Princípio da simetria

Prazo prescricional da CFEM é de três anos

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7 de novembro de 2009, 6h02

A Compensação Financeira sobre a Exploração Mineral (CFEM) é assunto que tem causado severas discussões nos últimos anos, uma vez que sua natureza apresenta nuanças que a tornam um ser híbrido entre o Direito Público e o Direito Privado.

Apresentada na Constituição de 1988, em seu artigo 20, parágrafo 1º, é devida aos estados, ao Distrito Federal, aos municípios e aos órgãos da administração da União, como contraprestação pela utilização econômica dos recursos minerais em seus respectivos territórios.

Ocorre que, em razão da sua natureza híbrida, não há ainda uma definição direta acerca de diversos aspectos a si tocantes, dentre os quais o prazo prescricional aplicável.

Em virtude do demonstrado, propõe-se a análise do instituto que partirá do geral para o específico, iniciando com uma observação de sua natureza jurídica, do conceito de receita patrimonial da União, de renda temporária e de prescrição, findando com a observação do prazo prescricional que melhor se subsume à CFEM.

Natureza Jurídica
Mesmo sabendo já superada a dicotomia entre Direito Público e Privado, como ao Estado são dadas regras próprias, necessária é a observação da posição da CFEM dentro desta perspectiva, ou seja, se age o ente estatal como particular ou se utiliza de seu poder de império, onde teremos a aplicação da legislação civil comum ou da legislação administrativa.

A exploração de recursos minerais faz nascer a necessidade da Compensação Financeira como preceito de justeza, uma vez que o particular que retira substâncias minerais das jazidas, minas, salinas ou outro depósito, para fins de aproveitamento econômico, necessita dar uma contra-prestação ao Estado e a comunidade. O momento de apuração ocorre com a venda do produto mineral, pela utilização e transformação industrial do produto mineral ou mesmo o seu consumo por parte do minerador.[1]

Dentro dessa feição, clara se demonstra, o que também é a interpretação jurisprudencial[2] mais aceita, que “a CFEM é uma receita patrimonial originária do Estado, já que é devida em contrapartida à exploração de recursos minerais, que constituem patrimônio da União Federal e que depende de autorização ou concessão do Estado. Assim sendo, perante o entendimento jurisprudencial, a CFEM pode ser entendida como um royalty, devido como ressarcimento pela exploração do patrimônio público, não devendo ser entendida como uma receita tributária.”[3]

Partindo disso, temos que a CFEM há de ser encarada como uma receita patrimonial originária do Estado.

Receita Patrimonial da União
As receitas públicas podem ser classificadas em originárias e derivadas.

As receitas originárias, receitas de economia privada ou de direito privado, advêm do próprio patrimônio público, por remuneração pela utilização de bens e valores, de aplicações financeiras, produção de bens e serviços, concessões e permissões etc.[4]

Já as receitas públicas derivadas são obtidas por meio da tributação, de multas, de indenizações e restituições.

A Receita Originária, também conhecida como Receita Patrimonial, apresenta o seguinte conceito legal (Lei 4.320 de 1964):

“Receitas patrimoniais são aquelas geradas pela exploração do patrimônio do Estado (ou mesmo pela sua disposição), feitas segundo regras de direito privado, conseqüentemente sem caráter tributário. Com efeito, os Poderes Públicos desfrutam de um patrimônio formado por terras, casas, empresas, direitos, que são passíveis de serem administrados à moda do que faria um particular, isto é, dando em locação, vendendo a produção de bens ou mesmo cedendo o imóvel ou o direito”[5].

Dos conceitos antes demonstrados, clara se demonstra a adequação entre a CFEM e o conceito de Receita Patrimonial, restando a análise de suas implicações no que toca à prescrição e forma de constituição do crédito.

Prescrição da compensação
Tratar de prescrição dentro do ordenamento pátrio é adentrar à seara das mais escorregadias, uma vez que apresenta conceitos e efeitos diversos a depender do ramo do direito em que se estuda.

A estruturação da definição geral de prescrição parte de sua visão civil, onde a identifica com “a perda do direito de ação”, deixando-a, assim, a cargo do Direito Processual, ao turno de decadência que trataria da “perda do próprio direito” e trataria de direito material.

Dentro da visão tributária e dos créditos devidos ao Estado, que em virtude do Princípio da Simetria se assemelham quanto à cobrança e seus efeitos, temos uma mistura dos conceitos, dentre outros motivos, pelo Código Tributário Nacional considerar a prescrição como forma extintiva do crédito tributário, diferenciando-a da decadência apenas pelo momento temporal em relação ao lançamento.

