Direito do réu

Juiz não pode negar direito de chamar testemunha

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3 de março de 2009, 22h21

O juiz que dirige um processo criminal não tem o direito de impedir que o réu chame uma testemunha de defesa se estiver dentro do limite de oito pessoas. O entendimento é do ministro Celso de Mello e foi firmado no julgamento do pedido de Habeas Corpus do ex-juiz João Carlos da Rocha Mattos. O ministro foi voto vencido na decisão tomada pela 2ª Turma no começo do mês passado..

O argumento de Celso de Mello foi apresentado em pedido de Habeas Corpus no qual o ex-juiz da 4ª Vara Criminal Federal de São Paulo, João Carlos da Rocha Mattos, pedia o testemunho de defesa de Derney Luiz Gasparino.

Investigado na Operação Anaconda, de 2004, o ex-juiz está cumprindo pena na Penitenciária de Araraquara (SP) pelos crimes de abuso de poder e extravio, sonegação ou inutilização de livro ou documento. No HC, Rocha Mattos pedia também a nulidade do processo desde a defesa prévia.

“Por representar uma das projeções concretizadoras do direito à prova, configurando, por isso mesmo, expressão de uma inderrogável prerrogativa jurídica, não pode ser negado, ao réu — que também não está obrigado a justificar ou a declinar, previamente, as razões da necessidade do depoimento testemunhal, o direito de ver inquiridas as testemunhas que arrolou em tempo oportuno e dentro do limite numérico legalmente admissível, sob pena de inqualificável desrespeito ao postulado constitucional do due process of law”, afirmou Celso de Mello.

O pedido liminar de Rocha Mattos já havia sido negado pelo ministro Eros Grau, relator, em maio do ano passado. A defesa alegava ofensa aos princípios do devido processo legal, da ampla defesa e do contraditório.

Celso de Mello sustentou que “oferecido tempestivamente o rol de testemunhas até o número permitido, não tem o juízo o direito de indeferir a oitiva delas, sob pretexto de procrastinação ou que a pessoa (testemunha) nada sabe sobre os fatos”.

“Tenho para mim que se transgrediu, no caso, em detrimento do ora paciente, o direito à prova, que representa prerrogativa essencial que assiste a qualquer réu, independentemente da natureza do delito que lhe tenha sido imputado”, afirmou o ministro.

 Leia o voto

HABEAS CORPUS 94.542-2 SÃO PAULO

V O T O

(vencido)

O SENHOR MINISTRO CELSO DE MELLO: Peço vênia para deferir o pedido de “habeas corpus”, pois entendo vulnerada, na espécie, a cláusula constitucional pertinente ao due process of law.

Tenho para mim que se transgrediu, no caso, em detrimento do ora paciente, o direito à prova, que representa prerrogativa essencial que assiste a qualquer réu, independentemente da natureza do delito que lhe tenha sido imputado.

Tenho acentuado, Senhora Presidente, em diversas decisões proferidas nesta Suprema Corte, a essencialidade desse direito básico – o direito à prova -, cuja inobservância, pelo Poder Público, qualifica-se como causa de invalidação do procedimento estatal instaurado contra qualquer pessoa, seja em sede criminal, seja em sede meramente disciplinar, seja, ainda, em sede materialmente administrativa:

A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal tem reafirmado a essencialidade do princípio que consagra o ‘due process of law’, nele reconhecendo uma insuprimível garantia, que, instituída em favor de qualquer pessoa ou entidade, rege e condiciona o exercício, pelo Poder Público, de sua atividade, ainda que em sede materialmente administrativa, sob pena de nulidade do próprio ato punitivo ou da medida restritiva de direitos. Precedentes. Doutrina.

Assiste, ao interessado, mesmo em procedimentos de índole administrativa, como direta emanação da própria garantia constitucional do ‘due process of law’ (CF, art. 5º, LIV) – independentemente, portanto, de haver previsão normativa nos estatutos que regem a atuação dos órgãos do Estado -, a prerrogativa indisponível do contraditório e da plenitude de defesa, com os meios e recursos a ela inerentes (CF, art. 5º, LV), inclusive o direito à prova.

