Imposto falso

Decisões conflitantes geram insegurança jurídica

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28 de março de 2009, 9h12

Sem licitação, sem regulamentação e sem nenhum tipo de fiscalização, prefeituras vêm cedendo áreas públicas ao controle e à administração de “organizações particulares”. Estas, visando lucros, transformam bairros e loteamentos em “falsos condomínios”. Assim obtêm dinheiro fácil e farto, obrigando, inclusive judicialmente, os proprietários a pagar um novo e pesado imposto. Um “falso imposto”.

O fato de reiteradas decisões dos tribunais superiores (STJ e STF) serem sistematicamente desacatadas pelos tribunais e por magistrados de primeira instância, com sucessivas decisões na contra-mão do que vem estabelecido pela Constituição Federal e pelas instâncias superiores, têm ampliado a ação do Estado Paralelo e contribuído substancialmente para o império da mais completa e absurda insegurança jurídica.

Além do crescente e generalizado temor da sociedade em relação à Justiça, que se vê, hoje, transformada numa verdadeira “loteria”, dado o conflito de decisões, como as que se registram pelos fóruns e tribunais do país, contrapondo-se às determinações constitucionais e ao entendimento pacificado pelos tribunais superiores.

Quando o cidadão adquire uma propriedade é lavrada uma escritura. Levada ao Registro, esta especifica todos direitos e obrigações que detém e, em contrapartida, assume o proprietário. Trata-se de ato jurídico perfeito e acabado, como preleciona a Constituição Federal. Tal título não poderá sofrer nenhum tipo de alteração sem a concordância e anuência do titular da propriedade. Artigo 5º, XXXVI,CF, “a lei não prejudicará o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada”.

Ocorre, porém, um grande número de municípios em São Paulo e de outras unidades da federação adotarem como regra (para atender interesses de grupos econômicos) a edição de decretos municipais (inconstitucionais) para cessão, controle e administração de bairros e/ou conjunto de bairros a “associações de moradores”.

Tais entidades, meras sociedades civis sem fins lucrativos, terceirizam suas atividades a “administradoras” (sociedades mercantis) as quais, de regra, são responsáveis pela organização das “associações” e, em grande número, apenas fachadas legais para (na mais clara e evidente ilegalidade) dar conformação legal aos achaques e extorsões praticados por “administradoras” em nome das “associações”.

Milhares de famílias do estado de São Paulo e de todo o Brasil vêm sendo lançadas ao desespero e a miséria em face à avidez por lucros fáceis e sempre crescentes dessas “organizações”: fachadas de entidades civis sem fins lucrativos que obtêm e cedem a administração de bairros e dos próprios públicos a “organizações mercantis”. Daí a prática do ilícito de um novo imposto. Um “falso e pesado imposto”.

”Falso imposto” que, com o concurso da Justiça, vêm-se transformando em milhares de casos de penhora e praça dos imóveis dos surpresos e perplexos proprietários que acreditavam e ainda acreditam nos seus títulos, na lei, na Constituição Federal e na Justiça.

STJ e STF derrubam pretensões ilegais

Tanto o STJ como o STF, ao julgar recurso de condenação lavrado na primeira instância (Carapicuíba-SP) confirmada pelo TJ paulista, obrigando o proprietário que não se associou nem aderiu à “associação” a pagar cerca de trinta mil reais a “associação”, por alegados “serviços prestados”, acabaram condenando a associação.

Serviços comprovadamente de responsabilidade do Poder Público, o que levou o STJ a fulminar a pretensão ilegal da “associação” e a sua respectiva condenação.

Extorsão, achaque e estelionatos praticados por “associações” caem na Justiça. Justiça condena “Sociedade Amigos da Fazendinha” (Carapicuíba-SP). Vide Jurisprudência do STJ:


“Taxas de manutenção instituídas por associação de moradores não podem ser impostas a proprietários de imóveis que não são associados”.

Da dissonância do entendimento firmado pelo Tribunal de origem (TJ-SP) em relação à jurisprudência do STJ. “Verifica-se que o acórdão recorrido encontra-se em desconformidade com a jurisprudência mais recente do STJ acerca do tema em análise, no sentido de que as taxas de manutenção instituídas por associação de moradores não podem ser impostas a proprietário de imóvel que não é associado, nem aderiu ao ato que fixou o encargo.

Nesse sentido: EREsp 444.931/SP, relator ministro Fernando Gonçalves, Rel. p/Acórdão ministro Humberto Gomes de Barros, Segunda Seção, julgado em 26 de janeiro de 2005, DJ, 01.02.2006 p.427.

Portando, merece reforma o acórdão recorrido, em razão da demonstração do dissídio jurisprudencial.

