Prescrição e impunidade

Sistema recursal atrapalha combate a crimes financeiros

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5 de novembro de 2009, 0h54

O Estado não pode agir em excesso. Mas peca quando não age contra a violação aos direitos fundamentais. Crimes de colarinho branco são exemplos de afronta a liberdades fundamentais e o Brasil deixa a desejar no seu combate. O sistema recursal da Justiça é um dos focos desse problema, na opinião do juiz Sérgio Moro, da 2ª Vara Federal Criminal de Curitiba, e também do delegado Ricardo Saadi, chefe da Delegacia de Combate aos Crimes Financeiros (Delefin) da Polícia Federal em São Paulo.

“A persecução aos crimes de colarinho branco não é um discurso esquerdista, comunista, como muitos dizem. Trata-se de respeito ao Estado Democrático de Direito. Todos têm de atuar dentro das regras do jogo”, diz Sérgio Moro.
Saadi, para demonstrar a falta de eficiência brasileira na condenação por crimes contra o sistema financeiro, revela que desde 2002, quando assumiu a chefia da Delefin, comandou 15 operações e de todas elas apenas duas pessoas estão presas até hoje. Uma delas é o megatraficante colombiano Juan Carlos Abadía, que já não está no Brasil. O delegado e o juiz participaram nesta quarta-feira (4/11) do IV Congresso Nacional dos Delegados de Polícia Federal, que acontece em Fortaleza.

Moro, titular da vara curitibana especializada em lavagem de dinheiro e conhecido pelo rigor na aplicação da lei penal, diz que juízes e promotores devem fazer o melhor trabalho, mas os advogados devem ter responsabilidade, evitando recursos excessivos para permitir um sistema judicial justo e que funcione. “Não é razoável que os processos criminais cheguem ao fim porque prescreveram. Tem que haver um ponto final nas ações, mas hoje o número de recursos é infindável”, reclama.

Ele lembrou da condenação do Brasil pela Corte Interamericana de Direitos Humanos no caso Maria da Penha. “O Brasil foi condenado porque o sistema penal não funcionou”, disse o juiz. O processo aberto por Maria da Penha contra o seu ex-marido, por tentativa de homicídio, demorou mais de 15 anos para receber uma sentença definitiva.

Persecução policial
Além dos problemas no sistema recursal, o delegado Ricardo Saadi reconhece que a Polícia Federal ainda precisa aprimorar o seu sistema de combate aos crimes contra o sistema financeiro. Um ponto importante nessa luta, segundo ele, é a cooperação internacional para encontrar o dinheiro enviado para fora e que entra novamente no país, limpo. “Ainda estamos engatinhando nesse setor”, afirma. O delegado sugere que a PF crie uma área especializada em cooperação internacional.

Diz ainda que o governo precisa repensar as regras para a entrada de investimentos estrangeiros no país. Com a experiência que acumulou, afirma que em 90% dos casos de lavagem de dinheiro investigados, os valores são enviados para contas de laranjas para o exterior e voltam para cá através de investimentos  offshore.

Prender, na sua opinião, não acaba com o esquema de lavagem de dinheiro. “O que acontece quando prendemos um traficante? Outro integrante do grupo é escalado para assumir o comando. No caso de um colarinho branco, no dia seguinte, ele consegue um Habeas Corpus na Justiça. Por isso, o foco deve ser na apreensão dos bens e no congelamento das contas da organização”, explica.

A apreensão de bens dos grupos organizados, segundo o delegado, pode ter duas funções. A primeira, óbvia, é desfalcar os acusados. A segunda é usar esses bens em favor da persecução penal. O delegado conta que 90% dos carros que a Delegacia de Combate aos Crimes Financeiros da Polícia Federal em São Paulo usa são provenientes de apreensões.

“O criminoso tem que sentir que o crime cometido está servindo para aparelhar a polícia no combate à criminalidade.” Saadi afirma, entretanto, que nem todos os juízes permitem que a polícia fique como depositária fiel dos bens apreendidos. O juiz Fausto Martin De Sanctis, da 6 Vara Federal Criminal de São Paulo, é um dos que contribui com o trabalho e aparelhamento da polícia em São Paulo.

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