em Números, do CNJ indicam que os juízes de primeiro grau da 2ª Região apresentam a maior taxa de congestionamento entre as cinco regiões federais com 90,2% enquanto para os deembargadores do TRF-2 a taxa é a segunda menor com 52,2%. Ainda segundo o Justiça em Números, os juízes de primeira instância têm a maior carga de trabalho (4.187 processos por juiz) e o TRF-2 a menor carga (3.980 processos por deembargador).

De fala e feições tranquilas, o presidente da Ajuferjes endurece o tom quando o assunto é salário. “Os juízes federais continuam inferiorizados sob o aspecto remuneratório em relação a carreiras hierarquicamente inferiores dentro da estrutura”, afirma. O salário de um juiz federal em início de carreira é de R$ 19,9 mil. 

Na entrevista concedida à revista Consultor Jurídico em seu gabinete, no centro do Rio de Janeiro, Fabrício Fernandes afirma também que a Justiça Federal é, hoje, a mais controlada, já que se submete à corregedoria de três órgãos: Tribunal, Conselho Nacional de Justiça e Conselho da Justiça Federal. “Mais controlado do que isso é impossível”, disse.

Isso o leva a conclusão de que com esses mecanismos de controle do Poder Judiciário, sobretudo depois da criação do CNJ, não faz mais sentido manter o quinto constitucional para os advogados.

Fabrício Fernandes também é crítico da Meta 2 do CNJ. A meta prevê o julgamento de todos os processos distribuídos até 31 de dezembro de 2005. Juiz substituto da 26ª Vara Federal Cível, onde exerce a titularidade em decorrência da convocação do titular, ele conta que a experiência tem demonstrado que é possível alcançar suas próprias metas. “Nós estamos conseguindo julgar mais processos do que nós recebemos para julgar. É por conta de uma organização, um planejamento estratégico de longo prazo e não apenas de curto prazo, como é a Meta 2”, diz. A Meta 2 tem como objetivo julgar justamente os processos com um longo prazo de atraso.

Formado pela Faculdade de Direito da Pontifícia Universidade Católica do Rio, o juiz conta que, no final do curso, já vislumbrava a carreira pública. Amante da profissão, Fabrício Fernandes costuma dizer que não foi ele quem escolheu a Justiça Federal, mas esta que o escolheu. “Não tenho vergonha de dizer que não fui aprovado em outros concursos”, disse de modo franco.

“A primeira audiência resultou em acordo. Senti uma satisfação enorme, que me levou acreditar que o trabalho fazia diferença para o meu país, para as pessoas que estavam sendo julgadas por mim e que, portanto, eu deveria sempre fazer aquilo da melhor forma possível.”

Leia a entrevista

Conjur — Já há previsão de onde serão instaladas, no Rio e no Espírito Santo, as varas federais criadas pela Lei 12.011/2009?
Fabrício Fernandes —
Após o advento da lei, o Conselho da Justiça Federal está estudando a melhor distribuição dessas varas. São 230 pelo Brasil inteiro e a divisão terá de ser feita entre as cinco regiões. Feito isso, acredito que o conselho deixará a critério de cada tribunal determinar onde serão instaladas. A Ajuferjes identificou que, no estudo original que encaminhou o projeto de lei para criação das varas, houve um erro material com relação ao número de varas existentes na 2ª região.

Conjur — Qual foi o problema?
Fabrício Fernandes — Foram contabilizados 25 Juizados Especiais Federais que não existiam. Eram juizados adjuntos e não órgãos autônomos, pois a competência era prestada pelas próprias varas federais. É muito provável que o estudo seja simplesmente abandonado, porque não se sustenta no mundo dos fatos. Representa um erro material que geraria um prejuízo muito grande para a 2ª região.

Conjur — O que foi feito para corrigir essa distorção?
Fabrício Fernandes — A Ajuferjes entregou um estudo que aponta o erro aos presidentes e aos corregedores do Tribunal Regional Federal da 2ª Região e do CJF. Todos estão cientes de que efetivamente o erro material precisa ser corrigido sob pena de o conselho decidir com base em um estudo de conteúdo equivocado. Nós temos uma boa expectativa até por conta de questões econômicas, peculiares da região que surgiram desde o encaminhamento do projeto de lei cinco anos atrás até a aprovação, em 2009.

