Às claras

Prova penal não pode ficar em segredo

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4 de março de 2009, 12h13

A prova penal, presente nos autos, não pertence a ninguém, mas integra o processo ou inquérito como acervo plenamente acessível a todos que sofram ato de persecução penal por parte do Estado, inclusive quando o inquérito ou processo é sigiloso. O sigilo, aliás, é exceção no Estado Democrático de Direito porque a Constituição Federal não admite o oculto, o segredo e o mistério.

Foi com esse entendimento que o ministro Celso de Mello, do Supremo Tribunal Federal, aceitou converter em Súmula Vinculante a proposta da OAB que deixa claro o direito dos advogados e da Defensoria Pública a terem acesso a provas documentadas levantadas em inquéritos policiais, mesmo que ainda em andamento.

O enunciado aprovado no dia 2 de fevereiro, por oito votos a dois, é o seguinte: “É direito do defensor, no interesse do representado, ter acesso amplo e irrestrito aos elementos de prova que, já documentados em procedimento investigatório, realizado por órgão de competência de polícia judiciária, digam respeito ao exercício do direito de defesa”.

A redação final resultou da união de pelo menos três propostas diferentes apresentadas pelos ministros, além da que foi levada pelo Conselho Federal da OAB, e das sugestões da Associação dos Advogados de São Paulo (Aasp) e do Instituto de Defesa do Direito de Defesa (IDDD).

A vitória dos advogados se deu na primeira proposta de súmula vinculante feita por provocação (PSV 1), apresentada em setembro do ano passado pela OAB. A possibilidade foi aberta pela Emenda Constitucional 45/04, que permitiu a autoridades do Executivo, dos tribunais e de entidades de representatividade nacional provocar o Supremo a discutir a edição de súmulas vinculantes. Com os enunciados, o Judiciário e a administração pública devem seguir o entendimento dos ministros.

Na decisão, Celso de Mello afirmou que o processo penal, ao contrário do que afirmam os “executores do arbítrio, do abuso de poder e dos excessos funcionais”, é um “instrumento de salvaguarda das liberdades individuais”, por isso que se “impõe às autoridades públicas o dever de respeitar, de observar e de não transgredir limitações que o ordenamento normativo faz incidir sobre o poder do Estado”.

“É por tal razão que se impõe assegurar, aos investigados e aos réus em geral, o acesso a toda informação já produzida e formalmente incorporada aos autos da persecução penal, mesmo porque o conhecimento do acervo probatório pode revestir-se de particular relevo para a própria defesa de qualquer deles”, afirmou o ministro.

De acordo com Celso de Mello, a Constituição Federal não impede o réu ou o indiciado de ter pleno acesso aos dados probatórios, já documentados nos autos, por não admitir o segredo e o oculto. “É preciso não perder de perspectiva que a Constituição da República não privilegia o sigilo, nem permite que este se transforme em ‘praxis’ governamental, sob pena de grave ofensa ao princípio democrático, pois não há, nos modelos políticos que consagram a democracia, espaço possível reservado ao mistério”, considerou o ministro.

“Tenho por inquestionável, por isso mesmo, que a exigência de publicidade dos atos que se formam no âmbito do aparelho de Estado traduz conseqüência que resulta de um princípio essencial, a que a nova ordem jurídico-constitucional vigente em nosso país não permaneceu indiferente, revestindo-se de excepcionalidade, por isso mesmo, a instauração do regime de sigilo nos procedimentos penais, consideradas, para tanto, razões legítimas de interesse público, cuja verificação, no entanto, não tem o condão de suprimir ou de comprometer a eficácia de direitos e garantias fundamentais que assistem a qualquer pessoa sob investigação ou persecução penal do Estado, independentemente da natureza e da gravidade do delito supostamente praticado”, ressaltou Celso de Mello.

Clique aqui para ler a decisão do ministro Celso de Mello.

No Plenário

O tema, discutido pelo Plenário do STF foi levado pela Ordem à corte depois de diversos julgamentos em que os ministros concederam aos advogados o direito de tomar conhecimento das provas constituídas pelas autoridades policiais. Em sua sustentação oral, o advogado Alberto Zacharias Toron, secretário-geral adjunto da OAB e presidente da Comissão Nacional de Defesa das Prerrogativas e Valorização da Advocacia da Ordem, destacou que todos os ministros já haviam dado decisões a respeito do tema. O ministro Marco Aurélio lembrou de pelo menos sete processos já julgados no STF — os Habeas Corpus 82.354, 87.827, 90.232, 88.190, 88.520, 92.331 e 91.684.

Toron ressaltou também que o interesse público não dá licença à autoridade pública para “aniquilar garantias do cidadão previstas na Constituição e nas leis”. Segundo ele, os casos julgados com frequência pelo STF mostram que a falta de conhecimento dos advogados quanto às investigações permite abusos. “Não se pode torturar invocando-se a supremacia do interesse público sobre o interesse privado do acusado na descoberta do crime”, afirmou. Ele completou, na sustentação, que o acesso ao inquérito atende aos princípios da ampla defesa e do devido processo legal desde o início das investigações e não somente depois de começada a ação penal. Como exemplos, o advogado citou os Habeas Corpus 82.354, 86.059 e 95.009, julgados no Supremo.

O vice-procurador-geral da República, Roberto Gurgel, argumentou que a edição da súmula nos termos da proposta da OAB tornaria impossíveis investigações principalmente de crimes financeiros, também chamados de colarinho branco. Para ele, a produção de provas depende de um processo demorado e de diligências que precisam ser feitas sem o conhecimento prévio dos investigados. Seu parecer foi integralmente contrário à proposta. “O acesso às informações poderá significar impunidade e inviabilização ao poder investigatório do Estado, com comprometimento da tutela penal”, disse Gurgel durante a sessão.

Os ministros Ellen Gracie e Joaquim Barbosa deram razão ao entendimento e votaram contra a proposta. Os ministros Menezes Direito — relator da proposta —, Cármen Lúcia, Ricardo Lewandowski, Carlos Britto, Cezar Peluso, Marco Aurélio, Celso de Mello e Gilmar Mendes foram favoráveis à ideia.

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