Judiciário em foco

Magistrados e acadêmicos debatem gestão da Justiça

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30 de março de 2009, 16h12

Mais do que as últimas mudanças processuais cíveis e penais trazidas por leis recentes no ordenamento jurídico, a Justiça precisa de uma reformulação em sua identidade. A opinião é do presidente do Centro Brasileiro de Estudos e Pesquisas Judiciais, Kazuo Watanabe. Advogado, desembargador aposentado do Tribunal de Justiça de São Paulo e professor-doutor da Universidade de São Paulo, Watanabe fala com conhecimento de causa. É dele a autoria de leis que implantaram, por exemplo, a antecipação da tutela em processos cuja resposta não pode esperar por anos. “Mas hoje, essas mudanças se mostram ineficientes diante da crise do Judiciário”, lamenta. "Precisamos é fugir da cultura da sentença e ir em direção à cultura da pacificação.”

A constatação foi feita em um debate promovido na sexta-feira (27/3) entre magistrados, acadêmicos do Direito e secretários de governo pela escola de Direito da Fundação Getúlio Vargas, a Direito GV, em São Paulo. Representantes do Conselho Nacional de Justiça, da Justiça Federal, da Justiça do Trabalho e das Justiças estaduais discutiram com professores, pesquisadores e membros do Ministério da Justiça saídas para o acúmulo de processos judiciais e formas de aproximação entre o Poder Judiciário e a sociedade.

Os debates, feitos em reunião fechada no auditório da escola, envolveram propostas que dessem maior rapidez ao trâmite de processos na Justiça, mas que não deixassem de lado o devido processo legal. As novas leis processuais cíveis e penais — que acabaram, por exemplo, com a chamada fase de execução das sentenças nas ações de cobrança, no caso cível, e com a apelação por novo júri, no caso penal — foram exemplos de ideias que deram certo e que devem ser repetidas. “Cerca de dez novas leis recentes mudaram por completo o Processo Civil”, diz o secretário de Assuntos Legislativos do Ministério da Justiça, Pedro Abramovay. Ele afirma que a secretaria já está avaliando os resultados práticos das mudanças dessas leis para apresentar um diagnóstico.

Os debatedores também se mostraram preocupados com a manutenção da segurança jurídica nas decisões judiciais. O diretor da Direito GV e conselheiro do CNJ, Joaquim Falcão, comentou que uma pesquisa feita pelo Banco Mundial mostrou que os juízes decidem em muitas direções em relação aos mesmos temas. “Porém, a Corte Suprema dos Estados Unidos também já mudou três vezes de posição quanto à pena de morte nos últimos cinco anos”, lembrou.

Mesmo a diversidade de decisões não é a regra em todo do país, como destacou o juiz Rodrigo Collaço, do Tribunal de Justiça de Santa Catarina. Ele conta que as promoções aos juízes do estado são destinadas àqueles que têm maior índice de produtividade, o que leva os magistrados a decidirem sempre que possível conforme súmulas e a jurisprudência da corte estadual e das cortes superiores. “É uma caça à jurisprudência para aumentar a produtividade”, diz. Segundo ele, existe um movimento de padronização das decisões incentivado principalmente pela informatização, que permite o acesso rápido dos magistrados às decisões já tomadas. “O juiz não é um foco de resistência à modernização.”

Solução para uns, vilã para outros. Em alguns casos, nem a informatização serviu para resolver os problemas da Justiça. O juiz auxiliar da Corregedoria-Geral da Justiça de São Paulo, Hamid Bdine Junior, chegou a afirmar que o próprio BacenJud, ferramenta eletrônica criada para ajudar os juízes no bloqueio de bens e contas bancárias de devedores em processos de execução, tem sido mais problema que ajuda nas varas. “São tantas aberturas de telas para acessar os sistemas que os juízes ficam assoberbados em trabalhos que antes eram feitos nos cartórios”, diz.