Conjur — Quais o senhor apontaria?
Fabrício Fernandes — A principal delas é a descoberta do pré-sal, que certamente vai trazer uma demanda significativa para a região, com questões tributárias, licitações, meio ambiente. Um outro fator é a escolha do Rio para sede dos Jogos Olímpicos de 2016. Os jornais estão noticiando investimentos em torno de 26 bilhões de dólares. Isso gera uma potencialidade de demanda que certamente vai desaguar na Justiça Federal do Rio de Janeiro.

Conjur — De quantas varas a 2ª Região precisaria?
Fabrício Fernandes — A nossa necessidade foi identificada pela corregedoria do TRF-2, que fez um levantamento mais profundo já com dados de demanda, população e real necessidade. A corregedoria apontou que são necessárias 59 novas varas federais na 2ª região. Importante também e não temos nenhum projeto de lei nesse sentido seria a ampliação dos próprios tribunais regionais federais. Nos últimos 10 anos, a primeira instância aumentou de forma significativa em relação ao tribunal, que continuou com os mesmos 27 postos de desembargadores originais. Com isso aumentou a produtividade da primeira instância e, conseqüentemente, o número de recursos para a segunda. Na medida em que não há proporção entre o aumento das duas, há um congestionamento de processos no Tribunal. É uma questão de matemática.

Conjur — Como esse desequilíbrio tem sido contornado?
Fabrício Fernandes — A solução que os tribunais têm adotado é a convocação de juízes do primeiro grau para auxiliar nos julgamento do tribunal, ou até para substituir desembargadores em caso de vacância. Ocorre que essas convocações prejudicam a primeira instância, pois o juiz convocado precisa utilizar o apoio de seu gabinete. O ideal seria a ampliação dos tribunais com criação de novas turmas, novos cargos e a promoção de juízes para desembargadores. Com isso, são abertas vagas na primeira instância para novos juízes e servidores. Hoje, o número escasso de servidores ainda é um problema em muitas localidades.

Conjur — Não há previsão quanto ao aumento de vagas para desembargadores?
Fabrício Fernandes — Há uma proposta, que foi levada para o Superior Tribunal de Justiça, que é a quem compete encaminhar o projeto de lei para a ampliação dos tribunais. Ainda não houve um consenso no Superior Tribunal de Justiça e nem o encaminhamento do projeto de lei. Esse ponto deveria ser visto e implementado com a maior urgência possível.

Conjur — Se aumentar a segunda instância, os tribunais superiores é que ficarão abarrotados?
Fabrício Fernandes — Acredito que seja uma agenda de prioridades. É papel da associação destacar a relevância e a prioridade da ampliação do Tribunal. Já se falou também da ampliação do próprio STJ, mas acredito que os novos mecanismos, como a súmula impeditiva de recursos, venham a reduzir a demanda dos tribunais superiores. Não é possível que eles recebam tantos processos. É um número irrazoável.

Conjur — É da própria cultura jurídica recorrer até a última possibilidade?
Fabrício Fernandes — Sim, mesmo quando diversas matérias já são pacificadas. Os próprios órgãos públicos são responsáveis pela demanda dos tribunais superiores, pois recorrem, muitas vezes, cientes de que vão perder, só pela vontade de protelar e não deixar a Justiça ser realmente efetiva. Isso precisa ser revisto até mesmo no sentido de restringir a possibilidade de recurso. Há um desprestígio das decisões do juiz de primeiro grau, pois os recursos deveriam ser exceções. Pela nossa prática forense os recursos são a regra. O juiz quando condena a Fazenda Pública é obrigado a remeter o processo ao tribunal sem que ninguém o provoque. Como é que se pede o aval do tribunal para aquilo que o próprio juiz decidiu? Não vejo mais motivo para esse instrumento da remessa obrigatória.

