Prisão e integridade

Marcelo Itagiba diz que uso de algemas é necessário

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5 de novembro de 2009, 15h54

Vanessa Negrini
Marcelo Itabiga - Vanessa Negrini“Não conheço nenhum ministro do Supremo que tenha participado de uma ação de prisão. Por isso, eles não têm que falar sobre o assunto. Quem tem que falar é quem lida com isso no dia a dia.” A provocação aos ministros do Supremo Tribunal Federal tendo como mote a polêmica Súmula das Algemas foi feita pelo deputado Marcelo Itagiba (PMDB-RJ), que durante 20 minutos, no IV Congresso Nacional dos Delegados da Polícia Federal em Fortaleza, falou sobre algemas, abusos nas interceptações telefônicas, defendeu o fim do foro privilegiado e criticou o Ministério Público.

Itagiba, que foi integrante da Polícia Federal por 25 anos, falou para, supostamente,  agradar a platéia, formada basicamente por delegados de Polícia Federal. Segundo o deputado,as algemas têm a função de garantir a integridade do preso, do agente da polícia e de terceiros, porque “nunca se sabe a reação do indivíduo preso, matar, fugir, se matar”. A ideia é que, independentemente do crime, todos os que tiverem de ser levados para a prisão sejam algemados. “A algema é a grade móvel.” Há uma proposta de lei correndo no Congresso sobre o tema.

A Súmula Vinculante 11, do STF, determina: "Só é lícito o uso de algemas em casos de resistência e de fundado receio de fuga ou perigo à integridade física própria ou alheia, por parte do preso ou de terceiros, justificada a excepcionalidade  por escrito, sob pena de responsabilidade disciplinar, civil e penal do agente ou da autoridade e de nulidade da prisão dou do ato processual a que se refere, sem prejuízo da responsabilidade civil do estado".

Como se pode constatar com uma simples leitura, a Súmula não proíbe, apenas regulamenta o uso de algemas. No longo debate no plenário do Supremo em que se discutiu o texto da súmula os ministros ressaltaram a necessidade de resguardar a dignidade do preso e de se evitar o abuso de autoridade e a espetacularização da ação policial.

O deputado, enumerando as suas atividades legislativas, conta que apresentou dois decretos-legislativos, que servem para impugnar atos administrativos. O primeiro deles contesta resolução do Conselho Nacional de Justiça que tira do juiz e passa para o Ministério Público o poder de analisar pedidos de prazo apresentados pela Polícia. Para Itagiba, o CNJ está tirando do juiz esse papel, função que caberia ao Legislativo. “Não há ditadura pior que a ditadura do Judiciário”, bradou, lembrando que é filho de desembargador.

O outro decreto-legislativo contesta resolução do Conselho Nacional do Ministério Público que estabelece a forma como a investigação deve ser feita, porque o parlamentar entende que o MP usurpa competência da Polícia. “Não vamos permitir que ninguém exerça atividade que cabe a nós”, disse de delegado para delegados.

Foro privilegiado
Nesta quarta-feira (4/11), o deputado apresentou emenda aglutinadora à PEC do foro privilegiado (PEC 130/2007, de sua própria autoria) para acabar com o privilégio de toda e qualquer autoridade. Pela proposta, todo processo vai começar na primeira instância, independentemente de quem é o réu e do crime que cometeu.

Assim como quando defende o uso de algemas para todos, Itagiba afirma que se trata de uma forma de “todos serem iguais perante a lei. Do Zé do Povo ao empresário, todos devem ser tratados da mesma forma”. A emenda aglutinadora apresentada na quarta faz a ressalva de que a mudança, se aprovada, não vale para os casos em andamento. Uma das preocupações dos parlamentares, com isso, é evitar que os réus no mensalão sejam beneficiados.

Itagiba observa que a insatisfação com o foro privilegiado passa também pela classe da magistratura. Ele conta que participou de um encontro da Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB), em que juízes disseram ser o foro a raiz de todos os males, como a impunidade. É conhecida a posição da AMB contra o foro privilegiado. A entidade faz campanha aberta contra o que considera um privilégio.

Presunção de inocência
Também sob a influência dos juízes, o deputado federal afirma que vai propor uma mudança na Lei de Execuções Penais, para alterar a expressão “após o trânsito em julgado da sentença” para “após decisão de segundo grau”. Esta seria uma forma de acabar com as chances de candidatura dos chamados fichas sujas, aqueles que possuem condenação sem trânsito em julgado.

Se aprovada e levada ao Supremo Tribunal Federal, a proposta não deve se sustentar. No dia 6 de agosto de 2008, oito ministros do STF acompanharam voto do relator, Celso de Mello. Em sua fundamentação, o ministro falou do retrocesso histórico que seria restabelecer o instrumento que caracterizou os períodos mais tenebrosos do regime militar brasileiro e do fascismo italiano, que tentaram estabelecer a presunção de culpabilidade — em que cabia ao acusado provar a sua inocência.

O princípio da presunção de inocência, segundo o decano do Supremo, é uma medida de proteção aos direitos fundamentais e de preservação da cidadania ativa (direito de votar) e a passiva (de ser votado).

Matéria de grande apelo popular, a proposta é defendida também pelas entidades representativas do Ministério Público, pela Confederação Nacional dos Bispos do Brasil, pela OAB e por grande parte da imprensa.

Abuso nos grampos
Marcelo Itagiba reconhece que a interceptação telefônica foi banalizada nos últimos anos. Ele, que foi o presidente da CPI das Interceptações Telefônicas, fende um freio de arrumação para que o instrumento continue sendo usado e de maneira válida. “Nós, enquanto policiais, não podemos permitir que os fins justifiquem os meios”, disse.

O parlamentar também entende que é necessária a criação de uma lei para que os equipamentos de interceptação sejam fiscalizados e que a venda seja controlada.

“Sempre há a tendência de se usar o instrumento de investigação mais fácil. Hoje, a polícia investiga pessoas. Antes, investigava fatos criminosos.”

* A repórter viajou a convite da Associação Nacional dos Delegados da Polícia Federal.

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