Segunda Leitura

Reflexões que podem mudar o sistema judicial

Autor

  • Vladimir Passos de Freitas

    é professor de Direito no PPGD (mestrado/doutorado) da Pontifícia Universidade Católica do Paraná pós-doutor pela FSP/USP mestre e doutor em Direito pela UFPR desembargador federal aposentado ex-presidente do Tribunal Regional Federal da 4ª Região. Foi secretário Nacional de Justiça promotor de Justiça em SP e PR e presidente da International Association for Courts Administration (Iaca) da Associação dos Juízes Federais do Brasil (Ajufe) e do Instituto Brasileiro de Administração do Sistema Judiciário (Ibrajus).

1 de março de 2009, 9h15

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A insatisfação com o nosso sistema judicial é geral. Todos reclamam de tudo o tempo todo. E cada um, individualmente, atribui a outros a culpa. Como todos perdem com isto em tempo, energia, satisfação, dinheiro e outros bens da vida, cabe refletir sobre os aspectos menos analisados. Não sobre os polêmicos, sempre discutidos, mas sim sobre aqueles que passam despercebidos. Os que não chamam a atenção. Mas que, nem por isso, perdem em importância. Vejamos:

1) Não é por demais confusa a nomenclatura das carreiras jurídicas?

Os magistrados de segundo grau chamam-se desembargadores (TJs), desembargadores federais (TRFs) ou desembargadores federais do trabalho (TRTs), muito embora aos dois últimos a Constituição dê o título de juiz. Os agentes do Ministério Público são conhecidos por promotores de Justiça. Mas, quando promovidos, tornam-se procuradores de Justiça. Na área federal, os promotores chamam-se procuradores da República. Tais cargos confundem-se entre si e também com outras carreiras, como procurador federal ou procurador do estado. Esta diversidade de titulação cria uma desnecessária confusão a todos. Buscar uniformização seria um bom passo.

2) Tribunais e outros órgãos públicos não podem ocupar o mesmo edifício?

Em Montreal, Canadá, visitei um único prédio que abrigava a Justiça Federal, Estadual, de Menores, Polícia Judiciária e outros órgãos. Em Denver, EUA, a Suprema Corte do Estado, que ocupa o mesmo prédio do Tribunal de Apelação. Em Ciudad del Leste, Paraguai, o tribunal que é ocupado pela primeira e a segunda instâncias locais No Brasil um tribunal nunca divide o prédio com as varas. A Procuradoria Regional da República localiza-se em um edifício e a Procuradoria da República em outro. E assim por diante. Será razoável gastar-se dinheiro público em tantas construções? Sem falar em bibliotecas, sistema de segurança, licitações, etc., etc., etc.?

3) Localização e identificação de Varas nos Fóruns.

Ainda que possa parecer piada, há fóruns em que a localização das varas não segue a sua ordem cronológica. Quem vai atrás de uma certidão supõe que a 2ª Vara esteja depois da lª e não o oposto, se possível no mesmo andar. Mas, por vezes, há um desregramento total, mesclando-se até varas cíveis com criminais. E, nos tribunais, nem sempre os desembargadores da mesma câmara têm gabinete no mesmo andar, dificultando a vida dos advogados (v.g., entrega de memoriais). Esta desordem administrativa decorre, geralmente, do desejo de algum juiz (ou dos servidores) de ficar neste ou naquele local (v.g., porque a vista é mais atraente ou algo semelhante). A quem cabe decidir, falta pulso. E o interesse particular prevalece sobre o público.

4) Câmaras x Turmas. Cartórios x Secretarias.

Nosso sistema judicial vem de Portugal. Mas sofre influência norte-americana, a partir da criação da Justiça Federal, em 1890. Disto decorre que existem diferentes nomes para as mesmas coisas. Nada diferencia uma câmara (nos TJs) de uma turma (nos Tribunais da União). Ou um cartório de uma secretaria. Não está na hora de unificar as denominações?

5) Diversidade de nomes e prazos nos recursos.

Quem examina os recursos no processo civil, penal e trabalhista, constata que eles recebem tratamento diverso. O prazo de um não é o do outro. A forma, o nome, tudo é diferente. Isto gera uma enorme dificuldade aos advogados, principalmente àqueles que, corajosamente, iniciam a profissão assumindo todos os tipos de causa. Uniformizar seria medida de grande utilidade. Até porque, reduzir prazos de recurso de nada adianta. O que retarda o andamento de um processo não são dois ou cinco dias a menos para recorrer, mas sim executar os atos dentro dos cartórios (ou secretarias).

6) Ministério Público na segunda instância.

Agentes do Ministério Público têm atuação importantíssima na primeira instância. Mas, quando promovidos, passam a emitir parecer. É verdade que alguns ocupam cargos administrativos, participam de conselhos, câmaras (MPF) ou algo semelhante. Isto é exceção, não interessa. Pois bem, alçado a parecerista, o agente do MP de segundo grau perde qualquer participação mais significativa. Imagine-se um Procurador da República (MPF), altamente especializado em crimes contra a ordem econômica, ser promovido a PRR e passar a dar parecer em repetitivas ações previdenciárias. Há algo mais frustrante? E para o Estado, este dinheiro está sendo bem empregado? Não há como dar a esses talentosos profissionais uma atividade mais gratificante, com vantagem para eles, para a instituição e a sociedade?

7) Um novo modelo de Corregedoria.

As corregedorias da Justiça (e também as do MP) têm um papel de importância máxima. Concursos apuram tudo, menos caráter. É preciso, sim, controlar a atividade dos magistrados para que as exceções não manchem a imagem do conjunto. Boa parte das corregedorias têm a estrutura do passado. Só que agora, nos maiores estados, têm que cuidar de 500, mil ou até mais de 1,5 mil juízes. Ainda que tenham hoje maior assessoria, é necessário mais. É preciso dotá-las dos mais sofisticados equipamentos, tecnologia de investigação, profissionais de áreas interdisciplinares (psicólogos, para apoio em casos de descontrole emocional) e um corpo de pessoal especializado (incluindo estatísticos), que não se altere quando muda a chefia. Em suma, um órgão que saia da pachorrenta posição de receber representações para tornar-se gestor ativo da efetividade da jurisdição.

Aí estão algumas propostas. Umas de grande simplicidade, outras complexas. Mas, o essencial é o debate. Todos devem opinar, inclusive a sociedade, através de ONGs, que nesta área ainda são quase inexistentes. Mas quem quiser participar deve assumir um compromisso: primeiro o interesse público, depois o pessoal, particular.

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