Conjur — O senhor falou de mecanismos para filtrar recursos nos tribunais superiores. O que o senhor acha da súmula vinculante?
Fabrício Fernandes — A súmula vinculante é um remédio que veio para diminuir os recursos nos tribunal superiores e que, além de não curar, traz um efeito colateral gravíssimo: a redução da independência de julgar dos juízes. A partir do momento em que o juiz é obrigado a julgar de uma determinada forma, ele não está julgando; está apenas cumprindo uma ordem de um tribunal superior. Nós sabemos que o juiz não está nas varas para cumprir ordens, mas a Constituição e as leis; para aplicar o Direito e não simplesmente para repeti-lo. Um outro risco da súmula vinculante é o exercício do papel de legislador pelo Supremo Tribunal Federal.

Conjur — De que maneira?
Fabrício Fernandes — A súmula vinculante, quando é editada, entra no mundo jurídico como norma jurídica. Quando se trata de leis e emendas constitucionais, o juiz tem o discernimento de contrapor esses textos à Constituição. O juiz pode, no caso concreto, verificar que tal lei ou que os efeitos dela estão em desacordo com a Constituição. Na súmula vinculante isso não ocorre. O juiz é obrigado a decidir de acordo com a súmula. Ou seja, a súmula vinculante acaba sendo “mais poderosa” que a própria lei. Isso é outro fator que precisa ser melhor meditado sobre a questão da súmula vinculante.

Conjur — E quanto ao mecanismo da Repercussão Geral?
Fabrício Fernandes — Isso é o exercício do controle concentrado de constitucionalidade pelo Supremo Tribunal Federal, que é muito semelhante à questão da súmula vinculante. Muito mais eficiente é a súmula impeditiva de recursos, que reduz a demanda dos tribunais superiores sem invadir a independência dos juízes. Não cabe recurso se o juiz julgar com fundamento na súmula. A sentença vai transitar em julgado e não caberá recurso. Isso com certeza desafoga tanto os tribunais de segunda instância quanto os tribunais superiores. O que acontece, hoje, é o contrário. Se o juiz julga diferente da súmula, cabe uma reclamação direto no Supremo, como se fosse uma falta funcional um juiz decidir contra uma súmula vinculante.

Conjur — O senhor falou da autonomia dos juízes. Uma das críticas que se faz ao modo como as questões são decididas é que cada juiz decide de maneira diferente em processos muito similares, para não dizer idênticos.
Fabrício Fernandes — Na verdade, o juiz decide de acordo com a consciência, mas a Constituição o obriga a expor os motivos da decisão, a fundamentá-la. Como os juízes atuam como agentes políticos da República, essa atividade criadora com relação ao Direito é fundamental para oxigenação da própria jurisprudência. A ciência do Direito não é exata. A jurisprudência é um fator relevante no momento de decidir, mas não pode ser o único. Se o juiz, no caso concreto, está convencido de que a solução encontrada anteriormente não é adequada, a mais justa nem a mais própria ao conteúdo do texto da lei, da Constituição e do sentimento de Justiça, ele tem a liberdade de fundamentar e expor seus motivos. A independência é uma garantia, principalmente, dos cidadãos e não apenas dos juízes.

Conjur — Voltando à questão da demanda à Justiça Federal com o pré-sal, Copa do Mundo e Olimpíadas. Os juízes do Rio estão preparados para enfrentar temas tão complexos como esses?
Fabrício Fernandes — Os juízes, em regra, necessitam de apoio de peritos, porque muitas dessas questões são não apenas jurídicas, mas envolvem conhecimentos técnicos de outras áreas. Isso é normal dentro do processo. Os juízes federais são profissionais da elite do mundo jurídico nacional e internacional. O concurso de juiz federal envolve todos os ramos da ciência jurídica, desde o Direito Civil até o mais moderno Direito Ambiental ou Econômico. Os juízes são obrigados, inclusive, a frequentar cursos de atualização, sob o risco de ficarem impedidos de concorrer à promoção por merecimento. Todo o aspecto jurídico não poderia estar melhor entregue.

