Juros: verdades e mentiras

O spread bancário torna os financiamentos lesivos

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1 de novembro de 2009, 5h47

Um grupo de renomados especialistas em matemática financeira lançou no último dia 8 de outubro um “manifesto em defesa dos juros compostos”. “É contrária a tudo que se faz no mundo real e ao que se ensina nas universidades e nos livros”, diz o documento. E, querendo dar por encerrada a questão, José Dutra Vieira Sobrinho, professor da Insper (Instituto de Ensino e Pesquisa), concluí: “É uma questão científica e não jurídica, portanto”.

A par do inusitado da iniciativa, destaca-se, em primeiro plano, a assertiva do professor Dutra quando quer separar ciência e Direito. Pelas suas palavras a primeira conclusão que se infere é que este especialista em matemática financeira não considera o direito como uma ciência.

Aqui não posso deixar de recordar as palavras de Nicholas Taleb (autor do livro A Lógica do Cisne Negro, mestrado em Wharton School e doutorado na Universidade de Paris, atualmente decano de Ciências da Incerteza na Universidade de Massachusetts) quando afirma que “se você pensa que a ciência é um tema abstrato livre de sensacionalismo e distorções, trago notícias sérias. Pesquisadores empíricos encontraram evidências de que cientistas também são vulneráveis a narrativas, enfatizando títulos e conclusões “sensuais” e chamativas em vez de questões mais substanciais”.

Mas, enfim, por não crer que seja este o caso motivador do tal manifesto em favor dos juros compostos, deixemos de lado a ofensa ao Direito e, enquanto ciência, pensemos na afirmação que traz dito manifesto de especialistas em matemática.

Sim! Corretos estão os doutos especialistas quando afirmam que não existe um país que não utilize a Tabela Price (juros compostos) para cálculos em seus financiamentos.

Contudo, se até aí estão corretos em suas afirmações, a partir daí, quando pretendem extrapolar a questão matemática para adentrarem aos móveis que conduziram à Súmula 121 do STF, que veda a capitalização de juros, andam — como especialistas em matemática financeira — as apalpadelas.

Ora, se verdade é que o sistema de juros compostos é a base de todas as operações de crédito no sistema capitalista, também verdade é que não há — salvo desonrosas exceções — países em que o custo financeiro final de um empréstimo financeiro alce aos patamares praticados no Brasil.

Aqui está o X da questão ou, se quisermos “falar difícil”, o nó górdio: o sistema de crédito brasileiro é uma “roleta viciada”, onde sempre o tomador vê-se lesionariamente onerado. Quem toma um empréstimo no Brasil, a não ser aqueles que tenham acesso às linhas subsidiadas do governo, pagam um preço absurdo pelo crédito.

Exemplos? Pense, leitor, nos juros do cheque especial, nos juros do cartão de crédito, nos juros do crédito ao consumidor. Precisa falar mais?

Culpa dos bancos? Não, óbvio que não. A culpa é do governo federal que gere o sistema financeiro e que propicia esta conjuntura que, enfim, exaure a economia de milhões de brasileiros. Não vem ao caso aqui discorrer sobre causas e conjunturas econômicas que geram tal.

O Direito, enquanto ciência, reagindo aos fatos, confrontado cotidianamente com milhões de dramas de tomadores de empréstimos que, após pagarem três vezes o capital tomado ainda devem outras tantas, procura dar uma resposta, tentando reequilibrar as relações financeiras.

No entanto, é quase um trabalho perdido ou, se quisermos, enxugar gelo. Nesta faina insana, em um sistema de crédito louco patrocinado por governos (este fato não vem de agora), mesmo a ciência jurídica perdeu-se nos labirintos acadêmicos.

A grande perda do foco científico, na ciência jurídica, em relação aos juros e sua legalidade, foi ater-se à questão dos juros. Iniciou-se com a aprovação na Constituição promulgada em 1988 do tal mal fadado limite de juros em 12% ao ano.

Um equívoco sem fim. Como qualquer bem ou ativo, no sistema capitalista, não há como querer-se tabelar o preço de um produto, no caso, do dinheiro a ser emprestado.

A partir deste erro, que redundou em centenas de milhares de ações que tiveram de passar pelo crivo do Judiciário, o acadêmico do Direito, seja ele um juiz ou um advogado, somente consegue enxergar a questão dos juros.

Esta questão, com perdão dos que discordam, é menor para o Direito e para a análise financeira de um contrato de financiamento.

O grande abismo que torna os financiamentos lesivos não é a taxa nominal de juros, mas sim o spread que se pratica no Brasil. O spread no Brasil é extorsivo. A diferença entre o que banco paga aos seus depositantes, a título de remuneração de suas aplicações e o que cobra dos tomadores de seus empréstimos é enorme. É esta distorção que, no conjunto, torna o financiamento proibitivo espoliativo.

Assim, que deixemos de lado esta discussão sobre juros compostos e juros simples. Sobre taxa Selic e taxa referencial. Nada disso tem verdadeira importância.

Atentemos ao esquecido artigo 421 do Código Civil promulgado em 2002 que diz, claramente, que “A liberdade de contratar será exercida em razão e nos limites da função social do contrato”. Se assim é, se assim determina o legislador, não é o caso de se indagar se os juros compostos são ou não legais.

Isto seria discutir o “sexo dos anjos”.

A pergunta que deve ser feita é mais simples e mais eficaz: um financiamento que cobra 150% de juros em um ano, quando um aplicador recebe 12% no mesmo ano, atende à sua função social? Esta é a função do sistema de crédito, tal seja, pagar 12% e cobrar 150%?

Evidentemente que estas análises extrapolam a ciência matemática. Mas, não por isso, extrapolam a ciência jurídica.

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