Auxílio-doença

Pressão atrasa modernização da Previdência

Autor

  • Luiz Salvador

    é presidente da ALAL diretor do Departamento de Saúde do Trabalhador da JUTRA assessor jurídico de entidades de trabalhadores membro integrante do corpo técnico do Diap do corpo de jurados do Tribunal Internacional de Liberdade Sindical (México) da Comissão Nacional de Relações internacionais do Conselho Federal da OAB e da comissão de juristas responsável pela elaboração de propostas de aprimoramento e modernização da legislação trabalhista instituídas pelas Portarias-MJ 840 1.787 2.522/08 e 3105/09.

26 de março de 2009, 19h30

Temos denunciado em nossos artigos e palestras que a legislação infortunística brasileira é das melhores do mundo, mas sem eficácia diante dos vícios existentes no sistema. Agora temos uma notícia alvissareira: Paulo Rogério Albuquerque, o “pai” do Nexo Técnico Epidemiológico Previdenciário (NTEP), acaba de concluir sua magistral obra, lançada pela LTR e intitulada: NTEP e FAP, que, em nosso entender, são duas ferramentas modernas à disposição da sociedade à moralização do sistema viciado, como temos denunciado em nossos artigos e palestras.

A esse respeito, consultar os endereços eletrônicos: http://www.adital.com.br/site/noticia.asp?lang=PT&cod=35659, http://www.adital.com.br/site/noticia.asp?lang=PT&cod=29519, http://www.adital.com.br/site/noticia.asp?cod=32983〈=PT, http://www.adital.com.br/site/noticia.asp?lang=PT&cod=35102.

Se implementadas para valer essas duas ferramentas, superadas as conhecidas resistências à sua implementação — quer por parte dos interesses patrimonialísticos patronais, como também as próprias resistências internas, por servidores, incluindo peritos-médicos que deveriam cumprir os princípios da administração pública enunciados no caput do artigo 37 da Carta Cidadã —, os vícios existentes no sistema poderão ser corrigidos e superados, permitindo-se efetividade no cumprimento dos direitos aos benefícios previdenciários assegurados pela Lei de Benefício, 8.213/91, não se suspendendo o auxílio-doença, sem submissão do segurado a exame pericial real e verdadeiro, sem os abusos, fraudes e conivências conhecidos.

É direito do trabalhador segurado com qualquer incapacitação laboral, seja decorrente de doença e ou de acidente, ao benefício auxílio-doença (comum e ou acidentário) a teor do que dispõem os artigos 59 e 60:

“Do Auxílio-Doença

Art. 59. O auxílio-doença será devido ao segurado que, havendo cumprido, quando for o caso, o período de carência exigido nesta Lei, ficar incapacitado para o seu trabalho ou para a sua atividade habitual por mais de 15 (quinze) dias consecutivos.

Parágrafo único. Não será devido auxílio-doença ao segurado que se filiar ao Regime Geral de Previdência Social já portador da doença ou da lesão invocada como causa para o benefício, salvo quando a incapacidade sobrevier por motivo de progressão ou agravamento dessa doença ou lesão.

Art. 60. O auxílio-doença será devido ao segurado empregado a contar do décimo sexto dia do afastamento da atividade, e, no caso dos demais segurados, a contar da data do início da incapacidade e enquanto ele permanecer incapaz. (Redação dada pela Lei nº 9.876, de 26.11.99).”

Mas o INSS, visando redução de seus custos operacionais, teima em suspender o benefício, ao entendimento de que, autorizado pelo Decreto 3.048, de 6 de maio de 1999, no artigo 1, parágrafo 1º, que dispõe: “o INSS poderá estabelecer, mediante avaliação médico-pericial, o prazo que entender suficiente para a recuperação da capacidade para o trabalho do segurado, dispensada nessa hipótese a realização de nova perícia”.

