Limites para cassação

Ato de campanha não é abuso de poder, diz Rezek

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4 de março de 2009, 19h27

Se depender da disposição de seu advogado, o ex-ministro do Supremo Tribunal Federal Francisco Rezek, a batalha de Jackson Lago (PDT) por seu mandato no governo do Maranhão está longe de terminar. Para Rezek, a Justiça está confundindo atos comuns de campanhas eleitorais com abuso de poder político.

Segundo o advogado, foi o que aconteceu no julgamento do Tribunal Superior Eleitoral, que terminou já na madrugada desta quarta-feira (4/3) com a cassação do mandato do governador maranhense — clique aqui para ver como foi o julgamento. A maior parte dos ministros considerou que houve abuso de poder político pelo fato de o candidato Jackson Lago ter participado, no ano eleitoral de 2006, do lançamento de diversos programas estaduais ao lado de José Reinaldo Tavares (PSB), então governador do estado. Depois de esgotados os recursos, Roseana Sarney (PMDB) deve assumir o comando do estado.

Em entrevista à revista Consultor Jurídico, Francisco Rezek afirmou que “não se pode pretender policiar de um modo milimétrico o tom da campanha política, a ponto de se dizer que houve abuso de poder político em um comício porque tal ou qual palavra se pronunciou”.

O ex-ministro do Supremo questionou os critérios usados pelo Ministério Público para tratar dos casos eleitorais e disse que há um processo nas mãos do MP contra os adversários de Lago, que comandarão o estado no caso de ser confirmada a cassação do governador. “Mais grave seria se esse furor cassatório tivesse endereços certos, endereços escolhidos em função de simpatias de qualquer natureza”, disse Rezek. Sem esperanças de reverter a questão no TSE, o advogado afirma que irá recorrer ao Supremo Tribunal Federal em breve.

Leia a entrevista

ConJur — O senhor sustentou no julgamento que não se pode misturar atos políticos corriqueiros com abuso de poder político. Quais os limites entre um e outro?
Francisco Rezek — Não se pode pretender policiar de um modo milimétrico o tom da campanha política, a ponto de se dizer que houve abuso de poder político em um comício porque tal ou qual palavra se pronunciou. Isso é uma lástima. É um indício sério de transferência do cenário político para o cenário judiciário. No julgamento, somente o ministro Ricardo Lewandowski acompanhou o relator ao admitir que, no episódio de Imperatriz, houve algum tipo de negociação de votos. Esse argumento não deixa de ser importante. Mas os demais — Felix Fischer, Fernando Gonçalves e Carlos Britto — acompanharam o relator na posição cassatória sem ver qualquer indício de compra de votos. Nada disso. Eles cassaram pelo suposto abuso de poder político, já que estão fartos de saber que não há ali abuso de poder econômico. José Reinaldo e Jackson Lago não têm poder econômico.

ConJur — O vídeo exibido no julgamento não mostra que se passou do ponto?
Francisco Rezek — O abuso do poder político teria sido praticado por José Reinaldo Tavares no sentido de ajudar os chamados candidatos anti-Sarney. Entrou-se, então, em um domínio de complicado julgamento. O vídeo exibido mostra um comício em praça pública, que é típico de todas as campanhas políticas. Não mostra nada além do que se vê em qualquer democracia do mundo. Talvez os físicos sejam diferentes, as roupas, o clima, mas não se vê nada ali que não pudesse acontecer em Helsinki [Estocolmo], Roma, Atenas, Madri, Washington, na Cidade do Cabo, em qualquer lugar, em qualquer democracia deste mundo.

