Reserva de plenário

Plenário tem de decidir se lei é inconstitucional

Autor

  • Jorge de Oliveira Vargas

    é desembargador do Tribunal de Justiça do Estado do Paraná mestre doutor e pós-doutor pela Universidade Federal do Paraná professor de Direito Tributário da Universidade Tuiuti do Paraná e de Direito Constitucional no Centro Universitário Opet e na Escola da Magistratura do Paraná membro da Academia Paranaense de Letras Jurídicas e do Instituto Tributário do Paraná e membro-fundador do Instituto Paranaense de Direito Processual.

27 de março de 2009, 15h26

A Constituição Federal de 1934 já previa em seu artigo 179 que “só por maioria absoluta de votos da totalidade dos seus juízes, poderão os tribunais declarar a inconstitucionalidade de lei ou ato do Poder Público”. Portanto, o princípio constitucional da reserva de plenário surgiu quando o nosso sistema jurídico ainda só admitia o controle da constitucionalidade pelo sistema difuso, uma vez que o sistema concentrado só surgiu com a Emenda Constitucional 16, que deu nova redação ao artigo 101, I, k, da Constituição Federal de 1946.

Disso, fácil é concluir que esse princípio, hoje previsto no artigo 97[1] da Constituição Federal de 1988, é aplicável tanto a um como a outro sistema.

Não é por outra razão que o Código de Processo Civil disciplina, em seus artigos 480 a 482, a declaração de inconstitucionalidade quando a questão é suscitada num caso concreto, determinando que, uma vez acolhida a arguição de inconstitucionalidade de lei ou de ato normativo do poder público, será lavrado o acórdão, a fim de ser submetida a questão ao tribunal pleno ou ao respectivo órgão especial.

Pela Emenda Constitucional 3, de 17 de março de 1993, a nossa atual Carta Magna incorporou a Ação Declaratória de Constitucionalidade, reconhecendo a necessidade cada vez maior da segunda sanção a ser dada pelo Poder Judiciário, uma vez que a presunção de constitucionalidade das leis e dos atos normativos do Poder Público estava cada vez mais fragilizada.

A Lei 9.868, de 10 de novembro de 1999, em seu artigo 24, não deixa dúvidas a respeito do caráter dúplice da Ação Direta de Inconstitucionalidade ou da Ação Declaratória de Constitucionalidade, quando diz:

Proclamada a constitucionalidade, julgar-se-á improcedente a ação direta ou procedente eventual ação declaratória; e, proclamada a inconstitucionalidade, julgar-se-á procedente a ação direta ou improcedente eventual ação declaratória.

Mas esse caráter dúplice já podia ser extraído do artigo 173 do Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal (alterado pela Lei 9.868), que dizia:

Efetuado o julgamento, com o ‘quorum’ do artigo 143, parágrafo único, proclamar-se-á a inconstitucionalidade ou a constitucionalidade do preceito ou do ato impugnados, se num ou noutro sentido se tiverem manifestado seis[2] ministros.

E não se argumente que esse critério só diz respeito ao controle abstrato, porque os artigo 176 a 178 do mesmo Regimento o estendem para a declaração incidental:

Art. 176. Arguida a inconstitucionalidade de lei ou ato normativo federal, estadual ou municipal, em qualquer outro processo submetido ao Plenário, será ela julgada em conformidade com o disposto nos artigos 172 a 174, depois de ouvido o Procurador-Geral.

Art. 178. Declarada, incidentalmente, a inconstitucionalidade, na forma prevista nos artigos 176 e 177, far-se-á a comunicação, logo após a decisão, à autoridade ou órgão interessado, bem como, depois do trânsito em julgado, ao Senado Federal, para os efeitos do artigo 42, VII, da Constituição.

Esse caráter dúplice, no controle difuso ou incidental, é reforçado no parágrafo 2º do artigo 199 do Regimento Interno do Superior Tribunal de Justiça, nos seguintes termos:

Proclamar-se-á a inconstitucionalidade ou a constitucionalidade do preceito ou ato impugnado, se num ou noutro sentido se tiver manifestado a maioria absoluta dos membros da Corte Especial.