Abrangência da cláusula constitucional do ‘due process of law’.

(MS 26.358-MC/DF, Rel. Min. CELSO DE MELLO)

A importância do direito à prova, especialmente em sede processual penal, é ressaltada pela doutrina (ADA PELLEGRINI GRINOVER, ANTONIO SCARANCE FERNANDES e ANTONIO MAGALHÃES GOMES FILHO, “As nulidades no processo penal”, p. 143/153, itens ns. 1 a 6, 10ª ed., 2007, RT, v.g.), como se vê do claro magistério expendido pelo saudoso JULIO FABBRINI MIRABETE (“Código de Processo Penal Interpretado”, p. 492, item n. 209.2, 7ª ed., 2000, Atlas):

Oferecido tempestivamente o rol de testemunhas pela parte, até o número permitido, não tem o juiz o direito de indeferir a oitiva de qualquer uma delas, independentemente de justificação por parte do arrolante, sob o pretexto de que se visa a procrastinação ou de que a pessoa arrolada nada sabe sobre os fatos, nem mesmo quando deve ser ouvida em carta precatória. (…) Também não pode o juiz dispensar a oitiva de testemunha tempestivamente arrolada sem a desistência da parte interessada; ocorre, na hipótese, nulidade por cerceamento da acusação ou defesa. Trata-se, aliás, de nulidade que não precisa ser argüida.” (grifei)

Essa orientação reflete-se, por igual, na jurisprudência dos Tribunais em geral, valendo referir, ante a sua relevância, julgados que reconhecem qualificar-se, como causa geradora de nulidade processual absoluta, por ofensa ao postulado constitucional do “due process of law”, a decisão judicial que, medianteexclusão indevida de testemunhas”, compromete e impõe gravame ao direito de defesa do réu, sob a alegação de que as testemunhas, embora tempestivamente arroladas, com estrita observância do limite máximo permitido em lei, nada saberiam sobre os fatos objeto da persecução penal ou, então, que a tomada de depoimento testemunhal constituiria manobra meramente protelatória do acusado (RJDTACRIM/SP 11/68-69 – RJTJESP/LEX 117/485 – RT 542/374 – RT 676/300 – RT 723/620 – RT 787/613-614, v.g.).

Em suma: por representar uma das projeções concretizadoras do direito à prova, configurando, por isso mesmo, expressão de uma inderrogável prerrogativa jurídica, não pode ser negado, ao réu – que também não está obrigado a justificar ou a declinar, previamente, as razões da necessidade do depoimento testemunhal -, o direito de ver inquiridas as testemunhas que arrolou em tempo oportuno e dentro do limite numérico legalmente admissível, sob pena de inqualificável desrespeito ao postulado constitucional do “due process of law”:

ProvaTestemunhaOitiva indeferida por não ter o juiz se convencido das razões do arrolamentoInadmissibilidadeDireito assegurado independentemente de justificação.

Não pode o juiz indeferir a oitiva de testemunha, sob pena de transgredir o direito límpido que assiste às partes de arrolar qualquer pessoa que não se insira nas proibidas, independentemente de justificação.” (RT 639/289, Rel. Des. ARY BELFORT – grifei)

Cerceamento de DefesaInquirição de testemunhas por rogatória indeferida a pretexto de ter intuito procrastinatórioInadmissibilidadePreliminar acolhidaProcesso anuladoInteligência do art. 222, e seus §§, do CPP.

Não é permitido ao juiz, sem ofensa ao preceito constitucional que assegura aos réus ampla defesa, inadmitir inquirição de testemunhas por rogatória, a pretexto de que objetiva o acusado procrastinar o andamento do processo.” (RT 555/342-343, Rel. Des. CUNHA CAMARGO – grifei)

São estas, Senhora Presidente, as razões que me levam, com toda a vênia da ilustrada maioria, a conceder, ao ora paciente, a ordem de “habeas corpus impetrada.

É o meu voto.

Ministro Celso de Mello

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