Interferência do Judiciário

Justiça obriga tribunal fiscal a julgar processo

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31 de maio de 2009, 7h51

O processo administrativo sobre cobranças do fisco federal termina com a última palavra do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf), certo? Não para a Justiça Federal do Distrito Federal. Uma liminar inusitada ordenou que o Carf — que substituiu o Conselho de Contribuintes — readmitisse o recurso de uma empresa que havia sido rejeitado pelo presidente da Câmara Superior, última instância do tribunal administrativo. Com isso, os conselheiros têm de analisar o mérito do pedido. É a primeira decisão desse tipo enfrentada pelo recém criado Carf de que se tem notícia. Clique aqui para ler a decisão.

A liminar, concedida em abril, garante mais uma chance à empresa paranaense Delara Transportes de discutir administrativamente autuações da Receita Federal por falta de recolhimento de PIS e Cofins. A decisão ainda suspendeu a exigibilidade dos créditos cobrados, o que evita que eles impeçam a expedição de certidões de regularidade fiscal. “Nunca havia visto tamanha interferência do Judiciário na Receita”, afirma o advogado Carlos André Ribas de Mello, do escritório Franco & Barbosa Advogados, que defendeu a empresa.

Para o tributarista Eduardo Kiralyhegy, do escritório Negreiro, Medeiros & Kiralyhegy Advogados, a decisão é uma mostra de que os advogados preferem a esfera administrativa ao Judiciário para discutir questões tributárias. “A vantagem em manter a discussão no administrativo é que os julgamentos se baseiam em critérios mais técnicos.”

Autuada em 2002, a Delara caiu na mira do fisco por supostas diferenças na base de cálculo usada para a apuração do PIS e da Cofins, que são diferenciadas para agenciadoras de carga. A Receita lavrou dois autos de infração contra a empresa, um para cada tributo. Ambos foram impugnados administrativamente. Como a Delegacia da Receita Federal de Julgamento — primeira instância administrativa — rejeitou os argumentos da empresa, o caso seguiu para as Câmaras do antigo 2º Conselho de Contribuintes. Os débitos relativos ao PIS foram cancelados pela 1ª Câmara, mas os da Cofins foram declarados devidos pela 2ª Câmara. A divergência de entendimentos sobre a mesma matéria entre duas câmaras motivou o Recurso Especial de Divergência da empresa destinado à Câmara Superior.

Porém, como ocorre no Judiciário, o recurso precisa ser admitido primeiro na Câmara que deu a decisão sobre o processo. O presidente da 2ª Câmara, analisando o pedido à instância superior, negou seguimento ao recurso, decisão que foi contestada em Agravo agora sim ao presidente da 2ª Turma do Conselho Superior de Recursos Fiscais, instância superior às Câmaras. O Agravo também foi rejeitado, dessa vez pelo presidente da 2ª Turma.

O entendimento de ambos os presidentes — o da 2ª Câmara e o da 2ª Turma do Conselho — foi de que não havia divergência entre entendimentos tributários da lei. “Nos julgados confrontados, não há divergência de interpretação às leis tributárias, mas sim às provas contidas nos autos”, disse o presidente da 2ª Câmara. Ele alegou não ter negado à empresa a redução na base de cálculo do tributo devida às agenciadoras, mas sim afirmado que o serviço prestado não havia sido de agenciamento e sim de transporte. “Os valores que a recorrente deseja ver excluídos de sua base de cálculo representam, em verdade, custos.” Clique aqui para ler a ementa do julgamento na 2ª Câmara.

Já a 1ª Câmara havia considerado que, por mais que a empresa tivesse recebido a totalidade dos valores pela prestação do serviço de transporte, só parte dele lhe pertencia pelo agenciamento, sendo o restante dos terceiros contratados para o serviço efetivo. “É indispensável definir qual o serviço prestado e o valor cobrado pelo mesmo, não servindo o simples ingresso de valores globais, nele incluídos os recebidos por responsabilidade e destinados desde sempre à terceiros”, concluiu o colegiado. Clique aqui para ler a ementa do julgamento.

A empresa levou o caso à Justiça. As alegações para as negativas ao recurso fiscal não convenceram o juiz Alexandre Vidigal de Oliveira, da 20ª Vara Federal do Distrito Federal. Para ele, ficou evidente que a base de cálculo recebeu dois tratamentos diferentes em relação à mesma ação fiscal, lavrada para cobrar os dois tributos. “Devendo a base de cálculo ser a mesma para ambos, não se justifica o não conhecimento do recurso especial de divergência”, afirmou o juiz na decisão que concedeu a liminar. Ele ordenou o prosseguimento do recurso à 2ª Turma da Câmara Superior de Recursos Fiscais, com suspensão da exigibilidade das cobranças.

Discussão administrativa
O exemplo da Delara é uma tendência. “Sempre oriento meus clientes a brigarem no Conselho”, diz o advogado Roberto Ribeiro, do Duarte Garcia, Caselli Guimarães e Terra Advogados. “Na esfera administrativa, questões técnicas, como contábeis e sobre documentos fiscais, são de mais fácil compreensão do que no Judiciário, em que o juiz nem sempre tem conhecimento completo do assunto.” Ele destaca, porém, que isso só vale para discussões sobre fatos. “O Conselho não julga a legalidade ou a constitucionalidade dos tributos.”

Carlos de Mello, advogado que conseguiu a liminar, reconhece que poderia ter resolvido a questão no Judiciário, mas optou por manter o caso na esfera administrativa. “Tínhamos de esgotar todas as chances antes de ir para a Justiça, principalmente porque a decisão do Carf foi uma injustiça”, diz.

O Conselho Administrativo de Recursos Fiscais é um tribunal paritário, formado por representantes do fisco e dos contribuintes. Para os contribuintes, a vantagem é que, das decisões favoráveis em última instância, o fisco não pode recorrer ao Judiciário.

Mandado de Segurança 2009.34.00.008904-9

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