Mas o artigo 60 da Lei 8.213/91 tem regramento objetivo e propositivo. O benefício não pode ser suspenso enquanto persistir a incapacitação. E como é que se verifica a cessação da incapacitação, por perícia médica, verdadeira, real, onde sejam analisadas as condições concretas, físicas e psíquicas do segurado, avaliando-se a (in)capacidade de trabalho do segurado, através do exame clínico, analisando documentos, provas e laudos referentes ao caso, conforme dispõe inclusive a Resolução 1.488/98 do Conselho Federal de Medicina, de cumprimento obrigatório pelo profissional médico.

Portanto, sem realização de perícia médica, não é juridicamente possível superar-se a questão da comprovação da (in)capacidade pelo “olhômetro” ou “adivinhação”, ainda que autorizada pelo Decreto 3.048, de 6 de maio de 1999. Ademais o Decreto é claro ao estabelecer o regramento de exceção e não de regra geral como ocorre: “poderá” e não “deverá”. Também é consabido que Decreto é ato regulamentador de lei, não podendo dispor em sentido contrário ao que dispõe a lei em seu mérito, tendo-se que se observar a questão da hierarquia das leis. Decreto é ato de regulação e não de criação de norma. Os instrumentos de regulação, decretos, portarias, instruções, são sempre subordinados ao comando da lei, seja ela ordinária e ou mesmo constitucional. Neste sentido, ensina o renomado mestre administrativista e constitucionalista pátrio Miguel Reale:


“[…] não são leis os regulamentos ou decretos, porque estes não podem ultrapassar os limites postos pela norma legal que especificam ou a cuja execução se destinam. Tudo o que as normas regulamentares ou executivas estejam em conflito com o disposto ali não tem validade, e é suscetível de impugnação por quem se sinta lesado” (1980: 163).

É fato de notório conhecimento público que mais de 80% dos acidentes e dos adoecimentos ocupacionais não são comunicados ao INSS, apesar de ser de obrigação principal do empregador emitir a Comunicação de Acidentes do Trabalho, a teor do que dispõe o artigo 22 da Lei 8.213/91, que assim dispõe:

“A empresa deverá comunicar o acidente do trabalho à Previdência Social até o 1º (primeiro) dia útil seguinte ao da ocorrência e, em caso de morte, de imediato, à autoridade competente, sob pena de multa variável entre o limite mínimo e o limite máximo do salário-de-contribuição, sucessivamente aumentada nas reincidências, aplicada e cobrada pela Previdência Social”.

Como é uma prática do INSS só conceder o benefício auxílio doença-acidentário (B-91) quando o empregador emitir a CAT, rejeitando as demais CATs que não tenham sido emitidas pelo patronato, apesar da previsão legal da Lei 8.213/91 — que permite que a CAT seja emitida até mesmo pelo trabalhador ou seu sindicato profissional —, acaba concedendo a um trabalhador reconhecidamente com incapacitação laboral, o benefício auxílio doença-comum (B-31), que sem fonte de custeio, acaba ocasionando o propalado “déficit” pela concessão de benefício doença comum, já com “alta programada”, para baixar os custos da previdência.

Para equilibrar essa situação, o NTEP Previdenciário, acaso fosse implementado para funcionar como de lei, pelo critério objetivo, por certo iria contribuir para que os benefícios acidentários fossem concedidos e pagos com os recursos existentes advindos da contribuição mensal incidente sobre a folha de pagamento das empresas, o conhecido SAT. Mas nem mesmo tendo sido aprovado pelo Congresso Nacional o NTEP, pelo critério objetivo, as resistências patronais e dos peritos-médicos não permitiram sua implementação e uso, como previsto, contrariando o espírito da Lei 11.430 de 26/12/2006 que aprovou o NTEP. O próprio INSS já alterou sua regulamentação interna, aprovando nova Instrução Normativa, pelo critério subjetivo, — a IN 31/08, que substituiu a IN 16 —, que reconhecia a novidade do reconhecimento acidentário pelo critério objetivo, ainda que o empregador não tenha emitido a CAT, deixando de cumprir com sua obrigação legal e principal. Essa alteração, procedida pela nova IN 31/08, já sofreu repúdio pelos operadores em saúde do trabalhador, levando o Ministério Público do Trabalho a propor medida judicial contra o INSS e peritos a deixarem de fraudar o critério da objetividade legal do NTEP, pela Notificação Recomendatória 9/08, expedida ao INSS, subscrita pelo Dr. Sandro Eduardo Sardá, Procurador do Trabalho em Chapecó-SC, apontando diversos dispositivos legais que restaram violados, incorrendo a IN 31 editada então em: “subversão dos princípios legais que regem os atos regulatórios, não podendo, como ocorreu, que por serem as instruções normativas atos inferiores à Lei, em sentido formal, e aos Decretos, inová-los ou contrariá-los, mas unicamente complementá-los e explicá-los, sob pena de exceder sua competência material, incorrendo em ilegalidade. (STF ADI 2.398-AgR, rel. Min. Cezar Peluso, julg. em 25.06.2007)”

