Raposa Serra do Sol

STF mantém demarcação da Raposa Serra do Sol

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19 de março de 2009, 16h22

Por 10 votos a um, o Supremo Tribunal Federal manteve a demarcação contínua da reserva indígena Raposa Serra do Sol, em Roraima. A decisão foi tomada nesta quinta-feira (19/3). Prevaleceu o voto do ministro Menezes Direito, que impôs 18 condições para a manutenção da demarcação homologada pelo governo federal em 2005.

Após o voto do presidente do Supremo, ministro Gilmar Mendes, a sessão foi interrompida para o intervalo. Na volta, os ministros discutirão cada uma das 18 propostas feitas no voto de Direito (leia abaixo). Também decidirão se será acolhida a proposta feita pelo ministro Gilmar Mendes, que sugeriu que a execução da decisão seja feita pelo Tribunal Regional Federal da 1ª Região.

De acordo com o presidente do STF, a execução da decisão pelo TRF-1 pode evitar conflitos como os que foram vistos há quase um ano, quando a Polícia Federal se mobilizou para retirar os arrozeiros da área. Gilmar Mendes lembrou que, nos Estados Unidos, esse procedimento já foi feito no caso Brow x Board of Education.

Em 1954, a Suprema Corte dos Estados Unidos determinou que as escolas públicas em todos os estados admitissem crianças brancas e negras convivendo juntas. Antes, havia escolas para brancos e escolas para negros. Para evitar conflitos no país, onde havia uma política oficial de segregação racial, a execução da decisão foi feita por órgãos judiciais locais.

Em seu voto, Gilmar Mendes criticou a falta de presença do Estado na área demarcada. “Os índios estão entregues à própria sorte. Para fazer coisas triviais, cotidianas, é preciso caminhar dois dias até um local chamado Água Fria, depois tomar ônibus. Há um abandono completo do poder público. Faz-se a demarcação e nada mais”, criticou. O presidente do Supremo apontou também que é preciso enfrentar a questão da regulamentação da presença de ONGs no local.

Condições para demarcar

As ressalvas feitas pelo ministro Menezes Direito se referem à pesquisa e lavra de riquezas minerais e à exploração de potenciais energéticos, além de questões envolvendo a soberania nacional.

Direito criou uma espécie de diretriz sumular, que a União deve seguir quando analisar as outras duas centenas de casos de demarcação de terras indígenas que ainda estão à espera de definição. Para o ministro Carlos Britto, relator do processo, Direito usou uma técnica criativa e inteligente importante para garantir a boa execução do julgamento.

Além do relator, seguiram o voto de Direito os ministros Cármen Lúcia, Ricardo Lewandowski, Eros Grau, Cezar Peluso, Ellen Gracie, Celso de Mello e Gilmar Mendes. O ministro Joaquim Barbosa votou pela demarcação contínua sem as 18 restrições propostas. O ministro Marco Aurélio foi vencido — leia aqui texto sobre o voto vencido.

Conheça as condições impostas por Menezes Direito para a demarcação:

1 — O usufruto das riquezas do solo, dos rios e dos lagos existentes nas terras indígenas pode ser suplantado de maneira genérica sempre que houver como dispõe o artigo 231 (parágrafo 6º, da Constituição Federal) o interesse público da União na forma de Lei Complementar;

2 — O usufruto dos índios não abrange a exploração de recursos hídricos e potenciais energéticos, que dependerá sempre da autorização do Congresso Nacional;

3 — O usufruto dos índios não abrange a pesquisa e a lavra de recursos naturais, que dependerá sempre de autorização do Congresso Nacional;

4 — O usufruto dos índios não abrange a garimpagem nem a faiscação, dependendo-se o caso, ser obtida a permissão da lavra garimpeira;

5 — O usufruto dos índios fica condicionado ao interesse da Política de Defesa Nacional. A instalação de bases, unidades e postos militares e demais intervenções militares, a expansão estratégica da malha viária, a exploração de alternativas energéticas de cunho estratégico e o resguardo das riquezas de cunho estratégico a critério dos órgãos competentes (o Ministério da Defesa, o Conselho de Defesa Nacional) serão implementados independentemente de consulta a comunidades indígenas envolvidas e à Funai;

6 — A atuação das Forças Armadas da Polícia Federal na área indígena, no âmbito de suas atribuições, fica garantida e se dará independentemente de consulta a comunidades indígenas envolvidas e à Funai;

7 — O usufruto dos índios não impede a instalação pela União Federal de equipamentos públicos, redes de comunicação, estradas e vias de transporte, além de construções necessárias à prestação de serviços públicos pela União, especialmente os de saúde e de educação;

8 — O usufruto dos índios na área afetada por unidades de conservação fica restrito ao ingresso, trânsito e permanência, bem como caça, pesca e extrativismo vegetal, tudo nos períodos, temporadas e condições estipuladas pela administração da unidade de conservação, que ficará sob a responsabilidade do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade;

9 — O Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade responderá pela administração da área de unidade de conservação, também afetada pela terra indígena, com a participação das comunidades indígenas da área, em caráter apenas opinativo, levando em conta as tradições e costumes dos indígenas, podendo, para tanto, contar com a consultoria da Funai;

10 — O trânsito de visitantes e pesquisadores não-índios deve ser admitido na área afetada à unidade de conservação nos horários e condições estipulados pela administração;

11 – Deve ser admitido o ingresso, o trânsito, a permanência de não-índios no restante da área da terra indígena, observadas as condições estabelecidas pela Funai;

12 — O ingresso, trânsito e a permanência de não-índios não pode ser objeto de cobrança de quaisquer tarifas ou quantias de qualquer natureza por parte das comunidades indígenas;

13 — A cobrança de tarifas ou quantias de qualquer natureza também não poderá incidir ou ser exigida em troca da utilização das estradas, equipamentos públicos, linhas de transmissão de energia ou de quaisquer outros equipamentos e instalações colocadas a serviço do público tenham sido excluídos expressamente da homologação ou não;

14 — As terras indígenas não poderão ser objeto de arrendamento ou de qualquer ato ou negócio jurídico, que restrinja o pleno exercício da posse direta pela comunidade jurídica ou pelos silvícolas;

15 — É vedada, nas terras indígenas, qualquer pessoa estranha aos grupos tribais ou comunidades indígenas a prática da caça, pesca ou coleta de frutas, assim como de atividade agropecuária extrativa;

16 — Os bens do patrimônio indígena, isto é, as terras pertencentes ao domínio dos grupos e comunidades indígenas, o usufruto exclusivo das riquezas naturais e das utilidades existentes nas terras ocupadas, observado o disposto no artigo 49, XVI, e 231, parágrafo 3º, da Constituição da República, bem como a renda indígena, gozam de plena isenção tributária, não cabendo a cobrança de quaisquer impostos taxas ou contribuições sobre uns e outros;

17 — É vedada a ampliação da terra indígena já demarcada;

18 — Os direitos dos índios relacionados às suas terras são imprescritíveis e estas são inalienáveis e indisponíveis.

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