Atitude inesperada

Sindicatos sofreram retrocesso no Governo Lula

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4 de março de 2009, 10h28

Com a ascensão de Lula ao Governo, era lícito esperar-se que o ex-metalúrgico e líder sindical levasse a cabo sua prometida radical reforma do sindicalismo, que precederia a trabalhista. Sendo originário do setor e profundo conhecedor do ramo, reunia credenciais para tal. Mas é evidente que isso exigiria determinação, manifesta vontade política e coragem inaudita para destroçar velhos e inquebrantáveis tabus e paradigmas. A começar do primeiro importante requisito: promessa contida em discurso de palanque efetivamente materializado na prática governamental. Ou seja, palavra de candidato transformada em ação quando alcança o Poder, o que, convenhamos, é fato incomum neste país.

A resposta ao desafio, lamentavelmente redundou em mais uma decepção ao sindicalismo de vanguarda e aos interesses da sociedade brasileira, que almeja por um modelo sindical moderno, vigoroso, combativo e, sobretudo, íntegro, compatível com o Brasil do século XXI e imune do modelo prevalecente, repleto de vícios, e mazelas acumulados ao longo de quase sete decênios. Lamentavelmente, porém, a menos de dois anos para o encerramento de seu segundo mandato, Lula e o PT estão devendo. E muito. É mais um governo a engrossar a extensa lista dos pretensos reformistas, bons de oratória, mas pífios de ação. Lula e o PT ficaram tão-somente na retórica, tão decantada desde os velhos tempos dos vociferantes discursos de Vila Euclides, no ABC paulista.

É óbvio que ambos sabiam de antemão, de cor e salteado o que fazer. Especialmente Lula, por seu ideário político. Entretanto, por razões não esclarecidas, mas perfeitamente presumíveis em função da bitola estreita e eminentemente populista por onde rodam as ações do seu Governo desde o nascedouro, especialmente as de marketing- a matéria sindical foi tratada de forma ambígua à anunciada, de molde superficial e relegada a um mero expediente casuístico. Essa ambivalência está caracterizada e devidamente provada mais à frente.

A melhor imagem comparativa para ilustrar o fato análogo, encontra-se na excelsa obra do eminente mestre, Arion Sayão Romita, “Sindicalismo, Economia, Estado Democrático – Estudos” (LTr-92) na página 27, recolhemos esta memorável passagem:”(…) A propósito disto, lembro-me de um episódio do romance O Leopardo, de Tomaso de Lampedusa. O protagonista é um membro da realeza italiana. Ele chega à janela, de onde se descortinam os campos, reflete sobre a insatisfação que lavra entre os agricultores daquela região e diz a seguinte frase: É preciso mudar alguma coisa, para que tudo permaneça como está.(…),”

Foi o procedimento de Lula. Cumpre recordar que a estratégia petista foi fincada nos frágeis pilares do bom de rótulo, mas débil de conteúdo Fórum Nacional do Trabalho, especialmente urdido pelo PT para democratizar e preparar o terreno para uma pretensa reforma, dita moderna e completa. Composto por um órgão de consulta tripartite e paritário, com assento de três bancadas: a dos representantes dos trabalhadores, dos empresários e do Governo, teve por resultado dessa miscelânea de pensamentos díspares e interesses opostos, clara divergência, obviamente não constante da invariável distorcida propaganda oficial. Como é óbvio, prevaleceu, a vontade do partícipe mais poderoso, isto é, a do setor governamental.

Daí surgiu a PEC 368/2005. Longe de moderna e inovadora, ela não passa de uma peça imprestável e retrógrada. Apesar de seu texto longo (de quase 250 itens) e profundamente detalhado, ela claramente pode ser sintetizada como opostamente nociva à modernidade, pois restabelece o velho monopólio sindical (parcialmente implodido pela Carta Augusta de 1988), sob uma outra roupagem. Como tal, não passa de uma falácia do Governo Lula. Sequer foi apreciada e votada no Congresso e, como tal –consoante a liturgia regimental- está derrogada por decurso de prazo.

