Castelo de areia

Suposições não servem para fundamentar prisão

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28 de março de 2009, 19h39

A desembargadora Cecilia Mello, que garantiu liberdade aos investigados na Operação Castelo de Areia, da Polícia Federal, mostrou o que não se deve fazer ao decretar uma prisão preventiva. Ao conceder a liminar, a desembargadora do Tribunal Regional Federal da 3ª Região lembrou que suposições não servem para fundamentar qualquer tipo de prisão. Clique aqui para ler a decisão – parte 1  e Clique aqui para ler a decisão – parte 2 sobre a prisão preventiva.

Quatro diretores e duas secretárias da construtora Camargo Corrêa, três supostos doleiros e o suiço Kurt Paul Pickel foram acusados de crimes como remessas ilegais de dólares ao exterior e superfaturamento de obras públicas. A operação foi deflagrada na última quarta-feira (25/3).

Cecilia Mello lembrou que a prisão cautelar, seja flagrante, temporária ou preventiva, somente se justifica em caso de necessidade comprovada. “Não pode o decreto de prisão preventiva basear-se em meras conjecturas, sendo imprescindível a existência de atos inequívocos que indiquem a necessidade incontrastável da medida, o que não ocorreu”, disse em sua decisão.

Ao analisar a decisão do juiz Fausto De Sanctis, da 6ª Vara Federal Criminal de São Paulo, que determinou as prisões e buscas e apreensões, a desembargadora afirmou que a materialidade dos supostos crimes não ficou demonstrada com clareza. “Não há um momento sequer que, em seu vasto arrazoado, a autoridade impetrada aponte com firmeza e objetividade a materialidade dos delitos”, escreveu ela. Cecilia Mello lembra que o juiz deve demonstrar, concretamente, que há “atos inequívocos indiquem a necessidade incontrastável da medida cautelar”. Segundo ela, o juiz não fez isso.

A desembargadora cita e marca inúmeros trechos da decisão em que o juiz relata o suposto esquema criminoso. Ela critica o excesso de conjecturas. “A título exemplificativo são elas: ‘teriam sido; supostas; poderia estar havendo; suposto; eventual; em tese; indícios de que supostos crimes financeiros; em tese perpetrados por alguns funcionários; algum modo; revelaria em tese; poderia guardar de alguma forma; teria sido possível vislumbrar a suposta existência de doações à margem das autoridades competentes’”, escreveu. (Clique aqui para ler a decisão do juiz).

Se houve prudência na decisão do juiz de primeira instância ao usar tantos verbos no futuro do pretérito, na da desembargadora a preferência foi pela reflexão dos estragos que inúmeras suposições podem causar. “Destaco que a decisão atacada aponta a realização de remessas financeiras internacionais por meio de instituição financeira devidamente autorizada a funcionar no país (Unibanco), portanto sujeita à fiscalização do Banco Central do Brasil, o que pressupõe um mínimo de legalidade e lisura em suas operações”, disse.

A desembargadora continua a chamar atenção para os dados que foram divulgados recentemente. “Não é demais destacar que, da mesma forma, as contribuições para fins eleitorais têm expressa previsão na legislação pátria e, portanto, não são vedadas, devendo ter a regularidade aferida nos termos da lei. A contribuição dessa natureza não é, em princípio, ilícita, apenas adquirindo tal característica se realizada em desconformidade com os preceitos que regulam a matéria”.

Para Cecilia Mello, certos constrangimentos seriam facilmente evitados. “Caberia fazer a análise das contribuições dessa natureza a partir dos registros, públicos aduza-se, existentes nos tribunais eleitorais, antes de a elas se imputar o rótulo de ilegalidade, evitando-se, com essa simples, natural e lógica sequência investigatória, a criação de situações desnecessariamente constrangedoras para ambos os pólos envolvidos, doadores e receptores”.

A decisão tem 67 páginas. A desembargadora elencou várias decisões dos tribunais superiores e autores para fundamentar a liminar.

