Denúncia vazia

Não há provas de que Zulmar Pimentel vazou Navalha

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10 de março de 2009, 15h48

Acusado em maio de 2007 de ter vazado informações sobre a Operação Navalha, ação policial que desbaratou fraudes de um grupo de empresários em contratos com órgãos do governo, o delegado federal Zulmar Pimentel perdeu o cargo de diretor executivo do Departamento de Polícia Federal (DPF), foi denunciado no Superior Tribunal de Justiça, ficou afastado do serviço por 60 dias e viveu um longo período de ostracismo.

Quase dois anos depois, no final de fevereiro deste ano, ele voltou a ocupar um cargo de confiança no governo: foi nomeado corregedor do Departamento Penitenciário Nacional (Depen). O caso de Pimentel continua no STJ. O Plenário até hoje não apreciou o Inquérito 561/BA para decidir contra quais dos 28 acusados irá instaurar Ação Penal. Ele também não recuperou por completo o status quo dentro do DPF. Com a queda de Paulo Lacerda da direção geral da PF e a ascensão de Luiz Fernando Corrêa, os velhos delegados deram vez à turma que freqüentou a Academia de Polícia com o novo diretor, em meados dos anos 90. Pimentel estava encostado na Interpol.

Mesmo ainda correndo o risco de ver a denúncia transformar-se em Ação Penal, o delegado já tem um trunfo a seu favor. O Processo Disciplinar Administrativo (PAD 13/2007) a que respondeu foi arquivado após inocentá-lo das acusações e responsabilizar os delegados federais delegados Andrea Tsuruta e Antônio de Pádua Vieira Cavalcanti, da Diretoria de Inteligência Policial (DIP), pelo envolvimento indevido do seu nome nas acusações — Clique aqui para ler o relatório. Mais do que isto, no PAD ficou demonstrado que seu afastamento do cargo e do serviço foi pedido com base em um documento que não se encontra no processo e nem dizia respeito a ele.

Troca de culpa

Os dois delegados foram responsabilizados por terem provocado o afastamento judicial de Pimentel ao representarem ao Ministério Público Federal “valendo-se de interpretação dedutivo-indiciária e conferindo força de prova às suas deduções”, como concluiu a comissão do PAD. A proposta da comissão de investigar os dois foi recusada no Parecer 586/2007 — clique aqui para ler — assinado pelo delegado Tony Gean Barbosa de Castro, que analisou o trabalho da Comissão responsável pelo processo administrativo, mas contou com o respaldo da coordenadora disciplinar da Corregedoria, delegada Silvana Helena Vieira Borges.

Foi Silvana também quem sugeriu que fossem remetidas à Corregedoria do MPF “cópia das peças dos autos que atestam a conduta imprevidente e precipitada das procuradoras da República Lindôra Maria Araújo e Célia Regina Souza Delgado, as quais, sem exame meticuloso das provas, moveram a máquina judicial no sentido de determinar a suspensão preventiva do servidor Zulmar Pimentel dos Santos”. As propostas de processo administrativo contra os delegados e remessa de peças à Corregedoria do MPF foram endossadas pelo então corregedor, José Ivan Guimarães Lobato, e referendadas pelo então diretor geral em exercício, Romero Luciano Lucena de Menezes.

Os delegados Tsuruta e Cavalcanti foram incluídos, por meio de um aditamento, no Processo Disciplinar aberto pela Corregedoria após manifestação do juiz substituto da 2ª Vara Criminal da Bahia, Durval Carneiro Neto. A representação do juiz foi contra os delegados chefes da DIP, Renato Halfen da Porciúncula e Emanuel Henrique Balduíno de Oliveira, acusados pelo magistrado de cometerem irregularidades nas investigações que resultaram na Operação Navalha. Carneiro Neto também foi acusado, pelos policiais federais, de ter vazado informações da operação. Ele chegou a responder sindicância junto à Corregedoria do Tribunal Regional Federal, que o inocentou. Depois, disto, representou contra os delegados.

Em conseqüência, foi aberto um Processo Disciplinar contra Porciúncula e Balduíno de Oliveira. Foi neste PAD que o aditamento incluiu os delegados Tsuruta e Cavalcanti. Estes dois, porém, recorreram à 14ª Vara Federal de Brasília e conseguiram com o juiz Jamil Rosa de Jesus Oliveira liminar em Mandado de Segurança suspendendo a apuração.

