Controlador dos controladores

Para entender as anomalias em torno da Satiagraha

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17 de março de 2009, 18h22

Protógenes, Veja, TV Globo, Gilmar Mendes e outras falas. É de se estranhar que numa revista eletrônica como a ConJur, frequentada pela elite do mundo jurídico nacional, alguém ouse propor uma reflexão ou oferecer contraponto sobre tema tão importante como a Operação Satiagraha, com tanta informalidade ou um texto longe de ser jurídico.

De qualquer forma, urge trazer ao debate o jornalismo praticado pela revista Veja sobre a Operação Satiagraha, que consegue levar a reboque o telejornalismo da TV Globo, emissora esta que já conseguiu a proeza de contar a história da ditadura militar no Brasil em um seriado, com a sutileza de conseguir esconder do telespectador o seu próprio papel, dela, TV Globo, dentro da história que contou.

Mas, se de um lado a imprensa faz leitura obnóxia dos fatos, de outro lado preocupa a eloquência com que Protógenes Queiroz, nosso colega, delegado federal, trata com descortesia o senhor Daniel Dantas, ainda também investigado.

Na histeria do anômalo, o mais preocupante é, por certo, o aparente ativismo jurídico do titular da Suprema Corte do país e suas falas, entre elas as que trombeteiam mais controles sobre a Polícia Federal.

Assim, nesse “dantesco” contexto de anomalias – qualquer alusão ao Inferno de Dante e ao inferno do banqueiro não terá sido simples coincidência —, este texto parajurídico pretende oferecer como contraponto algumas considerações que seguem.

Pela Lei 9.883, de 7 de dezembro de 1999, assinada pelo ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, foi criado o Sistema Brasileiro de Inteligência, com finalidade de preservar a soberania nacional, a defesa do Estado Democrático de Direito e a dignidade da pessoa humana, devendo ainda cumprir e preservar os direitos e garantias individuais e demais dispositivos da Constituição Federal, tratados, convenções. Leia-se, o ordenamento jurídico nacional, além da soberania constitucional amoldada às leis internacionais, doutrina, aliás, a qual se filia o presidente daquela Corte Suprema do Brasil.

A lei em comento criou o Conselho Consultivo do Sistema Brasileiro de Inteligência, do qual, pela mesma norma, a Diretoria de Inteligência (DIP) da Polícia Federal é membro.

No contexto factual da Operação Satiagraha, o titular da DIP era ou é o delegado federal Daniel Lorenz, pessoa que, segundo a imprensa, repassou informações ao delegado Protógenes, que também trabalhava na Diretoria de Inteligência da PF, com o diferencial de ser este último o coordenador da Operação Satiagraha.

Alguém pode informar alguma ilegalidade nesse ato?

Pelo que se observa, o delegado federal, hoje investigado, recebeu de seu chefe informação sobre uma investigação que estava sob sua coordenação. Quanto a isto também não parece se revestir de ilegalidade. Na sequência, no estrito cumprimento do dever, Protógenes fez sua obrigação: aferir ou tentar aferir procedência daquela e de outras informações que recebeu, enquanto titular de uma investigação. Ao fazê-lo, encontrou ou pode ter encontrado derivações, quem sabe, informes relacionados a autoridades, como, por exemplo, as que revelam temores apenas quanto à polícia ou à primeira instância. Tais derivações podem ou poderiam envolver qualquer um, inclusive o autor deste texto, o presidente do Supremo ou da República, o editor de Veja, da Folha ou qualquer comensal.

E, em encontrando algum dado, qual seria a obrigação do investigante? Ser seletivo e concluir que A ou B não se investiga? E disso decorre outra indagação: se, encontrando algo procedente, o que deveria fazer? Apurar, parece ser a resposta. Não encontrando, o que fazer? Estaria obrigado a jogar fora ou juntar de forma aleatória o nome de autoridades dentro do inquérito? Também parece pouco prudente dizer, melhor ficar de fora. Mas disso também decorre outra questão: estaria obrigado a jogar fora? Se não o fez, estaria a fazer ou deixar de fazer o que não está obrigado por lei? Isso autoriza alguém deduzir que guardou para fins ilícitos, como por exemplo, “chantagear”?

