Presença obrigatória

Falta de sustentação anula julgamento

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11 de março de 2009, 18h54

U.Dettmar/STF
Celso de Mello - U.Dettmar/SCO/STFSe o defensor for impedido de fazer a sustentação oral porque não houve intimação pessoal, o julgamento deve ser anulado. A tese é do ministro Celso de Mello, do Supremo Tribunal Federal, que suspendeu liminarmente a execução da pena de um réu porque seu advogado não estava presente no julgamento de apelação.

O ministro concedeu pedido liminar em Habeas Corpus porque, no julgamento de um recurso do Ministério Público do Pará, os desembargadores do Tribunal de Justiça do estado esqueceram de intimar o defensor do réu, que no caso era dativo. Com isso, ele não pôde fazer a sustentação oral, que, segundo Celso de Mello, compõe o estatuto constitucional do direito de defesa.

“A injusta frustração desse direito, por falta de intimação pessoal do Defensor Público para a sessão de julgamento de apelação criminal, afeta, em sua própria substância, o princípio constitucional da amplitude de defesa. O cerceamento do exercício dessa prerrogativa — que constitui uma das projeções concretizadoras do direito de defesa — enseja, quando configurado, a própria invalidação do julgamento realizado pelo Tribunal, em função da carga irrecusável de prejuízo que lhe é ínsita”, afirmou o ministro, em decisão tomada nesta quarta-feira (11/3).

Com base em precedentes do próprio STF e do Superior Tribunal de Justiça, Celso de Mello revela que só a falta de intimação do advogado anularia o julgamento. “O próprio ordenamento positivo brasileiro torna imprescindível a intimação pessoal do defensor nomeado dativamente”, argumentou o ministro, citando o parágrafo 4ª, do artigo 370 do Código do Processo Penal, que trata sobre a intimação tanto da defesa quanto da acusação.

Como precedente no Supremo, Celso de Mello lembrou os Habeas Corpus 81.342, do relator Nelson Jobim, e 83.847, do relator Joaquim Barbosa. “A ratio subjacente à necessidade de intimação pessoal do advogado dativo ou, como na espécie, do Defensor Público objetiva viabilizar o exercício, pelo réu, do seu direito à plenitude de defesa, cujo alcance concreto abrange, dentre outras inúmeras prerrogativas, o direito de sustentar, oralmente, as razões de seu pleito, inclusive perante os Tribunais em geral”, explica o ministro.

“Todos os fundamentos que venho de expor conferem, a meu juízo, densa plausibilidade jurídica à pretensão cautelar ora deduzida pela parte impetrante”, completa Celso de Mello. Como a execução de pena foi suspensa, o réu deve ser colocado em liberdade, ordena o ministro.

Foto: U.Dettmar/STF

Leia a decisão

MED. CAUT. EM HABEAS CORPUS 97.797-9 PARÁ

RELATOR : MIN. CELSO DE MELLO

PACIENTE(S) : IVON GLEIDSTON SILVA NUNES

IMPETRANTE(S) : CÉSAR RAMOS DA COSTA

COATOR(A/S)(ES) : SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

EMENTA: “HABEAS CORPUS”. DEFENSOR PÚBLICO QUE FOI INJUSTAMENTE IMPEDIDO DE FAZER SUSTENTAÇÃO ORAL, POR AUSÊNCIA DE INTIMAÇÃO PESSOAL QUANTO À DATA DA SESSÃO DE JULGAMENTO DA APELAÇÃO CRIMINAL INTERPOSTA PELO MINISTÉRIO PÚBLICO ESTADUAL. CONFIGURAÇÃO DE OFENSA À GARANTIA CONSTITUCIONAL DA AMPLA DEFESA. NULIDADE DO JULGAMENTO. A INTIMAÇÃO PESSOAL COMO PRERROGATIVA PROCESSUAL DO DEFENSOR PÚBLICO ESTADUAL (LC 80/94, ART. 128, I). LIMINAR DEFERIDA.

A sustentação oral que traduz prerrogativa jurídica de essencial importância – compõe o estatuto constitucional do direito de defesa. A injusta frustração desse direito, por falta de intimação pessoal do Defensor Público para a sessão de julgamento de apelação criminal, afeta, em sua própria substância, o princípio constitucional da amplitude de defesa. O cerceamento do exercício dessa prerrogativa – que constitui uma das projeções concretizadoras do direito de defesa –enseja, quando configurado, a própria invalidação do julgamento realizado pelo Tribunal, em função da carga irrecusável de prejuízo que lhe é ínsita. Precedentes do STF.