O princípio da reserva de plenário também é consagrado na Constituição do nosso Estado, no artigo 112, quando diz:

Somente pelo voto da maioria absoluta dos seus membros ou dos membros do órgão especial, poderá o Tribunal de Justiça declarar a inconstitucionalidade de lei ou ato normativo do Poder Público.

E não poderia ser diferente, diante do princípio da simetria, que se extrai do artigo 25 da Constituição Federal.[3]

Se a nível estadual não poderia o princípio de reserva de plenário ser ignorado, também, pelo mesmo motivo, não se pode ignorar o caráter dúplice do controle de constitucionalidade, ou seja, também na ação direta, como na declaração incidente, o Órgão Especial terá que se manifestar através da maioria absoluta de seus membros.

O Regimento Interno do Tribunal de Justiça do nosso Estado também prevê, embora de forma indireta, esse caráter dúplice quando diz:

Art. 208 — Só pelo voto da maioria absoluta de seus membros poderá o Órgão Especial declarar a inconstitucionalidade de lei ou de ato do poder público.

Aparentemente aí foi adotada a tese defendida por muitos de que só é necessário o voto da maioria absoluta para declarar a inconstitucionalidade, portanto, se essa maioria absoluta não for alcançada, ou seja, se a votação for de 12 votos pela inconstitucionalidade e de 1 pela constitucionalidade, num Órgão Especial como o do nosso Estado, que tem 25 membros (art. 81 do Regimento Interno), não será declarada a inconstitucionalidade, mas também não será declarada a constitucionalidade. A conclusão é que, pelo órgão Especial, foi concluído que a lei talvez seja constitucional ou inconstitucional.

Evidentemente uma conclusão dessas ofende o princípio da segurança jurídica e contraria os parágrafos 1º e 2º do citado artigo 208, que afastam tal incoerência, nos seguintes termos:

§ 1º — Se os votos dos desembargadores que não estiverem presentes, por qualquer motivo, puderem alterar o resultado, adiar-se-á o julgamento para que sejam tomados.

§ 2º — A decisão declaratória ou negatória de inconstitucionalidade, se for unânime, passará a ser definitiva, ….

Quando foi previsto o adiamento do julgamento para colher o voto dos desembargadores ausentes, se com esses o resultado pudesse ser alterado, o que se buscou foi que no julgamento se alcançasse a maioria absoluta, para atender o princípio constitucional da reserva de plenário. O parágrafo 2º, por sua vez, que deve ser interpretado de forma a integrar-se com o caput do artigo 208, ao falar em decisão declaratória ou negatória de inconstitucionalidade, está também consagrando o caráter dúplice do controle.

Finalmente, não se pode esquecer que o artigo 335 do Regimento Interno do nosso tribunal prevê que, nos casos omissos, será subsidiário deste Regimento o do Supremo Tribunal Federal, ou em outras palavras, se alguma dúvida restar, busca-se luz no Regimento do Excelso Pretório, ou, no caso, no artigo 24 da Lei 9.868.

Concluindo: uma vez suscitado o incidente de declaração de inconstitucionalidade, o Órgão Especial do Tribunal de Justiça terá que decidir pela inconstitucionalidade ou a constitucionalidade do preceito ou ato impugnado, pela maioria absoluta dos seus membros, não podendo ficar no talvez.


 

[1] Art. 97. Somente pelo voto da maioria absoluta de seus membros ou dos membros do respectivo órgão especial poderão os tribunais declarar a inconstitucionalidade de lei ou ato normativo do Poder Público.

[2] Maioria absoluta.

[3] Os Estados organizam-se e regem-se pelas Constituições e leis que adotarem, observados os princípios desta Constituição.

Autores

  • Brave

    é desembargador do Tribunal de Justiça do Paraná; mestre e doutor em Direito Público pela Universidade Federal do Paraná; professor de Direito Constitucional na Escola da Magistratura do Paraná e de Processo Civil nas Faculdades de Direito da Universidade Tuiuti do Paraná e Unibrasil

Tags:

Encontrou um erro? Avise nossa equipe!