Comando maranhense

TSE cassa mandato do governador Jackson Lago

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4 de março de 2009, 1h50

O Tribunal Superior Eleitoral cassou, já na madrugada desta quarta-feira (4/3), o mandato do governador do Maranhão, Jackson Lago (PDT), e de seu vice, Luís Carlos Porto (PPS). Por cinco votos a dois, decidiu-se que ficou comprovado abuso de poder político em benefício de Jackson Lago nas eleições. Contudo, o governador não precisa deixar o cargo imediatamente.

A Corte eleitoral decidiu só determinar a execução da decisão quando se esgotarem os recursos possíveis à defesa de Lago. Só então a segunda colocada nas eleições de 2006, Roseana Sarney (PMDB), deve assumir o governo. Ficaram vencidos, neste ponto, os ministros Eros Grau e Felix Fischer, que votaram pela posse imediata de Roseana.

O relator do recurso, ministro Eros Grau, afastou a aplicação do artigo 224 do Código Eleitoral para determinar a diplomação de Roseana. O dispositivo estabelece que “se a nulidade atingir a mais de metade dos votos do país nas eleições presidenciais, do Estado nas eleições federais e estaduais ou do município nas eleições municipais, julgar-se-ão prejudicadas as demais votações e o Tribunal marcará dia para nova eleição dentro do prazo de 20 (vinte) a 40 (quarenta) dias”.

Para o Eros, a regra não deve ser aplicada ao caso. Ele acolheu parecer do Ministério Público neste ponto. O parecer do MP foi no sentido de que, “reconhecida a conduta vedada, há de ser diplomada a candidata Roseana Sarney, que perdeu a eleição apenas em segundo turno, por pequena margem de votos”.

Pesava contra o governador uma série de acusações de irregularidades partidas do fato de o governo do Maranhão ter firmado 1.817 convênios com municípios e liberado, por meio deles, R$ 806 milhões em ano eleitora. Em parte dos eventos em que os convênios foram fechados, o então governador José Reinaldo Tavares (PSB) estava acompanhado de Lago e Edson Vidigal, candidatos de oposição a Roseana.

O que determinou a cassação do mandato do governador foram dois episódios específicos ocorridos no interior do estado. A maior parte dos ministros entendeu que houve compra de votos na cidade de Imperatriz e abuso de poder político na cidade de Codó. 

O julgamento teve de ser retomado desde o início porque o ministro Joaquim Barbosa se declarou impedido de julgá-lo, o que atrasou consideravelmente seu desfecho. O relator teve de ler novamente seu relatório e voto e os advogados falaram de novo por 80 minutos — 40 minutos para cada parte.

Mas não se viram os mesmos argumentos. Os advogados e ministros inovaram. O julgamento teve direito a tira-teima em telão e participação de um novo advogado de peso no caso: Sepúlveda Pertence, ex-ministro do Supremo e ex-procurador-geral da República do governo de José Sarney. Pertence falou pela coligação Maranhão: A Força do Povo, que apoiou Roseana nas eleições de 2006, ao lado dos advogados Heli Lopes Dourado, Marcus Vinicius Furtado Coelho. Pertence entrou no caso nas últimas semanas.

Em favor da coligação Frente de Libertação do Maranhão, de Jackson Lago, falaram José Eduardo Alckmin, Daniel de Faria Leite e Francisco Rezek. A tese de abuso de poder econômico defendida pelos advogados de Roseana foi encampada pelo Ministério Público.

Tira-teima

O relator, ministro Eros Grau, inovou no julgamento. Separou trechos de filmes da assinatura de convênios para embasar seu voto em favor da cassação de Jackson Lago. Depois de analisarem e rejeitarem todas as preliminares levantadas pela defesa de Lago, os ministros assistiram um verdadeiro tira-teima. Em um telão, por dez minutos, foram exibidos trechos de um DVD que mostrou a assinatura de um convênio na cidade de Codó, interior maranhense. No filme, o governador José Reinaldo Tavares — acompanhado de Lago e Vidigal — pede que não se vote na família Sarney, depois de liberar R$ 1 milhão para investimentos no município.

Para Eros, o abuso de poder político ficou claro. Assim como a captação ilícita de votos. Ele citou, por exemplo, o caso de um cidadão preso, no dia do primeiro turno das eleições, na cidade de Imperatriz, com R$ 17 mil em dinheiro, santinhos de Jackson Lago e tabelas manuscritas com valores a serem pagos por trabalho de boca de urna e por votos. O preso era motorista de um vereador da base de apoio de Lago. Eros também considerou o testemunho de pessoas que disseram ter vendido o voto por R$ 100.