No início das decisões dos dois Habeas Corpus envolvendo os acusados na Operação Castelo de Areia, a desembargadora cita Roberto Delmanto Junior. “O exercício do poder jurisdicional fundamenta-se na função do Estado em distribuir justiça, constituindo o processo penal o único instrumento para que isso seja legitimamente possível, há este que ser avesso a arbitrariedades, caprichos, humilhações gratuitas, prisões desnecessárias etc., sob pena do próprio Estado fomentar a desarmonia social, violando, através de operações e repressões, a própria essência da existência humana, qual seja, a liberdade, voltando-se assim, contra a sua própria razão de existir”.

Clique aqui para ler a decisão sobre a prisão provisória

Individualização da conduta

A desembargadora afirmou que há necessidade da individualização das condutas tidas como criminosade tanto na decisão que autoriza a prisão quanto na denúncia, que posteriormente pode ser apresentada pelo Ministério Público. “Verifica-se que os fundamentos das prisões cautelares foram os mesmos para todos os indiciados, sem a necessária individualização, o que é inconcebível”, disse.

A desembargadora concedeu liminar para revogar o decreto de prisão preventiva a Kurt Paul Pickel, Fernando Dias Gomes, Dárcio Brunato, Pietro Francisco Giavina Bianchi, José Diney Matos, Jadair Fernandes de Almeida e Maristela.

Cecilia Mello também revogou a prisão temporária de Darcy Flores Alvarenga, Marisa Berti Iaquino e Raggi Badra Neto. Em sua decisão, a desembargadora afirma que, ao analisar os autos, constata-se que não há necessidade de manter a prisão temporária dos três já que as diligências policiais para colheita de provas já foram concluídas.

Para a desembargadora, assim como na prisão preventiva dos demais envolvidos, ao decretar a prisão temporária dos três, o juiz não apresentou “um único elemento concreto que indicasse a necessidade da custódia”.

“Não se pode anuir à situação de excepcional restrição do just libertatis dos pacientes, autorizado pelo ordenamento pátrio em situações específicas e imprescindíveis, pela suposição não demonstrada de participação efetiva nos negócios da empresa, justificadas pelo juízo singular – até este momento – pelo mero fato de Darcy e Marisa integrarem o quadro funcional da Camargo Correa”, disse.

O caso

A empreiteira Camargo Corrêa é acusada de superfaturar obras públicas em R$ 71 milhões, e de enviar dólares ilegalmente ao exterior em valores que podem chegar a R$ 30 milhões.

De acordo com a acusação, escutas telefônicas gravadas pela PF identificam conversas entre o vice-presidente da empreiteira, Fernando Botelho, com um dos diretores presos, Pietro Bianchi. Nelas, o vice-presidente avisa que o presidente da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp), Paulo Skaf, estaria reclamando da demora do envio de dinheiro pela empresa.

Skaf, apontado como possível candidato ao governo paulista em 2010, era, segundo a Polícia, o intermediário entre a empreiteira e os partidos. A Fiesp, em nota, negou qualquer intermediação com partidos políticos. "A Fiesp não se envolve, de maneira alguma, em eventuais relações entre empresas do setor que representa e partidos políticos ou os candidatos deles”, diz a nota.

O juiz Fausto De Sanctis chegou a divulgar nota na sexta-feira (27/3), esclarecendo que na Operação Castelo de Areia não são investigados detentores de cargos políticos. “As investigações apuram o suposto cometimento de crimes apenas de investigados com profissões de natureza privada, notadamente de ‘lavagem’ de dinheiro, tendo como antecedentes crimes contra a Administração Pública e crimes financeiros, perpetrados, em tese, mediante organização criminosa”, diz.

A investigação começou em janeiro de 2008, depois de uma denúncia anônima que apontou o suíço naturalizado brasileiro Kurt Paul Pickel como doleiro e intermediário da empresa. As remessas seriam feitas por empresas brasileiras fantasmas, passando por “off shores” no Uruguai, nas Ilhas Cayman e na Suíça.

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