Conjur — Como são realizados os cursos de atualização?
Fabrício Fernandes — A Escola Nacional de Formação e Aperfeiçoamento da Magistratura [Enfam] fixou metas para os tribunais cobrarem dos juízes. Na 2ª Região, isso é feito pela Emarf, que cria e cadastra junto à Enfam um roteiro de um curso, os juízes se inscrevem e participam com produtividade nesse curso. Pessoalmente, acho que há um certo exagero na carga horária atualmente exigida.

Conjur — Qual é a carga horária?
Fabrício Fernandes — Quarenta horas por ano. Nós já temos tantas questões judiciais; se formos tirar 40 horas por ano, é uma semana a menos de trabalho. Acho que poderia ser algo mais razoável ou com outro modelo, pois o atual cobra demais ainda mais com a meta do Conselho Nacional de Justiça.

Conjur — O senhor se refere à Meta 2 [meta fixada pelos presidentes de todos os tribunais de Justiça do país e do CNJ que estabelece o julgamento de todos os processos distribuídos até 31 de dezembro de 2005]?
Fabrício Fernandes — Sim. Embora seja uma meta justa para o jurisdicionado, acreditamos — eu particularmente — que essa meta deveria vir acompanhada de melhorias nas condições de trabalho dos juízes, com mais servidores, mais varas e com a ampliação dos tribunais. Na minha vara, não temos nenhum processo parado. Mas, infelizmente, existem processos que requerem, por exemplo, justiça gratuita em que é necessária uma perícia gratuita. Nós temos convênios com instituições que nos fornecem peritos, mas como a demanda é enorme, não são suficientes. Muitas vezes, os processos ficam um ou dois anos aguardando esse tipo de perícia. Simplesmente existem processos mais complexos e demorados do que outros. Em compensação, embora ainda tenhamos na vara 80 processos da meta 2, temos processos que julgamos em 60 dias com sentença de mérito. Minha crítica sobre esse nivelamento nacional é que iguala todos os tipos de processos. Não é por desídia dos juízes, falta de trabalho ou de dedicação que eles demoram mais e sim pelo conteúdo e pelo rito de cada um.

Conjur — O senhor acha que o cumprimento da Meta 2 pode prejudicar a solução de outras ações?
Fabrício Fernandes — Administrar essa demanda da Meta 2, juntamente com uma organização de trabalho que já tem sido implantada com sucesso, tem sido um dilema para o juiz. Nesta vara, por exemplo, há quatro anos tínhamos quatro mil processos. Hoje, temos 1,8 mil processos em andamento. Significa que o nosso trabalho está dando bom resultado. A meta dois é um planejamento de curtíssimo prazo. Um receio que eu tenho é de que, nessa cobrança por celeridade dos processos da Meta 2, haja uma queda de qualidade nas decisões. Talvez, os juízes não tenham tempo adequado à tranquilidade necessária para julgar com o cuidado que a demanda judicial requer. Isso traz o risco de decisões açodadas, equivocadas e pouco estudadas ou examinadas. É um risco. Por outro lado, todo mundo repete que a Justiça tardia é, na verdade, uma injustiça. São fatores que precisam ser ponderados. Mas já que temos que cumprir, vamos fazer todo nosso esforço para cumprir a meta do CNJ.

Conjur — O juiz é o administrador da vara. Alguma dica para o juiz julgar mais processos do que recebe?
Fabrício Fernandes — Posso falar da experiência da 26ª Vara. O conhecimento do problema é fundamental. É importante que o juiz saiba quantos processos tem em andamento, quantos entram em média, quantos entram conclusos, para que ele mesmo fixe metas. Por exemplo, se eu recebo 100 processos por mês eu preciso proferir sentença em mais de 100. Logo, preciso proferir cinco sentenças por dia, para no final do mês eu atender àquela demanda. Junto com o diretor de secretaria, que é o braço direito do juiz na vara, organizo o trabalho. É preciso também que haja diálogo constante do juiz com a parte administrativa para identificar os gargalos.