ConJur — Não foi o que entendeu o Ministério Público.
Francisco Rezek — Por isso que o parecer do procurador Francisco Xavier Pinheiro me pareceu uma lástima tão grande. Ontem, o doutor Antonio Fernando teve a bondade de substituir o procurador. O parecer é lido por mim como uma lástima completa, uma página obscura na história do Ministério Público. Mas a verdade é que o parecer foi pouquíssimo considerado. Só o relator, Eros Grau, o considerou. Os demais não. O ministro Lewandowski fixou-se unicamente no episódio Imperatriz e rejeitou todo o resto. Fischer, Gonçalves e Carlos Britto fixaram-se na questão de abuso de poder por causa do comício e desprezaram também todo o resto. De toda a carga acusatória que o procurador da República resolveu jogar na mesa patrocinando a posição dos perdedores nas eleições, que ele patrocinou por inteiro, a maior parte foi desbancada.

ConJur — Então, o senhor considera que, medidos por essa régua, a Justiça acabará cassando todo mundo?
Francisco Rezek — Tenho a impressão de que nós partiremos para isso. Agora, o mais grave não seria isso. O mais grave não seria o furor cassatório que simplesmente passasse uma borracha no voto popular de modo generalizado. O mais grave seria se esse impulso cassatório fosse tendencioso.

ConJur — Como assim? O senhor se refere ao TSE?
Francisco Rezek — Não. Não estou me referindo ao tribunal, mas sim ao Ministério Público Eleitoral. Com que critérios o Ministério Público está ditando a agenda do TSE? Quais os critérios usados para dar ou deixar de dar pareceres? Ou para devolver ou deixar de devolver os autos? Que princípios o MP está adotando para ditar, como está ditando, a agenda da Justiça Eleitoral? Esse é ponto que preocupa. Se fosse apenas um furor cassatório inteiramente generalizado, já seria uma coisa de extrema gravidade. Já seria a abolição do princípio democrático. Mas mais grave seria se esse furor tivesse endereços certos, endereços escolhidos em função de simpatias de qualquer natureza.

ConJur — Objetivamente, há processos contra os adversários de Jackson Lago nas mãos do MP?
Francisco Rezek — Sim. Costumamos dizer que os casos que remanescem são apenas dos perdedores contra os vencedores. Isso porque os vencedores vão festejar a vitória, não vão entrar em juízo contra ninguém. Mas, por acaso, neste caso concreto, existe sim alguma coisa dos vencedores contra os perdedores em juízo simplesmente porque andou devagar. E o relator é o mesmo ministro Eros Grau e o procurador é o mesmo Xavier Pinheiro. O caso chegou ao TSE na época em que o procurador estava devolvendo os autos em que propôs a entrega do mandato à candidata derrotada por Jackson Lago. Ele tinha isso em mãos muito antes de termos a primeira sessão do tribunal, em que ele sustentou seu parecer escrito.

ConJur — O senhor acha que há a possibilidade de virar o jogo no TSE?
Francisco Rezek — Não creio, mas tenho grandes esperanças na solução da questão constitucional pelo Supremo.

ConJur — E qual é a questão constitucional?
Francisco Rezek — A questão constitucional é claríssima e é uma questão não resolvida pelo TSE. A questão de saber o que acontece quando se suprime dessa maneira, há mais de meio caminho, o mandato de um governador eleito. O que se faz, então? Convoca-se nova eleição? Direta ou indireta? Chama-se o derrotado para assumir? Sobre isso o TSE não tem posição consolidada. E sobre isso, qualquer que fosse a posição do TSE, a última palavra é necessariamente do Supremo Tribunal Federal.

ConJur — O senhor recorrerá ao Supremo depois de novo recurso ao TSE? Ou irá direto ao STF?
Francisco Rezek — Há Embargos de Declaração ao TSE, mas isso não tem a virtude de reverter o que quer que seja. Isso é apenas uma cobrança ao tribunal. Para que, eventualmente, seja mais preciso nas razões que nortearam a maioria, para que a parte possa dirigir-se ao Supremo sabendo direito o que está atacando.

ConJur — Mantida a cassação de Jackson lago, o senhor pedirá o que ao STF? Novas eleições?
Francisco Rezek — Não sei ainda. Até porque talvez eu me anime a pedir um pouco mais ao Supremo. Em nome da Constituição, talvez eu ataque a própria cassação do mandato.

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