Cabeça das operações


Porciúncula, vale lembrar, era diretor de inteligência do DPF indicado para o cargo pelo próprio Pimentel. Foi Pimentel também quem introduziu no DPF a prática das grandes operações. Era ele quem montava e dava suporte aos policiais encarregados das investigações. Já a DIP aparecia menos, normalmente fazendo o trabalho inicial. Com o tempo, seus agentes e delegados passaram a assumir casos mais complicados, em especial os da chamada contra-inteligência, que eram investigações de crimes cometidos por policiais federais.

O mais famoso deles foi a Operação Hurricane, que além de envolver policiais federais do Rio, atingiu o ministro do STJ Paulo Medina, os desembargadores federais do Rio José Ricardo Regueira (já falecido) e José Eduardo Carreira Alvim, o juiz do TRT de Campinas Ernesto da Luz Pinto Dórea e o procurador-regional da República João Sérgio Leal Pereira. A operação foi toda feita sob o comando de um delegado da contra-inteligência da DIP. Depois de deflagrada, quem apareceu no Fantástico da TV Globo dando entrevista foi o delegado Balduíno de Oliveira.

Viagem vazada

Com o surgimento no noticiário da possibilidade de Paulo Lacerda deixar a direção geral do DPF, prontamente surgiram dois candidatos à sua vaga: os delegados Pimentel e Porciúncula. Foi dentro deste contexto de uma possível disputa, ainda que debaixo dos panos, pela sucessão que surgiu a denuncia contra Pimentel.

Ele foi acusado de vazar para o superintendente do DPF no Ceará, delegado João Batista Paiva, em março de 2006, a Operação Navalha, que tinha naquele superintendente um dos investigados. Pimentel, então como diretor executivo do DPF, sempre alegou que foi à Fortaleza seguindo recomendações expressas de Lacerda para comunicar ao superintendente que ele estava sendo exonerado. Naquela administração, aboliu-se o hábito de dispensar servidor do cargo comissionado pelo telefone. O motivo da substituição foi apresentado como troca de rotina.

Esta viagem foi o suficiente para que Pimentel passasse a ser acusado pelos delegados da DIP de ter vazado a operação para um dos investigados. Nos grampos que estavam sendo feitos com autorização judicial, surgiu o próprio delegado Paiva em conversa com o delegado aposentado Marco Antônio Mendes Cavaleiro queixando-se de que Pimentel o havia comunicado do afastamento, mas não o havia explicado o motivo.

Em momento algum foi captada qualquer conversa provando que Pimentel havia relatado a investigação ao então superintendente ou qualquer outra pessoa. Pelo contrário: os áudios gravados todos demonstravam Paiva tentando descobrir os motivos de sua demissão. Ao ser ouvida pela Comissão de Processo Disciplinar, a delegada Tsuruta admitiu: “A Divisão de Contra Inteligência/DIP possui uma doutrina e uma rotina de trabalho em que as análises dos eventos, fatos criminosos e típicos são feitos dentro de uma análise lógica e dedutiva e cronológica dos acontecimentos” Ela também esclarece “que os áudios registrando conversas entre o acusado e o DPF João Batista, ou outra pessoa, relatando o teor da investigação não foram registrados” e “desconhece que exista”.

O relatório da comissão continua: “Embora tenha afirmado que o acusado Zulmar Pimentel pessoalmente disse ao DPF João Batista que estaria sendo investigado, culminando inclusive com o seu pedido de aposentadoria, [Tsuruta] afirma ter chegado a esta conclusão por meio do conjunto de fatos relacionados do documento de fls.135. A sequência dos fatos narrados no evento demonstrou que o objetivo era informar a existência de investigação sobre o DPF João Batista”.

Relatório desaparecido

No relatório da Comissão do Processo Administrativo consta que a subprocuradora Lindôra Maria Araujo — uma das que representaram pelo afastamento do diretor executivo — explicou ter pedido este afastamento com base em um relatório da Polícia Federal, feito em 24 de maio de 2007 na véspera do pedido de afastamento.

Segundo ela, este relatório “continha informações de que estariam sendo destruídas provas que se encontravam em três notebooks” e isto foi que a fez incluir o pedido de afastamento na representação que já estava elaborando sobre a Operação Navalha.


Diz o relatório da Comissão de Processo Disciplinar em sua página 523: “A subprocuradora não conseguiu localizar cópia do referido relatório de 24/5/2007, o qual também não consta do processo recebido no STJ, embora tenha sido como disse a própria subprocurador a peça que causara o afastamento funcional do acusado. Disse não recordar se o relatório fora recebido por fac-símile, e-mail ou correio, lembrando que na ocasião do recebimento encontrava-se no Superior Tribunal de Justiça e, ainda disse que não se recorda o nome do signatário do documento, mas que tinha certeza de que lhe fora enviado pela Polícia Federal”.