Para o desembargador José Renato Nalini, do Tribunal de Justiça paulista, a falta de estímulo também atrapalha o desempenho tanto de juízes quanto de funcionários dos tribunais. Ele defende um recrutamento frequente de juízes e a vinculação dos funcionários dos cartórios judiciais às serventias extrajudiciais — como os cartórios de registro de imóveis, títulos e protestos, por exemplo. “Além do vínculo trabalhista, nessas serventias existe a possibilidade de ascensão na carreira, já que um serventuário pode vir a se tornar oficial titular do cartório.”

Saída de emergência

Uma das grandes responsáveis pelo acúmulo de processos na Justiça cível, as execuções fiscais foram um dos alvos destacados pelo desembargador federal Mairan Maia, membro do Conselho Nacional de Justiça. Para ele, a demora dessas ações seria reduzida “caso a localização dos devedores e de seus bens ficasse por conta do próprio fisco, ainda na esfera administrativa”. A falta de bens que satisfaçam os créditos tributários são o principal motivo pelos quais as execuções emperram na Justiça.

Outra forma sugerida pelo conselheiro para diminuir o número de ações seria o uso de conciliações mesmo depois que as causas já estivessem com o mérito definido, faltando apenas a execução ser cumprida. “Conciliações em fase de pagamento de precatórios ou de execução desafogariam tanto a Justiça estadual quanto a do Trabalho”, afirma.

O argumento foi reforçado pelo diretor da Direito GV, Joaquim Falcão. Dados levantados em pesquisa da fundação, apresentada por ele, mostraram que 43% da população prefere a conciliação aos litígios judiciais. O próprio CNJ também já abraçou a idéia. De acordo com o advogado e conselheiro Marcelo Nobre, o órgão de controle da Justiça no Brasil aprovou recentemente o uso das conciliações para a resolução de processos que chegam ao colegiado.

Em relação a ações movidas por milhares de pessoas sobre um mesmo assunto — como as reclamações contra serviços prestados pelas empresas de telefonia, por exemplo —, Mairan Maia defende que os juízes passem a fazer julgamentos temáticos, reunindo todas os processos semelhantes. Ele também lembra que, no Rio Grande do Sul, o Ministério Público tem tomado a frente nesses casos e movido ações coletivas em nome de todos os interessados. A decisão da Justiça, assim, seria aplicada a todos da mesma forma.

Outra saída proposta pelo presidente do Cebepej, Kazuo Watanabe, foi de que os julgamentos se dessem por definidos no mérito caso uma liminar fosse concedida e não contestada pela parte perdedora, por exemplo. No entanto, ele reconhece que a medida seria um paliativo, enquanto a cultura ainda for a do litígio e não a da pacificação. Isso, na sua opinião, passa por um enfoque diferente ainda na formação do advogado, que deveria ser treinado para resolver conflitos e não para apenas entrar em litígios. “A Justiça acaba assumindo um papel distributivo ao tentar resolver problemas políticos e econômicos, num esforço para dar alguma resposta à sociedade”, explica.

Diagnóstico prévio

Conquista reconhecida pela própria Secretaria da Reforma do Judiciário, o acesso aos dados da Justiça no país foi um caminho aberto pelo Conselho Nacional de Justiça, segundo o secretário de Assuntos Legislativos do Ministério da Justiça, Pedro Abramovay. “O CNJ transformou em continente o arquipélago que era o Judiciário. A produção, divulgação e controle de informações permitiram a estipulação de metas pela primeira vez”, afirmou. Segundo ele, o Conselho é fruto de uma abertura democrática saudável da Justiça, que precisa sofrer um controle social ainda maior, “para a implantação de políticas públicas”.

O conselheiro Marcelo Nobre, do CNJ, vai ainda mais longe. Ele propôs, no Conselho, a criação de um índice de transparência dos tribunais do país. “Há tribunais onde é difícil conseguir dados”, explica. O programa Justiça Aberta, do CNJ, é um dos que enfrenta o problema da falta de dados. Criado para divulgar a produção de cada juiz nas varas espalhadas em todo o país, o programa até hoje não recebeu todas as informações pedidas desde o ano passado.

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