MP da discórdia

A capitalizaçãode juros bancários e o Supremo

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4 de março de 2009, 9h39

Não obstante, o sistema financeiro nacional cobrar o spread (despesas administrativas, inadimplência e lucros) mais alto do planeta, a despeito da atual crise mundial, sem embargo da responsabilidade social, está tramitando no Supremo Tribunal Federal a ADI 2.316/2000, ajuizada por um partido político, tendo como objeto a declaração de inconstitucionalidade da Medida Provisória 2.170/01, a qual autorizou a capitalização mensal de juros nos contratos bancários e de financiamentos congêneres.

Discute-se a possibilidade ou não de se editar tal tipo de norma (MP), em se tratando de matéria afeta ao direito financeiro, reservada à lei complementar, em face da expressa vedação constitucional (artigos 62, parágrafo1º, III e 192 da CF).

A jurisprudência atual do STJ consolidou-se na admissão da capitalização mensal dos juros, considerando válida e eficaz a citada Medida Provisória enquanto não for declarada inconstitucional pelo STF, eis que fora de seu controle, limitado às normas infraconstitucionais (AgRg no Resp 88.787-6). Em outras palavras, entendeu a Corte de não se pronunciar incidenter tantum acerca do tema, optando por abdicar de exercer o controle difuso de constitucionalidade adotado em nosso sistema.

A referida ADI no STF já tem seis votos proferidos, sendo que quatro concederam a liminar para declarar inconstitucional e suspender os efeitos da MP 2.170, significando a tendência da corte pela inconstitucionalidade da capitalização dos juros via MP, aliás, diga-se de passagem, que vem sendo cobrada há quase uma década pelas instituições financeiras. O julgamento foi suspenso em dezembro de 2008 por falta de quórum. Aguarda-se designação de nova data.

A relevância do assunto incita maior profundidade sob o aspecto processual, haja vista que milhares de consumidores, cidadãos, têm na via da ação revisional de contratos bancários, buscado a máquina judiciária, sem, contudo, obter um posicionamento definitivo sobre o tema, qual seja a possibilidade de se capitalizar juros (cobrar juros sobre juros), sejam na via do puro anatocismo ou na interpretação e aplicação da denominada Tabela Price. O mesmo se diga nos contratos regidos pelo SFH – Sistema Financeiro de Habitação. Reclamam uma decisão final da Justiça.

Na linha, cediço que as Ações Declaratórias de Inconstitucionalidade julgadas pela Suprema Corte possuem efeitos erga omnes e vinculante aos demais órgãos do Poder Judiciário e à Administração Pública (parágrafo 2º do artigo 102 da CF).

Como se vislumbra, em razão do STJ “autorizar a capitalização dos juros com base na MP 2.170”, em sede de Recurso Especial, antes do julgamento da ADI no STF, tenho que sobreleva uma questão prejudicial à apreciação da pré-falada cobrança. E o raciocínio é lógico: se for declarada inconstitucional a MP pelo STF, é ilegal a capitalização dos juros desde a sua edição (efeitos “ex tunc”), resultando que as instituições financeiras deverão restituir aos consumidores as quantias pagas, ou abater do débito, compensando, com juros, correções e, em alguns casos em dobro, conforme as regras do Código de Defesa do Consumidor (parágrafo único do artigo 42 do CDC).

Em verdade, a prevalecer este entendimento pela tribunal, muitos financiamentos já estarão quitados de plano, lembrando-se que a jurisprudência da Corte sempre repudiou a capitalização de juros, ainda que expressamente convencionada, editando a Súmula 121.

Ao reverso, se declarada constitucional, milhares de ações serão julgadas rapidamente, pondo uma pá de cal no assunto, bem como se evitarão novas demandas com o mesmo objeto e, se ajuizadas, poderá o Juiz dar plena efetividade ao disposto no artigo 285-A, do CPC, que o autoriza a proferir sentença de mérito sem citação. Do mesmo modo, se evitarão o ajuizamento de inúmeras ações rescisórias perante os Tribunais.

Neste diapasão, de bom senso que os processos de revisionais de contratos em fase de julgamento e em grau de apelação nos tribunais, inclusive em sede de Recurso Especial no STJ, sejam suspensos até o julgamento da ADI no STF — efeito vinculante e erga omnes, rememoro, até porque no momento, com quatro votos ainda que indiretamente favoráveis aos consumidores –, consoante norma insculpida no artigo 265, IV, “a”, do Código de Processo Civil, porquanto a possibilidade de se capitalizar juros com base na MP 2170 é prejudicial de mérito (causa de pedir, objeto principal das ações revisionais), e enseja a medida, necessariamente, existindo vários precedentes nesse sentido do próprio STJ (Resp 81.305-5;100.581-8).

Poderão as Associações com objeto para tanto e mesmo o Ministério Público promoverem demanda neste escopo, máxime o efeito geral e irrestrito no âmbito territorial das Ações Civis Públicas em prol da defesa do consumidor em juízo (Resp 44.152-9).

* JANSEN FIALHO DE ALMEIDA

Juiz de Direito do TJDFT, Titular da 2ª Vara

Cível de Brasília-DF e Diretor no DF da ANAMAGES –

Associação Nacional dos Magistrados Estaduais

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