Justiça anacrônica

Justiça militar é corporativista e não faz sentido mantê-la

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21 de março de 2009, 14h05

Faz sentido manter a Justiça Militar no Brasil da forma como ela é nos dias de hoje?
NÃO

A Justiça é tão desnecessária quanto inconcebível em uma sociedade que busca ser moderna. Os que a defendem calcam suas razões na manutenção da ordem e da disciplina militar, bem como na especialidade da matéria. Basta uma mera análise para se verificarem as bases falsas e, o que é pior, justamente na contramão do que se busca em termos de Justiça.

A Ordem e a disciplina no meio militar são atingidas pela imposição de rigorosas regras hierárquicas, enquanto a especialidade da matéria é tão somente mais uma entre tantas outras que a Justiça costuma tratar. Muito sério o primeiro argumento, pois faz da Justiça Militar uma longa mão do superior hierárquico, produzindo decisões que não visam a justiça no caso concreto, mas, simplesmente, a manutenção de disciplina ainda que às custas de injustiças.

No que tange à especialização, nada mais incongruente. A Justiça não militar lida com várias matérias específicas, tais como família, infância, ordem tributária etc., todas mais complexas do que o direito militar. Somente cerca de 5% dos processos tratados em Justiça Militar dizem respeito às questões da caserna, tais como os crimes de insubordinação, desobediência e abandono de posto.Tais feitos, além de terem um número inexpressivo de processos, têm um grau de dificuldade da matéria quase risível diante da complexidade do que é julgado na Justiça comum ou na Justiça Federal.

Assim, caso se fosse contabilizar o número de processos em tramitação na Justiça Militar de todo o Brasil, com os descontos daqueles que realmente dizem respeito à matéria militar, certamente se obteria um número tão baixo quanto vergonhoso, de causar choro e revolta aos contribuintes. Apenas para exemplificar, no Rio Grande do Sul a Justiça Militar Estadual possui, ao todo, somados primeiro e segundo graus, menos de mil processos. Imagine se ficasse apenas com os processos que realmente dizem respeito aos crimes militares próprios?

E o que é pior: para um volume tão inexpressivo de processos, a sociedade gaúcha desembolsará, neste ano, cerca de R$ 24 milhões. Uma farra com o dinheiro público. A especialização de que tratam os defensores da Justiça Militar bem caberia em todos os setores e classes da sociedade. Recentemente a Argentina, um dos países mais militarizados do mundo, decidiu reduzir, ao máximo, a Justiça Militar, para que atue somente naqueles pouquíssimos casos de crimes militares próprios, sendo que todos os demais passarão para a competência da Justiça comum.

Veja-se isso como uma tendência mundial, somente se justificando a discussão da manutenção da Justiça Militar em âmbito de Forças Armadas e apenas para os crimes militares próprios -jamais os da Polícia Militar, dada a natureza mais do que civil das funções que desempenham os militares estaduais.

Por fim, ressalte-se a odiosa tendência corporativista dos julgamentos, com tratamentos dissidentes entre praças e oficiais, principalmente oficiais superiores. Recentemente, no Rio Grande do Sul, tive a oportunidade de denunciar na Assembleia Legislativa alguns casos de julgamentos absurdos do ponto de vista jurídico, sempre beneficiando oficiais de alta patente. A discussão tomou corpo e hoje o Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, por vontade de 92% dos magistrados estaduais, está para encaminhar emenda constitucional extinguindo a Justiça Militar.

Decisões desconectadas do jurídico são comuns, pois os membros militares nem sequer necessitam ter formação em direito. Dos 4 membros militares aqui no Estado, somente 3 são formados, pois buscaram os bancos escolares depois de terem sido nomeados pelos governadores -o que, "data venia", muito pouca diferença faz para quem tem um cargo com a remuneração e o status de desembargador. Isso tudo é lamentável e muito sério pela falta de seriedade de como se constitui a Justiça Militar.

Artigo publicado originalmente na Seção Tendências e Debates do jornal Folha de S.Paulo, deste sábado. Clique aqui para ler a opinião contrária, publicada no mesmo jornal.

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