O ministro ressaltou que a cassação do mandato por compra de votos não depende da participação direta do eleito. Eros Grau também afirmou que a compra de apoio de liderança política caracteriza captação de sufrágio, tanto quanto a compra de votos diretos de eleitores. Ainda de acordo com o relator, não importa se a compra de votos surtiu o efeito desejado. Basta a compra para que a ilegalidade seja caracterizada. “É desnecessária a análise da potencialidade da conduta para influir nas eleições”, disse.

Apesar de afastar a maioria das acusações corroboradas pelo relator, o ministro Ricardo Lewandowski também votou pela cassação. O ministro disse que não o impressionou, por exemplo, as declarações feitas pelos políticos no evento da cidade de Codó, transmitido em telão no plenário no TSE. “Tratou-se de ato comemorativo em que se fizeram manifestações típicas de eventos políticos. A divulgação de convênios e obras, por si só, não caracteriza ilícito eleitoral”, afirmou.

Para Lewandowski, contudo, é inconteste a irregularidade ocorrida em Imperatriz, onde o motorista foi preso com dinheiro e santinhos de Lago. O ministro também levou em consideração os depoimentos de eleitores que disseram ter vendido votos. “A captação ilícita de sufrágio independe da participação do candidato”, sustentou.

Lewandowski ressaltou, ainda, que o tribunal tem de levar em conta as declarações lavradas em cartório, que são escrituras públicas, de pessoas que disseram ter vendido seus votos para correligionários de Jackson Lago.

O ministro Felix Fischer também votou pela cassação, mas por outro motivo. Para ele, não há prova de compra de votos no caso de Imperatriz. Mas, no caso de Codó, segundo Fischer, ficou caracterizado abuso de poder político. “O governador participou de evento políticodando a entender  que a máquina administrativa trabalharia em favor de seu candidato”, afirmou. Assim, ficou caracterizado abuso de poder político. O ministro Fernando Gonçalves acompanhou o voto de Felix Fischer pela cassação.

Já os ministros Marcelo Ribeiro e Arnaldo Versiani rejeitaram o pedido de cassação. Para eles, não ficou comprovado abuso de poder político, nem compra de votos, em nenhum dos casos elencados pelos adversários de Jackson Lago. De acordo com Ribeiro, no evento em Codó ficou claro o uso da máquina administrativa em favor de candidatos de oposição a Roseana. Mas, como não se pode mensurar a influência do ato nas eleições, ele não serve para embasar a cassação. No caso de compra de votos em Imperatriz, Marcelo Ribeiro ressaltou que havia santinhos até do presidente Lula em poder do preso, não apenas de Jackson Lago.

O ministro Arnaldo Versiani também considerou que não é possível cassar o mandato sem mostrar que os fatos contaminaram a eleição. “É preciso que haja potencial lesivo, dimensão política para influir nas eleições”, sustentou. Os casos de Codó e Prodim (discurso de Jackson Lago na solenidade de lançamento do programa do governo de erradicação da pobreza, na cidade de Pinheiro), para Versiani, não seriam suficientes para influir nas eleições. Assim, não poderiam ensejar a cassação de Jackson Lago.

Não foi o que entendeu o presidente do TSE, Carlos Britto. O ministro votou pela cassação e decidiu que os atos praticados por José Reinaldo Tavares e Jackson Lago feriram o princípio constitucional da impessoalidade, além de configurar abuso do poder político. E fechou o placar em cinco votos a dois pela cassação — quatro a três pelo motivo de abuso de poder político.

“O princípio constitucional da impessoalidade foi violado. E quando alguém se predispõe, no poder, a usar a estrutura do poder, mais do que o seu prestígio, a serviço de uma candidatura, contamina a pureza do processo eleitoral e conspurca a vontade do eleitor”, disse Britto. Para o ministro, nestes casos, os desmandos e abusos sobrevêm naturalmente.


O presidente do TSE sustentou que houve celebração de convênio em palanque. “Se isso não caracteriza uma violação frontal do princípio da impessoalidade, eu não sei mais o que significa esse princípio”, disse Britto.