Forte em tais razões conheço do recurso especial e dou-lhe provimento, para julgar improcedente o pedido da ação de cobrança. Condeno o recorrido (a “associação”) ao pagamento das custas processuais e dos honorários advocatícios, os quais fixo em R$1mil. Brasília, 24 de novembro de 2008. Ministra Nancy Andrighi.

Já no STF, pela lavra da ministra Cármen Lúcia e por unanimidade de votos, em sessão presidida pelo ministro Carlos Britto, com a presença dos Ministros Cármen Lúcia e Ricardo Lewandowski, no dia 29 de abril de 2008, a “associação” acabou condenada no tribunal a quo, nos seguintes termos:

“Inicialmente, no exame dos autos, cumpre registrar que não se pode ter em mente as noções de condomínio, uma vez que este pressupõe o exercício do direito de propriedade por diversos titulares sobre o mesmo bem, ou seja, a área comum é de propriedade de todos os que residem no condomínio e, por esta razão, tem o dever de contribuir para os serviços de segurança, limpeza, manutenção e outros serviços necessários para utilização da referida área”.

Diferentemente, a apelante (a “associação”) está administrando áreas públicas, ou seja, os moradores não são proprietários de tais áreas, sendo que o Poder Público que tem tais deveres de prestar os serviços antes destacados.

Não resta dúvida, no entanto, que os serviços prestados podem estar deficitários e, para isso, haja interesse de complementá-los, contratando outros profissionais para realizar suas obrigações. Porém, não se pode querer obrigar que todos consintam com estas contratações.

Desta forma verifica-se que não há obrigação PROPTER REM de pagar as despesas efetuadas com os serviços contratados, mas sim de quem livremente associou-se…”.

Embora o entendimento jurisprudencial do STJ e do STF estabelecido e já pacificado tenha proporcionado acórdãos que se constituem em verdadeiras aulas de direito, a exemplo do Acórdão da Apelação s/revisão 1103867-0/3, 35ª Câmara de Direito Privado, TJ-SP, da lavra do desembargador Carlos Alberto Garbi, em favor do cidadão, do Estado de Direito e da Democracia, outros há, na mesma corte (TJ-SP), que deixam de observar determinações constitucionais, direitos e garantias dos cidadãos. Na prática, convalidam e fortalecem a ação do Estado Paralelo.

Digno de nota o conflito entre tais decisões, que abaixo registramos para demonstrar, por um lado, o respeito à lei e a Constituição Federal e, de outro, a visível inconstitucionalidade de tais decisões.

Apelação sem Revisão 1103867-0/03 (voto 129)

“Cobrança de contribuições de proprietário de terreno pela Associação Amigos do Conjunto Residencial. Proprietário que não participou da associação. Cobrança indevida. Prevalência do direito constitucional de associar-se ou não. A entidade não pode impor a terceiro obrigação que ele não contraiu. Recurso provido para julgar improcedente a ação de cobrança”.


No Relatório, a 35ª Câmara de Direito Privado argumenta: “O proprietário de lote de terreno (imóvel) não é condômino, porque não foi constituído um condomínio formal e definidos os lotes de terreno e áreas comuns”. Portanto, acentua em outro trecho, “o proprietário do lote de terreno (imóvel) não está sujeito ao pagamento de qualquer contribuição do regime condominial, porque a sua propriedade é exclusiva”.

“A cobrança pretendida é defendida somente com fundamento no princípio que veda o enriquecimento sem causa, pois o proprietário do lote (imóvel), ainda que não tivesse participado da entidade, se aproveita dos serviços e outras vantagens em comum”.

“Esse argumento impressiona e já me impressionou em outra oportunidade, mas entendo agora que deve prevalecer a liberdade de associação, de forma que não se pode impor ao proprietário não associado qualquer obrigação decorrente das deliberações tomadas sem a sua participação. O valor da liberdade de associação, consubstanciado na Constituição Federal, deve prevalecer”.

Citando o STJ, também se assentou: “E a autora, a seu turno, é mera associação civil, com participação voluntária e, embora regularmente constituída e com seus estatutos registrados no Registro Civil das pessoas jurídicas, não tem poder para compelir os Apelantes a ela se associarem, nem de lhes impor contribuições, a serem compulsoriamente solvidas, ainda que através deste feito. É que tal obrigação não é propter rem, mas de natureza estritamente pessoal, só adstringindo a quem quis à autora se associar e enquanto se mantiver associado” (Resp 44493, DJ 06/10/2003, Rel. Min. ARI PARGENDLER).

O outro lado

A decisão abaixo, relacionada à ação de cobrança de um proprietário de imóvel no bairro Fazendinha, em Carapicuíba, São Paulo, em que a Associação dos Moradores e Proprietários do Fazendinha ou Associação dos Amigos da Fazendinha pretendia receber “contribuições” não pagas. A Justiça de Carapicuíba isentou o proprietário do pagamento, pelo fato de ele não ser associado. A associação recorreu ao Tribunal (TJ-SP).