Onde encontrar espírito renovador numa proposta que volta à transferir ao Estado a atribuição de dar personalidade sindical às entidades? Que propõe a criação de um Conselho Nacional de Relações do Trabalho (CNRT), órgão composto por seis membros do Governo e igual número de representantes da parte dos empregados e empregadores, garantida à bancada governamental o primeiro mandato. Dentro desse balaio, a inserção de alcunhadas Câmaras com a incumbência de examinar em primeira instância contestações e indeferimentos de pedidos de registro sindical, além da criação de mais uma benesse: a administração de recursos de um tal Fundo Solidário de Promoção Social.


Como tal, quem prometeu implementar uma reforma que levasse de roldão as imperfeições e os insanáveis vícios já existentes e acaba propondo a germinação e reprodução de outros tantos, simplesmente não disse a que veio. Ao invés de progresso, retrocesso. Total e comprovado antagonismo entre a retórica e a prática. Aqui, o conhecido sectarismo petista foi elevado ao quadrado.

Ora, num país que esquece rapidamente das coisas, principalmente de suas marcas e onde a banalização dos costumes, da palavra empenhada, da ética e da moral, repetidas vezes passou a imperar como nunca, os entes petistas certamente também olvidaram da Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 252, de 2000, especialmente quanto à sua Justificativa, convindo acentuar que ela foi apresentada em 30 de maio de 2000 à Câmara Federal pelo mesmo Ricardo Berzoini, à época na qualidade de deputado federal. Leiam essa preciosidade, que está registrada e, como tal, documentada, nos anais da Câmara Federal:

A presente proposta, ao modificar o artigo 8º da Constituição Federal, pretende reformular a estrutura sindical brasileira. A unicidade sindical e a contribuição compulsória são exemplos de uma estrutura que não mais condiz com a realidade da classe trabalhadora, hoje mais dinâmica e consciente.

A Constituição de 1988, embora tenha trazido alguns avanços e proclamado alguns princípios para o movimento sindical, ainda manteve a forma corporativa de organização inaugurada na Era Vargas, que coloca o sindicato à sombra da ação estatal. Valendo-se dessa estrutura anacrônica, alguns sindicatos, desprovidos de qualquer legitimidade, sobrevivem em razão das contribuições compulsórias e da visão protecionista do Estado.

O princípio da liberdade sindical, já inscrito na Constituição não permite, o instituto de unicidade. Ademais, se “ninguém será obrigado a filiar-se ou manter-se filiado a sindicato”, também não se pode admitir a contribuição compulsória para as organizações sindicais, pois defendemos que as contribuições sejam feitas exclusivamente em virtude da legitimidade do sindicato perante seus interlocutores e, sobretudo, perante sua própria base de associados.

É verdade que, a despeito dessa legislação, a vitalidade dos trabalhadores tem permitido o avanço do movimento sindical. É o caso das centrais sindicais que se tornaram uma realidade no país, como a Central Única dos Trabalhadores, atualmente representado os trabalhadores em diversos fóruns e conselhos, como o do FGTS. O contrato coletivo de trabalho, como regra entre as partes, ganha extraordinária importância na Emenda ora proposta, tornando-se a base do sistema jurídico do trabalho. Já é hora de implantarmos no Brasil o sindicato por ramo de produção, podendo ocorrer complementarmente à contratação por empresa, região ou por local de trabalho.

As incoerências do atual artigo 8º da Constituição Federal, com a presente Emenda, devidamente equacionadas, permitindo que o verdadeiro sindicalismo se desenvolva na sua plenitude, com pluralismo sindical e liberdade de associação, razões por que contamos com o apoio dos nobres pares.”

Foi pela mesma mão de quem escreveu esse benfazejo texto, no ano 2000, fora do Poder, que apenas alguns anos mais à frente, já integrando o Governo Lula como seu ministro do Trabalho, redigiria e subscreveria o medíocre e obsoleto projeto de reforma sindical do Governo Lula ao Congresso Nacional, na forma da PEC-369/2005.

São descomunais as contradições entre as duas propostas feitas pelo PT, através de Berzoini. A primeira na condição de parlamentar de ferina oposição e, depois como membro integrante de um governo que ascendera ao poder prometendo as reformas que todos os antecessores de Lula deixaram de fazer e o que mais importante e muito mais grave na condição de ministro do Trabalho.

