Garantia dos direitos

País precisa de reforma política e isso o STF não pode fazer

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23 de março de 2009, 20h23

O “ativismo judicial” está fazendo com que o Supremo Tribunal Federal esteja no centro das discussões políticas desde que seu presidente, ministro Gilmar Mendes, a partir de uma denúncia da revista Veja, levou diretamente ao presidente da República uma exigência de apuração sobre uma escuta telefônica clandestina de que teria sido vítima.

A transcrição de uma conversa com o senador Demóstenes Torres, confirmada pelos dois, seria a prova de que a Operação Satiagraha, conduzida pelo delegado Protógenes Queiroz, teria grampeado ilegalmente diversas autoridades na seqüência da investigação que levou à prisão do banqueiro Daniel Dantas. Uma investigação da Corregedoria da própria Polícia Federal acabou indiciando criminalmente o delegado por ilegalidades na operação, entre elas escutas telefônicas não autorizadas e a violação de sigilo funcional.

Um grupo de agentes da Agência Brasileira de Inteligência (Abin), recrutados “informalmente” teve acesso a dados sigilosos da investigação, como escutas telefônicas, fazendo papel de polícia judiciária, o que é proibido por lei.

As constantes intervenções do ministro Gilmar Mendes contra os abusos da Polícia Federal nas investigações e prisões levaram a que fosse acusado de estar protegendo o banqueiro Daniel Dantas, a quem concedeu dois Habeas Corpus.

A última polêmica tem a ver com a interpretação de uma decisão do ministro Carlos Alberto Direito, que arquivou uma representação do PPS que alegava que são inconstitucionais os decretos 4.376/2002 e 6.540/2008, que autorizam a Abin a manter, em caráter permanente, representantes dos órgãos componentes do Sistema Brasileiro de Inteligência no Departamento de Integração do Sistema Brasileiro de Inteligência.

O arquivamento foi interpretado erroneamente como se o ministro Carlos Alberto Direito tivesse admitido que a atuação da Abin na Operação Satiagraha fora legal. O ministro me disse, no entanto, que decidiu apenas que a Ação Direta de Inconstitucionalidade não é o meio correto para questionar os decretos.

Outra decisão polêmica foi a súmula vinculante sobre o uso das algemas nas operações policiais, que devem ter caráter excepcional. Na verdade, o Supremo não pretendia editar uma súmula vinculante sobre o assunto, mas o fez depois que um delegado usou algemas desnecessariamente e, questionado sobre o pronunciamento do Supremo, disse que aquela decisão “não valia”.

Joaquim Falcão, da Fundação Getúlio Vargas, do Rio, e membro do Conselho Nacional de Justiça, considera que a imagem do Poder Judiciário vem se afirmando diante da população.

Com base em uma pesquisa nacional realizada pelo Ipespe, ele mostra que a Justiça do Trabalho e os juizados Especiais ou de Pequenas Causas são as instituições mais bem avaliadas pela população, o que demonstraria que a agilidade da Justiça, e sua atuação na base da sociedade, reforçam o seu papel institucional, legitimando um “ativismo” judicial.

O site Consultor Jurídico registrou recentemente que o advogado Saul Tourinho Leal, mestre em Direito Constitucional pelo Instituto Brasiliense de Direito Público (IDP), uma instituição de ensino cujo proprietário é o ministro Gilmar Mendes, fez uma tese de mestrado em que compara as decisões da Suprema Corte dos Estados Unidos em sua fase mais ativista, quando foi presidida pelo juiz Earl Warren, nas décadas de 1950 e 60, com precedentes adotados pelo Supremo no Brasil, garantindo direitos fundamentais aos indivíduos, em muitos casos contra a opinião majoritária da sociedade, como a progressão da pena para crimes hediondos ou o direito de um réu responder em liberdade, mesmo condenado, até que sejam esgotados os recursos legais.

Luiz Roberto Barroso, em estudo a ser publicado no mês que vem no volume 4 do livro Temas de Direito Constitucional, ressalta que quando Earl Warren deixou a presidência da Suprema Corte, em 1969, a segregação em escolas e demais ambientes públicos já não era mais permitida; o arbítrio policial contra pobres e negros estava minorado; acusados em processos criminais não podiam ser julgados sem advogado.

“Todas as profundas transformações foram efetivadas sem qualquer ato do Congresso ou decreto presidencial”, realça. Barroso considera que esse “ativismo” do Supremo está acontecendo no Brasil por duas razões: primeiro, o Supremo mudou a composição.

Na sua análise, nos primeiros anos da Constituição de 1988, foi mantida a composição do Supremo que vinha do regime militar, que tinha um perfil muito comprometido com a velha ordem, fazia interpretações conservadoras, a jurisprudência ficava alinhada ao que sempre fora.

Nos últimos anos houve uma renovação do Supremo e, hoje, há mais ministros que têm um sentimento ligado ao novo regime, à Constituição de 1988, liberando forças represadas.

O outro motivo é que, para Barroso, o Poder Legislativo vive uma crise de funcionalidade que estimula também as medidas provisórias. A energia política que é necessária para aprovar qualquer coisa no Congresso é tão grande, para compor as maiorias, que é mais fácil atuar por medidas provisórias.

A recente decisão do presidente da Câmara, deputado Michel Temer, de encontrar um artifício legal para que as medidas provisórias não tranquem a pauta do Congresso, também é polêmica do ponto de vista jurídico e é outra forma de as interpretações jurídicas interferirem na política.

Barroso diz que ainda não se deteve a fundo na questão, mas considera que essa decisão frustra o sentido da lei, que é impedir que as medidas provisórias fiquem sem ser votadas.

Mas admite que, ao mesmo tempo, o Poder Executivo ter o poder de paralisar a ação do Legislativo também fere a independência dos poderes.

[Artigo publicado originalmente no jornal O Globo, deste domingo, 22 de março]

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