No seu depoimento à Comissão, o delegado Balduíno de Oliveira admitiu que o tal relatório citado pela subprocuradora como peça na qual ela embasou o pedido de afastamento do delegado tinha informações enviadas pelo delegado federal baiano Rony José da Silva, responsável pelo trabalho de inteligência na base da Polícia Federal em Salvador. Já Rony Silva esclareceu que o documento, na verdade, era um memorando dirigido ao superintende do DPF na Bahia, César Nunes, relatando questões das investigações, mas que sequer citava nome do delegado Pimentel. Segundo ele, jamais solicitou que tal memorando fosse enviado à DIP em Brasília e menos ainda para a Procuradoria da República.

Consta do relatório do PAD os esclarecimentos prestados por Rony como testemunha. “Após a deflagração da Operação Navalha e a divulgação no blog do jornalista Paulo Henrique Amorim, de um relatório interno da Divisão de Contra-Inteligência/DIP/DPF, foram convocado para uma reunião no gabinete da SR/DPF/BA, com o então superintendente regional DPF César Nunes, e o chefe do NIP/SR/BA delegado Grimaldo Marques e o delegado Fernando Berbet para discutir fatos relacionados com as Operações Navalha e Octopus”.

Ainda segundo o relatório, “aquela reunião buscava identificar o responsável pela divulgação do documento sigiloso da Divisão de Contra-Inteligência, na internet, tendo o depoente, naquela oportunidade, atendendo determinação do DPF César Nunes, entregue ao mesmo um notebook que o depoente utilizava e que continha informações da Operação Octopus registradas no HD, para que comprovasse que o documento divulgado pela imprensa não constava da memória do equipamento entregue. Continuou afirmando haver alertado ao superintendente César Nunes que não deveria ficar com a guarda do mesmo e entregou o aludido equipamento ao chefe do NIP/SR/BA, delegado Grimaldo Marques. Alegou que a reunião fora tensa e que sentira-se ofendido com o tratamento que lhe fora dispensado pelo DPF César Nunes que o acusou pelo vazamento do relatório para o blog, na presença de outros servidores”.

O relatório afirma “que, em razão do sigilo que pairava sobre a Operação Octopus, para resguarda-se de possíveis implicações, elaborou um memorando, fls. 477/478, endereçado ao superintendente César Nunes e com cópia ao DPF Grimaldo Marques. Esclareceu que em tal memorando não constava o nome do acusado Zulmar Pimentel dos Santos e afirmou categoricamente que não solicitou que o memorando fosse encaminhado para a DIP/DPF. Ou para as subprocuradoras — Dras. Lindôra ou e Regina Célia ou para qualquer outra pessoa além das duas a quem endereçado o memorando”.

Foi, portanto, com base em um documento que desapareceu dos autos que o delegado Pimentel, após ser acusado de vazamento de informações foi afastado do cargo de diretor executivo do DPF, no qual ele constantemente substituía o diretor geral.

Em depoimento à Comissão, Pimentel deu uma informação que invalidava a suspeita sobre a sua pessoa. Segundo ele, “não poderia haver participado ao DPF João Batista que o mesmo estivesse sobre investigação até porque não tinha conhecimento de que tal pessoa fosse alvo de investigação, uma vez que o documento produzido a respeito e difundido ao diretor geral e ao diretor de Inteligência jamais fora difundido ao interrogando, embora na condição de supervisor da Operação Octopus (outra operação em curso na Bahia naquela época) tivesse conhecimento de alguns diálogos telefônicos que o DPF João Batista, como interlocutor, tivera com o alvo daquela investigação, mas que haviam sido repassadas para a Diretoria de Inteligência Policial/DPF para as providências, uma vez que João Batista não era alvo da Operação Octopus”.

Ele afirma que só foi saber que o superintendente do Ceará estava sendo investigado quando Porciúncula foi ao seu gabinete e narrou: “o Cavaleiro caiu no grampo do João Batista, concluindo que João Batista estava monitorado pela DIP/DPF e que o diálogo mantido entre João Batista e o delegado aposentado Cavaleiro fora captado pela DIP/DPF”. O próprio Porciúncula admitiu a Pimentel neste diálogo ter ligado para Cavaleiro e o chamado de “muito bocão”.

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