 

DECISÃO: Trata-se de habeas corpus”, com pedido de medida liminar, impetrado contra decisão, que, emanada da Quinta Turma do E. Superior Tribunal de Justiça, restou consubstanciada em acórdão assim ementado (Apenso, fls. 19):

HABEAS CORPUS’. PROCESSUAL PENAL. CRIME DE HOMICÍDIO QUALIFICADO. ABSOLVIÇÃO EM PRIMEIRO GRAU. APELAÇÃO DA ACUSAÇÃO. PROVIMENTO. SESSÃO DE JULGAMENTO REALIZADA SEM A INTIMAÇÃO PESSOAL DO DEFENSOR PÚBLICO. CERCEAMENTO DE DEFESA. INSURGÊNCIA DEDUZIDA MAIS DE QUATRO ANOS DEPOIS. IRREGULARIDADE CONVALIDADA. AUSÊNCIA DE PREJUÍZO. PRECEDENTES DO STJ E DO STF.

 

1. Muito embora esta Corte tenha, de fato, o entendimento de que a falta de intimação pessoal da Defensoria Pública da data do julgamento do recurso de apelação implica nulidade processual, porquanto mitiga o direito de defesa do réu, a hipótese em tela sugere outra perspectiva, que, de igual modo, encontra guarida na jurisprudência desta Corte.

 

2. O Defensor Público, mesmo não tendo sido intimado pessoalmente da respectiva sessão de julgamento, mas tão- -somente por meio de publicação no Diário de Justiça, tomou ciência do acórdão prolatado e deixou transcorrer ‘in albis’ o prazo para a interposição de recurso.

 

3. Agora, mais de quatro anos depois, quer ver a anulação do julgamento do recurso de apelação, que determinou a submissão do ora Paciente a novo julgamento pelo Tribunal do Júri. Todavia, esta Corte e o Excelso Pretório, em hipóteses análogas, têm se manifestado no sentido de considerar convalidada a nulidade diante da inércia da defesa.

 

4. Ordem denegada.

(HC 108.627/PA, Rel. Min. LAURITA VAZ – grifei)

Alega-se, na presente sede processual, que o E. Tribunal de Justiça do Estado do Pará não poderia ter julgado, sem a prévia intimação pessoal da Defensoria Pública do Estado do Pará, o recurso de apelação interposto pelo Ministério Público estadual.

Busca-se, pois, nesta impetração, a concessão de ordem, “para decretar a nulidade do julgamento da apelação interposta pelo Ministério Público contra a decisão popular que absolveu o Paciente, bem como de todos os atos subseqüentes (acórdão, certidão de trânsito em julgado, 2º julgamento popular, etc.), devido à falta de intimação válida da Defensoria Pública para comparecer a sessão de julgamento desse recurso ministerial, determinando que a outro se proceda, desta feita promovendo-se a intimação pessoal desse Órgão de assistência judiciária” (fls. 08 – grifei).

Entendo que se mostra densa a plausibilidade jurídica da pretensão cautelar ora deduzida, seja examinando-se a postulação quanto à necessidade de intimação pessoal do Defensor Público, seja quanto à essencialidade do direito de fazer sustentação oral perante os Tribunais nas hipóteses previstas na legislação processual ou nos regimentos internos das Cortes judiciárias.

 

Cumpre rememorar, desde logo, quanto ao primeiro fundamento desta impetração, que o próprio ordenamento positivo brasileiro torna imprescindível a intimação pessoal do defensor nomeado dativamente (CPP, art. 370, § 4º, na redação dada pela Lei nº 9.271/96) e reafirma a indispensabilidade da pessoal intimação dos Defensores Públicos em geral (LC nº 80/94, art. 44, I; art. 89, I, e art. 128, I), inclusive dos Defensores Públicos dos Estados-membros (LC nº 80/94, art. 128, I; Lei nº 1.060/50, art. 5º, § 5º, na redação dada pela Lei nº 7.871/89).


A exigência de intimação pessoal do Defensor Público e do Advogado dativo, notadamente em sede de persecução penal (HC 82.315/SP, Rel. Min. ELLEN GRACIE), atende a uma imposição que deriva do próprio texto da Constituição da República, no ponto em que o nosso estatuto fundamental estabelece, em favor de qualquer acusado, o direito à plenitude de defesa, em procedimento estatal que respeite as prerrogativas decorrentes da cláusula constitucional do “due process of law”.

É por tal razão que ambas as Turmas do Supremo Tribunal Federal reconhecem que a falta de intimação pessoal, nas hipóteses legais referidas, qualifica-se como causa geradora de nulidade processual absoluta (HC 81.342/SP, Rel. Min. NELSON JOBIM – HC 83.847/PE, Rel. Min. JOAQUIM BARBOSA – RHC 85.443/SP, Rel. Min. SEPÚLVEDA PERTENCE, v.g.):

HABEAS CORPUS’. PROCESSUAL PENAL. FALTA DE INTIMAÇÃO PESSOAL DE DEFENSOR PÚBLICO. NULIDADE ABSOLUTA. PRECEDENTES. DESNECESSIDADE DE COMPROVAÇÃO DO EFETIVO PREJUÍZO. PRECEDENTES. ACÓRDÃO ANULADO PARA QUE OUTRO SEJA PROLATADO. ORDEM CONCEDIDA.