Bom que se registre, não ser notícias de que Protógenes Queiroz tenha feito uso indevido de eventuais informações a que possa ter tido acesso.


Virem-se a página, para assinalar que tem causado perplexidade a colaboração da Agência Brasileira de Inteligência. Que venha, pois à colação, a lembrança de que o mundo moderno vem discutindo a colaboração entre organismos estrangeiros para enfrentar a transnacionalidade dos crimes. Na contramão, juristas e jornalistas brasileiros resistem à ideia de que órgãos oficiais, integrantes da máquina no Estado, interajam com aquele objetivo. Daí ser oportuno registrar que a história da Polícia Federal está repleta de trabalhos, muitos dos quais já endossados pelo Supremo Tribunal Federal, em que a PF teve apoio das polícias Civil, Militar, Rodoviária, de instituições, como o INSS, Receita Federal, USP, Unicamp etc., e até de “chapeiros” para descarregar caminhões de contrabando ou droga.

No contexto geral da Agência Brasileira de Informações (Abin), o que parecia óbvio tornou-se ululante com a recente decisão do ministro do STF Menezes Direito, quanto à possibilidade de troca de informações entre a Abin e a Polícia Federal.

Ainda no contexto de anomalias que permeia a cobertura da imprensa, alardeia-se o interesse da Presidência da República no tema. Aliás, “nunca na história deste país, um presidente se interessou tanto por uma investigação”. Mas seria vedado a ele, como cidadão ou mandatário-mor da Nação, querer ver esse assunto esclarecido? Nenhum crime também aqui, mas a leitura desse detalhe, com contornos de leitura de “marolinha”, acaba jogando sombras sobre o papel de Protógenes Queiroz. Tudo dentro do campo da especulação, das análises tendenciosas.

Tem-se condenado Protógenes Queiroz pelo material que tinha em sua casa. Mas, ainda que sujeito à censura de alguns, fosse o autor desse texto coordenador da Operação Satiagraha, por certo não teria fragmentos da operação em sua residência. Teria sim, cópia de tudo! Sua consciência de servidor público e de cidadão assim recomenda tal cautela, pois, na vigência da esquálida democracia brasileira, o autor já foi instado a falar sobre papéis de 10 anos atrás. Sorte sua que tinha dados para informar ou sabe Deus que final teria tido sua carreira como delegado federal.

Eis que, nessa miríade de leituras anômalas, surgem vozes como a do presidente do Supremo Tribunal Federal para falar de controles. Sobre essas falas supremas, urge trazer ao contraponto alguns diplomas legais de contornos de mar imenso onde qualquer jurista pode navegar. Não sem antes consignar que, pela Constituição Federal, o controle externo da Polícia Federal é feito pelo Ministério Público Federal. O que iremos criar? O controle do controlador? Se o Parquet faz bem ou mal esse trabalho, gostando ou não os policiais federais, gostando ou não o STF, ele já existe.

Sem prejuízo daquele dispositivo constitucional, não custa lembrar que policiais federais estão sujeitos ao Código Penal e seria demasiado longo tentar esgotar aqui as possibilidades de enquadramento de seus eventuais atos ilegais. Não configurariam as normas ali contidas, abstratamente consideradas um fator preventivo de controle?

Sem prejuízo da questão pena, as amarras contidas na Lei 4898/65, sobre abuso de autoridade, sinalizam com o mesmo raciocínio, já que os policiais podem sofrer penas severas pelos seus atos. Da mesma forma, a 4878/65, artigo 43, trata das penalidades que podem ser aplicadas aos policiais federais, inclusive a de demissão. De qualquer forma, sem embargo, eventuais lacunas daquela norma específicas, os servidores públicos federais, como um todo, são alcançados pela Lei 8112/90, que versa sobre servidores civis em geral.