Convém deixar bem ressaltado que, regimentalmente, propostas de Emenda à Constituição efetuadas pelo Legislativo somente são aceitas, discutidas e votadas por, no mínimo, um terço da Câmara ou do Senado. Portanto, a proposta originária do deputado em questão não se tratou de um ato isolado, mas avalizada e chancelada por seus pares do PT, e, como tal, pelo eterno cacique petista Lula. Aqui, identicamente não cabe –nem de leve- as famosas escusas “made escândalo do mensalão” do não vi, não sei e do não tenho conhecimento.


Na edição de 10 de dezembro de 1996, o jornal Folha de S.Paulo em entrevista com Luiz Marinho, então presidente do Sindicato dos Metalúrgicos de São Bernardo e Diadema — o mesmo do qual Lula é originário — onde consta essa declaração solene: “O sindicato do ano 2000 se consolidará como parte de uma coletividade mais ampla na sociedade e exercerá um poder maior de intervenção na realidade enquanto representante de cidadãos contribuintes e consumidores. O sindicato do ano 2000 vai jogar na lata do lixo da história o corporativismo, os vícios políticos e a getulista máquina burocrática –administrativa.”

São afirmações de viva voz formuladas exatamente por aquele que (e é de transcendental importância enfatizar isto) não só foi mais um importante componente do Governo Lula, como –nada mais nada menos- o sucessor de Ricardo Berzoini no Ministério do Trabalho.

Destarte, o único e verdadeiro objetivo abarcado pela dita e pretensa “reforma sindical para valer” do PT, foi a oficialização das Centrais Sindicais. E isto de forma casuísta, através do Projeto de Lei 1990/2007. Mas afinal, o que é uma Central Sindical. Além de excrescência na obtusa legislação sindical originária da era do Estado Novo, trata-se de entidade civil de direito privado, oriunda de divergências de federações e confederações de trabalhadores e criada para mobilização mais rápida da massa representada e para dar respaldo político a quem delas necessitar. De preferência do setor governamental, é óbvio. Até então eram mantidas através de mensalidades pagas pelos sindicatos integrantes.

Doravante, passarão a receber a metade dos 20% destinados ao Governo de cada contribuição sindical paga neste país. Na atualidade, algo superior a R$ 1 bilhão anuais, a ser fatiado, cabendo –claro e evidentemente- o pedaço maior à CUT, braço direito do PT. Todas as demais, exceção da nanica Conlutas (hoje ramificada ao Psol, que por sua vez é dissidente do PT) pertencem à base de apoio do Governo. Faz tempo que apresentaram a fatura ao Governo Lula, que finalmente acabou sendo quitada, uma vez mais na base do tão conhecido como pecaminoso “toma lá, dá cá”.

Enfim, não bastassem as deformações existentes, o sindicalismo brasileiro acaba de agregar outras e doravante passa a ser regido por uma privilegiada cúpula, nada altaneira. Ao contrário, vergada, dócil e prestativa aos afagos do Poder, deixando ainda mais em frangalhos a base, que por sinal já se encontrava aos cacos. Assim, dentro desse novo –e pior-contexto- como fica, na prática, as atribuições e ações das federações e confederações? Qual papel institucional terão elas doravante? Quanto ao embolso financeiro, é óbvio que continuarão percebendo os 15 e 5%, respectivamente, vindos do rateio do dinheiro fácil da contribuição obrigatória, que, por sinal, tende a mudar somente de rótulo (agora sob o rótulo de negocial) mas de valor muito superior ao atual. A ser fixado oportunamente e dentro das conveniências de então.

Historicamente, as relações do Trabalho e o sindicalismo brasileiro, desde Vargas a esta parte, ao invés de reforma profunda só tem contado com os intervencionismos do Estado que resultam em inserções de remendos. No Governo Lula não foi –e como ficou documentado- nem será diferente. Aliás neste Governo a palavra de ordem é populismo, assistencialismo e ações que redundem em preservação e perenidade de Poder. Assim, quem não teve coragem de promover uma reforma sindical condigna, muito menos efetivará outra, identicamente indispensável: a de âmbito trabalhista. E sabem qual a razão?. Simplesmente porque ambas não dão votos. Tiram! Pelo menos dentro desse quadro tupiniquim em que o interesse público invariavelmente é colocado inversamente aos das conveniências do Poder. Quer dos aboletados no Executivo como no Legislativo. Como tal, os interesses menores e a indolência seguem de braços dados com a leniência de ambos.

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