Em suma, ao tratar da prescrição temos que levar em conta a variação de seu conteúdo dentro dos Ramos do Direito que, no caso do estudo proposto, deve ter em mente um conceito próximo do aplicável ao Direito Tributário.

Uma vez demonstradas as definições gerais de CFEM, Receitas Patrimoniais da União e Prescrição, resta, avaliando dentro de nossa legislação, observar qual seria o prazo prescricional aplicável.

Prazo Geral de Prescrição do Código Civil
Quando da declaração de natureza não tributária da CFEM restou como interpretação inicial que, por inexistência de prazo prescricional específico, seria aplicável a regra geral do Código Civil (artigo 205 c/c artigo 2.028, ambos do Código Civil), ou seja:

“a) a partir de 10/01/2003 – 10 anos;

b) créditos até 09/01/1993 – 20 anos;”

Quanto à contagem dos prazos intermediários, entre 10 de janeiro de 1993 e 9 de janeiro de 2003, tal deveria ocorrer com base nos dez anos, a título do artigo 2.028 do referido Código, em virtude da vacatio legis de um ano concedida utilizando-se o princípio dormientibus no sucurrit jus.

Ocorre que há interpretação do Superior Tribunal de Justiça no sentido de que o prazo prescricional diminuído pelo Código Civil de 2002 seria contado a partir da entrada em vigor desta lei, chegando-se à conclusão de que os dez anos começariam a contar a partir de 10 de janeiro de 2003.

Partindo disso, o prazo prescricional da CFEM seria, atualmente, de dez anos, salvo a existência de prazo prescricional específico.

Renda temporária
Como ficou clara a natureza na tributária da CFEM, houve a possibilidade de sua interpretação enquanto “renda temporária”.

A renda temporária teria por base a constituição de um pagamento relativo à utilização de um bem por um determinado tempo, sem a passagem de sua propriedade, para a utilização por uma pessoa diferente do proprietário.

In casu, o subsolo é propriedade de União, sendo o explorador portador de alvará de pesquisa para a exploração, que detém determinado prazo, pagando, como contraprestação, a CFEM, que é repassada pela União aos outros entes.

Ora, como a exploração detém prazo definido e seu pagamento tem por base a exploração, clara se demonstra a sua natureza de renda temporária, com prazo prescricional de três anos a termo do inciso I, do parágrafo 3º, do artigo 206 do Código Civil.

Ou seja, caso encarada a CFEM como renda temporária, o seu prazo prescricional seria da tres anos.

Lei 9.636/98
Defendendo a linha de que a CFEM se trata de Receita Originária e de que pertence diretamente à União, que a constitui e cobra, e indiretamente aos estados e municípios, clara seria a possibilidade de utilização da Lei 9.636/98 para apurar a prescrição e decadência dos créditos.

O texto em comento sofreu algumas alterações, assim observemos o texto que vigorou de 1998 até a Lei 9.821/99:

“Art. 47. Prescrevem em cinco anos os débitos para com a Fazenda Nacional decorrentes de receitas patrimoniais.

Parágrafo único. Para efeito da caducidade de que trata o art. 101 do Decreto-Lei no 9.760, de 1946, serão considerados também os débitos alcançados pela prescrição.”

No texto fica demonstrado que no período entre o início da vigência da Lei 9.636/98, em 15 de maio de 1998, até a modificação legal ocorrida em 23 de agosto de 1999, o prazo prescricional seria de cinco anos.

É engraçado notar que a alteração legal imposta pela Lei 9.821/99 não teve o condão de alterar o prazo prescricional, que se manteve em cinco anos, inclusive com o advento da Medida Provisória 152, convertida na Lei 10.852/04, que teve vigência a partir de 23 de dezembro de 2003, tendo como condão regulamentar a decadência do crédito, o que alterou a forma de contagem da prescrição. Observe-se o texto:

“Art. 47. O crédito originado de receita patrimonial será submetido aos seguintes prazos:

I – decadencial de dez anos para sua constituição, mediante lançamento; e

II – prescricional de cinco anos para sua exigência, contados do lançamento.”

Assim, de uma análise literal da Lei, temos que há prazo prescricional de cinco anos a contra do lançamento, ao passo que temos o prazo decadencial de dez para a constituição do crédito.