Conjur — A Justiça Federal do Rio costuma julgar casos rumorosos como o da disputa pela guarda do menino Sean Goldman, que começou na Justiça Federal. O senhor acha que a cobertura da imprensa pode prejudicar o julgamento e o trabalho do juiz?
Fabrício Fernandes — O processo deste caso está sob segredo de Justiça. E quando há uma cobertura da imprensa muito grande sobre esse tipo de processo, significa que, em algum momento, houve vazamento indevido daquelas informações. Esse vazamento é ilegal. Fugindo desse exemplo, vamos supor uma questão muito polêmica que não esteja sob segredo de Justiça. Particularmente, acredito que a cobertura da imprensa e o interesse pela Justiça têm que ser o maior possível. Nós temos que desfazer essa imagem de que o Poder Judiciário é obscuro e de difícil acesso.

Conjur — Não é?
Fabrício Fernandes — Não. Todos os atos do Judiciário, com exceção dos que estão em segredo em questões peculiares, como o interesse da criança, por exemplo, são públicos com acesso livre a todos os cidadãos. Qualquer um que tomar conhecimento de um processo, pode olhar, assistir à audiência, presenciar o juiz colhendo depoimentos das pessoas, respeitando a questão física. Nós não temos grandes espaços. O Poder Judiciário é totalmente transparente. As pessoas precisam ter essa consciência para que a crítica não seja infundada, e sim com conhecimento do processo e do julgamento onde o juiz expôs seus motivos. Julgamento este que o juiz proferiu sempre com base na consciência dele e não em outros fatores. Eu não acredito que a presença da imprensa intimide o juiz de forma alguma. Até porque o juiz não tem como finalidade agradar a opinião pública. A finalidade é julgar de acordo com o que o juiz acredita ser o correto. Os processos são públicos e sujeitos ao contraditório.

Conjur — As decisões da justiça federal também são disponibilizadas na internet. Tem alguma regra que obrigue os juízes a publicarem online essas decisões?
Fabrício Fernandes — Não. Isso são normas administrativas. É uma iniciativa da própria Justiça, que se antecipou ao Legislador e passou a divulgar as decisões na internet. E há um projeto do desembargador Paulo Espírito Santo, presidente do TRF-2, de virtualizar toda a Justiça Federal da 2ª região até 2010. Todo processo público e seu procedimento poderão ser acompanhados pela internet. É a transparência total.

Conjur — E como é a relação dos juízes federais com a direção do tribunal?
Fabrício Fernandes — Nós temos um relacionamento de muita cordialidade com o nosso tribunal. Eventualmente, pode vir a ter divergência em uma ou outra questão administrativa. A questão de eventualmente um requerimento indeferido é técnica, com diferentes visões e fazem parte do mundo jurídico. Mas é de respeito e colaboração recíprocos e independência total dos juízes com relação ao tribunal. Essa independência é totalmente respeitada.

Conjur — Há muitas reclamações contra juízes na corregedoria do tribunal
Fabrício Fernandes — São raríssimos os casos em que foi identificada alguma irregularidade. A regra é juízes comprometidos com a prestação jurisdicional, honestos, dedicados, eficientes e conscientes da sua função como agentes políticos da República.

Conjur — O Rio tem um dos Tribunais de Justiça mais rápido do país. Como a Justiça Federal do Rio e do Espírito Santo está no quesito agilidade em relação às outras regiões?
Fabrício Fernandes — O TJ, hoje, é modelo de rapidez e eficiência no segundo grau porque conta com quase 200 desembargadores. E a demanda é de um único estado. O TRF da 2ª região tem apenas 27 desembargadores para dois estados. Não será possível estabelecer um ritmo de julgamento adequado, comparável ao Tribunal de Justiça do Rio, em termo de velocidade sem a ampliação. Há uma sobrecarga enorme sobre o Tribunal Regional Federal. Mas, dentro do modelo da Justiça Federal, nós temos um dos mais eficientes tribunais.

