Idade das trevas

Para sobreviver, MP precisa modernizar gestão

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5 de novembro de 2009, 16h03

Há 21 anos, foi promulgada uma nova Constituição da República, com o renascimento do Estado Democrático de Direito em nosso país. A luta pela redemocratização, que antecedeu a Assembleia Nacional Constituinte, confunde-se com a luta pela emancipação de muitas instituições nacionais, entre elas o Ministério Público. Quando a Associação Nacional dos Procuradores da República (ANPR) foi fundada, há 36 anos, no auge da ditadura militar, o MP Federal nada mais era do que um departamento do Ministério da Justiça, com a estatura de terceiro ou quarto escalão da República. Foi durante os anos 1980 que o MPF conquistou estatuto jurídico diferenciado, incumbindo-lhe a missão de ser um autêntico advogado da sociedade.

Os últimos 21 anos foram um importante período de amadurecimento para a instituição. O crescimento de nossos quadros e de nossa atuação foi expressivo, desde o rumoroso processo de impedimento de um presidente da República até a interação com temas diversos da vida nacional, como a discussão sobre células-tronco, práticas administrativas do Legislativo federal ou a correta contratação de grandes obras públicas. Tudo isso nos rendeu, por um lado, a admiração da sociedade, e por outro, a crítica, nem sempre sincera, daqueles que consideram que cometemos exageros, apontando-nos um contato excessivo com a imprensa ou uma exacerbada intervenção em políticas públicas. Mas era natural que, diante do florescimento de uma instituição tão forte, setores mais conservadores da sociedade mostrassem preocupação.

Fato é que o MP foi forte indutor do redescobrimento dos direitos, que veio no sopro da redemocratização. A partir da reconstituição da ordem democrática, os cidadãos sentiram-se livres e seguros para demandar todo tipo de direito, o que teve por corolário o fortalecimento e o crescimento de todo o aparelho Judiciário. O paradigma expansionista, entretanto, já demonstra sinais de exaustão. A morosidade judicial é o elemento mais sensível a demonstrar que há um déficit de efetividade na prestação de justiça em nosso país. A sociedade brasileira clama, agora, não apenas por acesso ao Judiciário, mas também por resultados concretos que justifiquem os altos orçamentos públicos direcionados ao setor.

De fato, o MP é apontado por abalizados órgãos da sociedade civil como uma das instituições mais opacas da República, menos transparente até do que o Judiciário, que soube, ao longo do tempo, desenvolver formas claras de interlocução com a sociedade. E faz parte da cultura do setor, há décadas, a publicação de seus julgados na forma de jurisprudência. Tal prática não encontra, lamentavelmente, correspondência no âmbito do MP, pois nunca foi alvo de nossa preocupação esclarecer ao corpo social os fundamentos técnicos de nossas iniciativas.

Diariamente, como presidente da ANPR, sou indagado acerca de indicadores da atuação dos procuradores da República. É comum jornalistas indagarem quantas ações públicas foram propostas, quantas denúncias foram subscritas, quantas sentenças favoráveis foram proferidas, quantos recursos de apelação foram interpostos das sentenças absolutórias, quantas sentenças condenatórias, cíveis e criminais, foram executadas. A verdade é que não sabemos. Não há indicadores precisos sobre a nossa atuação, o que acaba por revelar extrema falta de transparência.

A ausência de indicadores traduz, ainda, que somos indiferentes ao resultado de nossas iniciativas, que somos, do ponto de vista institucional, indiferentes ao sucesso ou fracasso de nossas ações. Essa indiferença traduz também que não planejamos nossa atuação, e, por consequência, que não estamos dispostos a qualquer forma de controle interno ou externo: como controlar uma instituição que não mensura sua própria atuação?

O problema é que aquele que não planeja sua atuação age caoticamente, sem qualquer estratégia, e, por definição, insere-se involuntariamente na estratégia de outros atores. Essa afirmação é tão mais verdadeira quando observamos o processo de deterioração por que passamos em nossos embates com as instituições policiais, com a Defensoria Pública e com a advocacia em geral. Em todos esses casos, adotamos posição meramente reativa, colocando-nos contra as estratégias expansionistas alheias, subtraindo-nos de pensar nosso próprio destino.

É nesse contexto que se coloca a necessidade de transparência e de mensuração de nossas atividades como forma de viabilizar novas práticas de gestão de nossa atividade meio, e, sobretudo, de nossa atividade fim, rompendo o ciclo de inércia em que nos encontramos. É preciso pensar estrategicamente, o que se traduz, inicialmente, pelo estabelecimento de prioridades, mesmo diante das dificuldades de se compatibilizar os postulados da independência funcional e da unidade institucional. É preciso romper com o conceito antigo de que o MP é composto de inúmeras ilhas que não precisam se intercomunicar, porque cada uma delas traduz todo o MP.

O Conselho Nacional do Ministério Público é uma oportunidade singular para a promoção desses avanços. Dispomos dos melhores quadros do setor Judiciário de nosso país e, cada vez mais, de amplos recursos materiais e humanos. É absolutamente essencial para a sobrevivência de nossas instituições que sejam lançados parâmetros concretos e modernos de gestão de nossa atividade, pondo fim ao ciclo de amadorismo e voluntarismo que marcou nossa intervenção ao longo de anos e que já demonstra sinais evidentes de desgaste, com repercussão em nossa imagem perante a sociedade. Esse é o nosso desafio.

[Artigo publicado originalmente no jornal Estado de Minas, em 2 de outubro de 2009.]

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