A 3ª Câmara de Direito Privado o condenou nos seguintes termos: “acordam, em a 3ª Câmara de Direito Privado do TJ-SP, proferir a seguinte decisão: “DERAM provimento ao recurso. V.U.” de conformidade com o voto do Relator, que integra este acórdão.

O Julgamento teve a participação dos Desembargadores BERETTA DA SILVEIRA (Presidente), ADILSON DE ANDRADE. São Paulo, 16 de setembro de 2008. Donegá Morandini – Relator.

Diz o Relatório, da lavra do desembargador Donegá Morandini:

1 – Ação de cobrança julgada IMPROCEDENTE pela r. sentença de fls. 206/209, cujo relatório é adotado. Embargos de declaração às fls. 216/218, acolhidos às fls. 231.

Apela a autora. “Insiste, pelas razões expostas as fls. 222/227, na inversão do julgado, com a procedência da demanda”.

Contra-razões às fls. 243/252.

É O RELATÓRIO:

“Respeitando o entendimento esposado pela r. sentença de fls. 206/209, de rigor o provimento do apelo interposto pela associação autora.

Com efeito. Em relação à apelante, a Associação dos Moradores e Proprietários da Fazendinha, esta Câmara, especialmente esta Turma Julgadora, já firmou entendimento no sentido da legitimidade da cobrança intentada, ainda que o requerido não integre os quadros associativos”.

Nota: Vale dizer: revogam a Constituição Federal.

“A propósito, confira-se: “Cobrança. Loteamento. Taxa manutenção. Admissibilidade. Contribuição devidamente aprovada em assembléia. Prova de que sendo proprietário de lote, também aceitou os benefícios decorrentes dos serviços prestados pela autora. Procedência da ação. Recurso improvido (Apelação Cível nº. 576.925-4/2-00, Carapicuíba/Barueri. Apelante: Aníbal Lozano e outra. Apelada: Associação dos Moradores e Proprietários da Fazendinha, (Relator BERETTA SILVEIRA)”.


Também: “Ação de cobrança. Associação de Moradores. Preliminares de cerceamento de defesa afastadas. Fruição dos benefícios oriundos dos serviços prestados. IRRELEVÂNCIA DE ANUÊNCIA DO MORADOR. Recurso provido”. (Apelação Cível 503.738-4/0-00, Carapicuíba/Barueri. Apelante: Mário César Grande e outra, relator ADILSON DE ANDRADE”.

Nota: Esta condenação acabou reformada pelo STJ por não observar o entendimento dos tribunais superiores: “Quem não é associado não pode ser cobrado pelas associações”.

Ainda: “Ação de cobrança. Taxa de manutenção cobrada por associação de moradores de loteamentos. Carência da ação. Afastamento. Demanda assentada na prestação de serviços pela recorrida e não na relação jurídica derivada de eventual condomínio. Prestação de serviços incontroversa. Sentença mantida. Apelo improvido”.

(Apelação Cível 491.775-4, de São Paulo, Apelante: Romacre Empreendimentos Ltda. Apelada: Associação dos Proprietários da Fazendinha, desta RELATORIA”).

“Devida, dessa forma, à vista dos precedentes trazidos à colação, a contribuição exigida pela recorrente (a associação) destacando-se que, pelo teor da prova oral colhidas fls. 139/140, os serviços de segurança, bem ou mal, são prestados pela recorrente e recebido sem ressalvas, o que, via de conseqüência, exige contraprestação dos apelados, que, neste particular, ficam condenados ao pagamento da importância indicada na inicial (R$20.332,94) já acrescida a multa, atualização monetária e juros até 10/07/2003 (fls. 25) acrescida de juros de mora a partir da citação (artigo 219, CPC) e atualização monetária desde o ajuizamento da demanda, bem como verba honorária, arbitrada em 15% sobre o valor da condenação, além de custas processuais, autorizada a inclusão das parcelas vencidas no curso da demanda até o trânsito em julgado. Juros a partir do vencimento – obrigação líquida, correção monetária, com base na tabela Prática do TJ, desde cada vencimento.

Isto posto, dá-se provimento a apelo.
Donegá Morandini – Relator”.

Como asseverou o ministro Gilmar Mendes, a Justiça efetivamente “transformou-se numa loteria”. Alguns magistrados seguem a lei, observam os direitos e as garantias fundamentais dos cidadãos e decisões dos tribunais superiores.

Outros há, porém, com base no livre convencimento do magistrado, que, óbvio, deve adequar-se à lei, atropelam direitos e princípios elementares de Justiça e agem não em função da lei, mas do que lhes dita o livre convencimento. Esquecem que “todos são iguais perante a lei”.

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