Conjur — O que o senhor acha do trabalho do Conselho da Justiça Federal e do CNJ? A justiça federal está sob a supervisão do CNJ também?
Fabrício Fernandes — Sim. A justiça federal é a mais controlada da República. Nós temos três corregedorias: a do Tribunal, a do CJF e a do CNJ. São três órgãos com funções correcionais sobre os juízes federais. Acho que deveriam ser suprimidas algumas formas existentes já que a participação da sociedade é tão grande. Acho inclusive, que o próprio quinto constitucional não faz mais sentido. Não tem sentido o ingresso no tribunal sem concurso.

Conjur — Por que?
Fabrício Fernandes — Eu vejo o quinto constitucional como uma forma de controle sobre o Poder Judiciário. Tivemos a criação do Conselho Nacional de Justiça com o controle ainda maior e que é formado de advogados, membros da sociedade civil, Ministério Público, inclusive com poderes correcionais sobre os juízes. Acredito que mecanismo mais antigo como o quinto constitucional não tem mais razão de existir. Isso com relação à OAB. Com relação ao Ministério Público deveria haver, no mínimo, reciprocidade. Para que os membros do MP possam ingressar na magistratura, as procuradorias regionais também deveriam estar abertas aos magistrados para que concorram para ingressar no MP.

Conjur — A Justiça Federal da 2ª Região é contra o quinto?
Fabrício Fernandes — Não. Isso é uma posição pessoal. Não vou falar em nome da Justiça Federal. Mas arriscaria a dizer que é a maioria. É só um palpite.

Conjur — Recentemente, advogados e juízes travaram uma disputa no TRF-2 por uma vaga de desembargador.
Fabrício Fernandes — Mas não foi uma manifestação do tribunal contra a instituição do quinto constitucional, e sim uma interpretação da norma. Uma interpretação corretíssima, pois é uma questão técnica. O quinto como exceção à regra de acesso à magistratura, que é o concurso, deve ser interpretado de forma restritiva e não de forma extensiva. Portanto, em havendo fração no cálculo do quinto, essa fração não pode ensejar mais uma vaga para a Ordem dos Advogados. Como nós temos 27 membros, não seriam seis do quinto constitucional, mas apenas cinco, sob pena de haver mais de um quinto.

Conjur — E como é o relacionamento dos juízes federais com os advogados? Há algum problema com a OAB?
Fabrício Fernandes — Particularmente, nunca tive nenhum tipo de problema. Tenho todo o respeito pelos advogados. Já fui um e me lembro muito da época em que estava do outro lado da mesa. Procuro sempre recebê-los da melhor forma possível, dentro, às vezes, de uma limitação de horários. Às vezes, estou em audiência e não posso parar para tratar com o advogado. Quando estou apreciando uma questão muito urgente, peço para o advogado retornar pouco depois. É uma relação excelente. A Justiça não faz sentido sem o advogado.

Conjur — O senhor marca hora?
Fabrício Fernandes — Comigo não é necessário agendar horário; basta chegar. Se o advogado quiser falar comigo pessoalmente, desde que haja uma petição nos autos, estou sempre à disposição. Eu estou aqui para apreciar os requerimentos, as petições, não para outra coisa.

Conjur — Meses atrás, o senhor disse que a maior preocupação dos juízes era em relação ao salário. Recentemente foi aprovado o aumento da remuneração. Melhorou a situação?
Fabrício Fernandes — Não. Essa lei foi uma vergonha para o Brasil e a forma como foi aprovada representou um desrespeito ao Supremo Tribunal Federal. O Supremo encaminhou um índice mínimo de 14% referente à inflação dos últimos quatro anos. Não é um aumento; é uma simples reposição de perdas da inflação. E ainda assim o Congresso reduziu o valor de forma agressiva, desrespeitando a Constituição. A CF prevê o reajuste anual. Nos últimos quatro anos a Constituição foi desrespeitada. O governo federal foi manifestamente contra o índice mínimo proposto pelo Supremo. Com isso, os juízes federais continuam inferiorizados sob o aspecto remuneratório em relação a carreiras hierarquicamente inferiores dentro da estrutura. A magistratura federal deveria ser o topo remuneratório. A situação é preocupante, ainda mais no Rio de Janeiro onde o custo de vida é altíssimo e não é mais possível levar uma vida adequada à dignidade do cargo que ocupa.

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