É de se concluir, como corolário natural dos dispositivos até o momento citados, que são incontáveis as formas de controles existentes. Parece fartamente claro que aos freios implícitos ou explícitos naqueles diplomas legais, isolada ou cumulativamente, se afiguram sinais inibidores de abusos. Noutras palavras, correspondem, em última instância, a mecanismos de controles.

Dentro da amplitude dos tais controles, não custa anotar a subsidiariedade aplicável, decorrente, por exemplo, da Lei 9.784/90, que regula processos administrativo em geral, que prevê até sanções pecuniárias. Com idêntica ênfase, urge citar o Decreto Lei 200/67 que estabelece controle das atividades da administração pública em geral.


Trata-se de normas que tentam frear não apenas a autoridade policial, mas também outras autoridades que eventualmente as comandem. Controles aos quais estão sujeitos e tornam todos os servidores investigáveis pela Corregedoria da Polícia Federal, acima de quem está o Ministério da Justiça. Não só, por força da Lei 10.683/2003, a Controladoria Geral da União também inspeciona o trabalho da Polícia Federal, inclusive aquele feito pela Corregedoria Nacional da PF.

Sem embargo, da vasta cobertura legal que abrange o tema, dentro de um Estado Democrático e de Direito, qualquer ato é passível da apreciação judicial, muito embora, no Brasil, alguns atos são apreciados com mais agilidade que outros, sem que haja nisso qualquer alusão aos Habeas Corpus impetrados em favor de Daniel Dantas.

Frente a isso, em meio a esse comboio de leis, o ativismo judicial já restringiu ações policiais, como buscas, uso de algemas, interceptações telefônicas, estas últimas reduzidas a prazos incapazes de permitir a instrução de uma mera sindicância, quanto mais para obter dados que possibilitem a retirar o país do vergonhoso quadro internacional da impunidade.

Nesse sentido, a fala do presidente do Supremo, fazendo coro ao escarcéu patrocinado pela imprensa, nos leva à indagação: Querem criar mais o quê? Algum órgão que impeça, definitivamente, a polícia de investigar? “Dantesco”, não?

Longe do autor, também conduzido por fatos divulgados pela imprensa, se permitir ser julgado como defensor de investigações ilegais. Mas soa evidente que qualquer pecadilho do delegado Protógenes Queiroz, ainda que venha a ser provado, ganha ares de crime de bagatela ou até de absoluta impropriedade do objeto, de atos reparatórios, quando analisado sob a plêiade do dantesco episódio da Operação Satiagraha. Obviamente, pecadilhos do Protógenes podem viciar o resultado final, o que serve de alerta para vícios da corporação que tenham sobrevivido aos novos tempos.

Urge por final reafirmar: os controles já existem e a curta inteligência do autor não permite conceber a criação da figura do controlador dos controladores, até que a moral vigente decida que essa nova figura precise de um controle sabe-se lá de quem. Curta é também a inteligência do autor, para imaginar e aceitar que, numa Nação que se propõe ser séria, um cidadão vá a julgamento político numa Comissão Parlamentar de Inquérito, sob a nítida influência do sensacionalismo da imprensa brasileira, sabe-se lá movida por qual sentimento.

Diante de tais evidências, a sociedade brasileira se avizinha ao juízo de valor do arcebispo de Olinda e Recife, que excomungou os médicos e perdoou um estuprador pedófilo, em recente episódio veiculado em cadeia nacional.

Um Estado Democrático e de Direito se faz com uma imprensa séria, livre, mas, sobretudo, com leitura justas e isentas de fatos que, a cada vez noticiados, mostram os pilares que sustentam a esquálida democracia vigente no Brasil.

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