 

1. O art. 5º, § 5º, da Lei 1.060/50 prevê a necessidade de intimação pessoal do Defensor Público de todos os atos do processo, sem a qual, acarreta nulidade do acórdão prolatado.

 

2. A jurisprudência deste Supremo Tribunal é firme no sentido de que é desnecessária a comprovação do efetivo prejuízo para que tal nulidade seja declarada.

 

3. Ordem concedida, para que, após a regular intimação do defensor público, proceda-se a novo julgamento.” (HC 89.190/MS, Rel. Min. CÁRMEN LÚCIA – grifei)

AÇÃO PENAL. Defensor público. Defensoria pública do Estado. Assistência judiciária. Sentença condenatória confirmada em grau de apelação. Recurso especial não admitido. Intimação pessoal do procurador. Não realização. Intimação recebida por pessoa contratada para prestar serviços à Defensoria. Agravo de instrumento não conhecido. Prazo recursal que, todavia, não se iniciou. Nulidade processual reconhecida. HC concedido. Ofensa ao art. 5°, § 5°, da Lei n° 1.060/50, e art. 128, I, da Lei Complementar n° 80/94, e art. 370, § 4º, do Código de Processo Penal. Precedentes. É nulo o processo penal desde a intimação do réu que não se fez na pessoa do defensor público que o assiste na causa.” (HC 85.946/MG, Rel. Min. CEZAR PELUSO – grifei)

Não constitui demasia registrar, por isso mesmo, que a sustentação oral, por parte de qualquer réu, compõe, segundo entendo, o estatuto constitucional do direito de defesa (HC 94.016/SP, Rel. Min. CELSO DE MELLO, v.g.).

A sustentação oral, notadamente em sede processual penal, qualifica-se como um dos momentos essenciais da defesa. Na realidade, tenho para mim que o ato de sustentação oral compõe, como já referido, o estatuto constitucional do direito de defesa, de tal modo que a indevida supressão dessa prerrogativa jurídica (ou injusto obstáculo a ela oposto) pode afetar, gravemente, um dos direitos básicos de que o acusado – qualquer acusado – é titular, por efeito de expressa determinação constitucional.

Esse entendimento apóia-se em diversos julgamentos proferidos por esta Suprema Corte (RTJ 140/926, Rel. Min. SEPÚLVEDA PERTENCE – RTJ 176/1142, Rel. Min. CELSO DE MELLO – HC 67.556/MG, Rel. Min. PAULO BROSSARD – HC 76.275/MT, Rel. Min. NÉRI DA SILVEIRA, v.g.), valendo referir, na linha dessa orientação, decisão consubstanciada em acórdão assim ementado:


(…) A sustentação oral constitui ato essencial à defesa. A injusta frustração desse direito afeta, em sua própria substância, o princípio constitucional da amplitude de defesa. O cerceamento do exercício dessa prerrogativa – que constitui uma das projeções concretizadoras do direito de defesa -, quando configurado, enseja a própria invalidação do julgamento realizado pelo Tribunal, em função da carga irrecusável de prejuízo que lhe é ínsita. Precedentes do STF.” (RTJ 177/1231, Rel. Min. CELSO DE MELLO)

No caso, o exame dos autos revela que a inclusão em pauta da apelação criminal interposta pelo Ministério Público estadual não constituiu objeto da necessária intimação pessoal do Defensor Público que dava patrocínio técnico ao ora paciente, o que frustrou, injustamente, o exercício, por ele, do direito de sustentar oralmente, por intermédio de seu defensor, perante o E. Tribunal de Justiça do Pará, as contra-razões ao recurso interposto pelo Ministério Público estadual.

Sendo assim, em juízo de estrita delibação, sem prejuízo de ulterior reexame da questão suscitada nesta sede processual, e considerando, ainda, decisão por mim proferida em causa virtualmente idêntica à ora em exame (HC 96.958-MC/SP, Rel. Min. CELSO DE MELLO), defiro o pedido de medida liminar, em ordem a suspender, cautelarmente, a execução da pena de reclusão imposta ao ora paciente nos autos do Processo-crime nº 1996.2.009506-2 (3ª Vara do Tribunal do Júri da comarca de Belém/PA, antiga 15ª Vara Penal da comarca de Belém/PA), expedindo-se, em conseqüência, o pertinente alvará de soltura em favor desse mesmo paciente, se por al não estiver preso.

Comunique-se, com urgência, transmitindo-se cópia da presente decisão ao E. Superior Tribunal de Justiça (HC 108.627/PA), ao E. Tribunal de Justiça do Estado do Pará (Apelação Penal nº 2005.3.007102-2 e Apelação Penal nº 2003305089-2) e ao MM. Juiz de Direito da 3ª Vara do Tribunal do Júri da comarca de Belém/PA, antiga 15ª Vara Penal da comarca de Belém/PA (Processo-crime nº 1996.2.009506-2).

Publique-se.

Brasília, 11 de março de 2009.

Ministro CELSO DE MELLO

Relator

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