Consigna a Notificação Recomendatória em comento a advertência expressa de que, em não cumprindo as determinações, será ajuizado pela Procuradoria as demais medidas jurídicas cabíveis.

Pelo Decreto 6.042/07, o governo corrige uma distorção antes muito criticada que era a punição injusta do empregador que investia em prevenção e cuidava de aplicar as normas de segurança e proteção, e que pagava o mesmo percentual de contribuição do SAT (desconto sobre a folha de pagamento para financiamento do seguro-acidente) do empregador inadimplente, que não cumpria as normas de proteção à saúde de seus trabalhadores.


Pela nova norma aprovada, há incentivo ao cumprimento da lei, já que a empresa que investir em prevenção será premiada com redução do seguro de acidente de trabalho, variando entre 0,5% e 6% da folha de pagamento, conforme o número de acidentes registrados. Ou seja, quem tiver maior número de acidentados e ou adoecidos do trabalho será penalizado. Quem tiver menor número, terá um desconto.

Apesar de representarem o NTEP e o FAP duas ferramentas modernas à moralização do sistema, eliminando-se os vícios existentes e conhecidos, o sabido é que o lobby empresarial pressiona o governo para flexibilizar o NTEP e adiar início da vigência do FAP para janeiro de 2010. Assim, diante dos reclamamos da classe empresarial, o FAP não entrou em vigor na data prevista, em janeiro de 2008. Foi adiado, com previsão de vigência para 1º de janeiro de 2009. E agora, novamente, diante do temor da classe empresarial de elevação de custos com as novas alíquotas para o financiamento do seguro de acidentes — não só o benefício acidentário (B-91), mas também auxílio doença comum (B-31), entra na composição do FAP, para efeito de cálculo do pagamento do SAT —, o SAT é outra vez adiado para 1º de janeiro de 2010. Em nosso entendimento, o sistema tripartite que deu excelentes resultados no Ministério do Trabalho para as questões de relação de trabalho, não deu e nem poderia dar certo em questão de Saúde e Segurança do Trabalho, onde cabe ao Estado intervir nas relações com leis que disciplinem os conflitos de interesse entre o capital e a garantia constitucional da prevalência da vida contra a busca do lucro a qualquer custo.

As duas novidades foram bem recebidas pelos trabalhadores segurados, bem como pelas entidades que operam em saúde do trabalhador, mas as duas medidas encontram resistências na sua imediata aplicação, quer por parte da Associação Nacional dos Peritos Médicos, quer por parte da representação dos empregadores, quer internamente no INSS. O órgão continua dando azo à inefetividade da lei aprovada, ao trazer para o âmbito da saúde pública a experiência de decisão consensuada pelo sistema tripartite, servível no âmbito das relações de trabalho, mas inservível no âmbito da atuação do Estado. Impõe-se ao empregador o cumprimento do comando impositivo de, por ser devedor de saúde, cumprir as medidas de segurança e medicina do trabalho, visando a eliminação dos riscos ocupacionais acaso existentes no ambiente de trabalho, evitando-se, com o investimento em prevenção, os acidentes de trabalho e ou adoecimentos ocupacionais.

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