É de salientar que já existe parecer da Advocacia Geral da União no sentido da aplicação deste prazo à CFEM a partir de 23 de dezembro de 2003.

Princípio da simetria
Por fim, resta a análise do Princípio da Simetria, uma vez que, consoante a Lei 20.910/32, o administrado tem cinco anos para ser ressarcido pelo Estado, o prazo para a cobrança de créditos não-tributários seria o mesmo.

Avaliando tal questão, assim decidiu o Tribunal Regional Federal da 4ª Região:

DIREITO MINERÁRIO. COMPENSAÇÃO FINANCEIRA PELA EXPLORAÇÃO DE RECURSOS MINERAIS. NATUREZA JURÍDICA. PRESCRIÇÃO. DEDUÇÃO DO ICMS.

– A cobrança de Compensação Financeira pela Exploração de Recursos Minerais (CFEM) é prevista no art. 20, § 1º, da CRFB, constituindo-se em receita patrimonial da União. Não se trata, portanto, de preço público – contraprestação contratual por prestação de serviço público.

– Tratando-se de relação jurídica de caráter não-tributário com assento no Direito Administrativo, aplica-se-lhe, por simetria, o prazo prescricional de cinco anos previsto no art. 1º da Lei n.º 20.910/32.

– Para fins de desconto do ICMS da base de cálculo da CFEM, a teor da legislação de regência, há que se apurar o débito da empresa para com o Fisco Estadual de acordo com o que consta nos seus livros de escrituração contábil-fiscal, não podendo lançar-se à conta os créditos decorrentes de operações anteriores, na medida em que a tributação excluída é aquela que diz respeito exclusivamente à comercialização do produto mineral, as despesas de transporte e as de seguros (art. 2º da Lei n.º 8.001/90).

Da decisão, observa-se seu caráter de justeza, em que claramente o Princípio da Simetria é aplicável ao caso. O prazo prescricional de CFEM será de cinco anos.

Do estudo elaborado, restou clara a complexidade da análise do fenômeno da prescrição junto à CFEM, onde várias teses se apresentaram viáveis de aplicação.

De toda feita, restam como mais favoráveis as teses da aplicação da Lei 9.636/98, esta aceita pela própria AGU, e do Princípio da Simetria, o que acaba, ao final, com a antiga aplicação das regras gerais do Código Civil.

Assim, após análise das teses apresentadas, é tranquila a não aplicação do Código Civil para a regulação do prazo prescricional ao caso, seja pela aplicação do Princípio da Simetria, seja utilizando a Lei 9.636/98, caso em que o Código Civil seria utilizado até a entrada em vigor desta lei.


[1] Disponível em: http://www.dnpm.gov.br/conteudo.asp?IDSecao=60

[2] “BENS DA UNIÃO (RECURSOS MINERAIS E POTENCIAIS HÍDRICOS DE ENERGIA ELÉTRICA). PARTICIPAÇÃO DOS ENTES FEDERADOS NO PRODUTO OU COMPENSAÇÃO FINANCEIRA POR SUA EXPLORAÇÃO (CF. ART. 20 E §1º). NATUREZA JURÍDICA. CONSTITUCIONALIDADE DA LEGISLAÇÃO DE REGÊNCIA.

O tratar-se de prestação pecuniária compulsória instituída por lei não faz necessariamente um tributo da participação nos resultados ou da compensação financeira previstas no artigo. 20, §1º, CF, que configuram receita patrimonial.”(g.n.) (STF – RE 228800/DF – Rel. Min. Sepúlveda Pertence- DJ. 16/11/2001).

[3] TRZCINA, Luis Wolf. Aspectos gerais da Compensação Financeira pela Exploração de Recursos Minerais (CFEM). Jus Navigandi, Teresina, ano 5, n. 49, fev. 2001. Disponível em:

[4] MORAES JÚNIOR, José Jaime. Contabilidade Pública. Disponível em: < http://www.cursoaprovacao. com.b/cms/artigo.php?cod=34252838>

[5] BASTOS, C. R. Curso de direito financeiro de direito tributário. 5. ed. São Paulo: Saraiva, 1997. p. 38

Autores

  • Brave

    é advogado tributarista do Grupo Votorantim do Norte/Nordeste, professor da Graduação em Direito do Instituto de Ensino Superior de Olinda – IESO e da Pós-graduação da Faculdade para o Desenvolvimento de Pernambuco – FADEPE

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