Duelo na tribuna

Os advogados garantiram grandes lances ao julgamento. Os dois ex-presidentes do Supremo Tribunal Federal, Pertence e Rezek, de lados opostos, não pouparam expressões fortes. Logo no começo de sua sustentação, Sepúlveda Pertence afirmou que não usaria o “tom panfletário que a parte contrária usou na tribuna”, na sessão de dezembro passado. Segundo ele, a tribuna não é uma “rinha de galos provincianos”, nem arena. “O relator demonstrou e enumerou 11 fatos. Cada um deles é suficiente para fundar um veredicto de cassação de mandato”, disse Pertence.

Francisco Rezek subiu à tribuna elogiando o procurador-geral da República, Antonio Fernando de Souza. “Não se imagina como é bom ver essa cadeira ocupada por Vossa Excelência e não por outrem”, disse. A defesa de Lago acusa o vice-procurador geral eleitoral, Francisco Xavier, de dar o parecer pela cassação do governador maranhense em tempo recorde e não se manifestar sobre um processo contra Roseana, que estaria em seu gabinete para parecer do Ministério Público.

Segundo Rezek, no início do parecer, o procurador Xavier já mostra a que veio: “Ele começa dizendo que cumpre mostrar no parecer o contrário do que alega a defesa”. Rezek afirmou, ainda, que quem acusa Lago tenta “vencer os juízes pela confusão e pelo cansaço”, já que os atos do candidato Jackson lago em 2006 não ultrapassaram os limites do que permite a lei eleitoral.

Antonio Fernando saiu em defesa de seu procurador: “Quem exerce essa cadeira, exerce sempre com dignidade. Estaria bem representado o Ministério Público Eleitoral com a presença do procurador Xavier”. O PGR endossou as acusações contra Lago. “Não há discurso retórico capaz de desmentir as palavras. Nunca se viu colocar a máquina estatal desse jeito em favor de uma candidatura”, afirmou.

Os advogados da coligação de Roseana apontaram que, só no ano de 2006, o governo do Maranhão firmou 1.817 convênios com municípios e liberou, por meio deles, R$ 806 milhões. “É a maior fraude eleitoral de que se tem notícia na história do Brasil”, disse Heli Lopes Dourado. Segundo o advogado, os convênios foram fraudulentos, usados para “levar estradas de povoados a lugar algum”. Por isso, disse Dourado, “a defesa pede de volta a devolução de um mandato surrupiado”.

Marcus Vinicius Furtado Coelho disse que o então governador do estado, José Reinaldo, “assinava os convênios e dizia que seus candidatos, Edson Vidigal ou Jackson Lago, fariam muito mais se fossem eleitos”. O advogado listou uma série de atos em que afirma que Lago estava junto com o governador para sustentar a compra de votos. De acordo com ele, não foram fechados convênios, mas “contratos eleitorais com dupla finalidade: angariar apoio político cooptando lideranças e desviar recursos diretamente para a campanha”.

Os defensores de Jackson Lago rebateram as acusações, em vão. Em referência a Pertence, o advogado José Eduardo Alckmin afirmou: “Nem mesmo o talento inegável de sua excelência foi capaz de esconder o que há de realidade nesses autos. A tentativa de, em exagero extremo, querer convencer essa corte de que a eleição no Maranhão foi marcada por abuso de poder econômico de um candidato que não tem poder econômico”. Alckmin disse ainda que o exagero é demonstrado quando a acusação diz que as eleições maranhenses custaram mais do que as eleições de Barack Obama nos Estados Unidos.

O advogado Daniel de Faria Leite frisou que uma das testemunhas que disse ter vendido o voto para Lago, voltou atrás em depoimento à Polícia Federal. “A testemunha disse, depois: ‘não vendi meu voto a Jackson. Vendi meu testemunho à coligação recorrente’”. Leite ressaltou que se acusa de abuso de poder alguém que não detém jornais ou concessões de televisão e rádio, como os adversários de Jackson Lago. “É por esse caminho que se comprometem as eleições.”

Francisco Rezek completou a defesa: “Não se discute no processo a cassação, mas sim a usurpação de mandato. Discute-se a possibilidade de cassá-lo e em seguida, numa bandeja, entregar o mesmíssimo mandato à parte perdedora”. Os argumentos de Rezek, contudo, não foram levados em conta. Os ministros entenderam, ao menos por enquanto, que o mandato, no Maranhão, é de Roseana Sarney. 

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