Cultura conciliatória

Empregados e patrões ainda resistem a acordos

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31 de maio de 2009, 9h04

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O Supremo Tribunal Federal julgou, na semana passada, que a Justiça do Trabalho não tem competência para interferir no processo de recuperação de empresas em dificuldade, mesmo nos casos em que estas dificuldades estejam atreladas a dividas trabalhistas. Dias antes, o Tribunal Superior do Trabalho, contrariando decisão de segunda instância, confirmou sob determinadas condições a demissão de 4.200 trabalhadores da Embraer, uma das maiores fabricantes de aviões do mundo. 

Trata-se de decisões definitórias, num cenário de aceleradas transformações no campo das relações de trabalho. O entendimento do Supremo é o de que o mais importante, no caso da recuperação judicial, é a preservação da empresa para que se possa também preservar a fonte de empregos.

O desembargador Decio Sebastião Daidone, que desde setembro passado preside o Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região, que abrange a região metropolitana de São Paulo e a Baixada Santista, também entende que não é recomendável que a Justiça do Trabalho intervenha de alguma forma na administração das empresas. Até mesmo razões de ordem prática, desaconselham a intervenção do judiciário. "Não temos estrutura para fazer isso", diz ele.

Como contrapartida, o TRT-2, o mesmo que suspendeu as demissões na Embraer, oferece às empresas em dificuldade o Programa Juízo Auxiliar de Conciliação em Execução, no qual peritos da Justiça analisam a situação das empresas que aderem ao plano e avaliam se elas têm condições de pagar as dívidas e de superar as dificuldades. A partir disso, buscam um acordo entre a empresa e os empregados em litígio. O resultado para as partes é sempre melhor do que uma greve ou do que um corte de vagas. “O ideal é manter a empresa em atividade, para que os credores recebam, mesmo que aos poucos”, defende.

O apreço do TRT-2 pela conciliação ficou claro pelos resultados obtidos na Semana de Conciliação, em dezembro passado. No período, foram feitos 11.194 acordos, cujos valores atingiram a cifra de R$ 162 milhões, o que deixou o TRT-2 entre os 56 tribunais de todo o país e de todas os ramos da Justiça que participaram da Semana. Apesar do sucesso da conciliação, o desembargador conta que, muitas vezes, as partes continuam resistentes ao acordo. “Tem reclamante que quer ver o patrão condenado e tem patrão que promete levar até o fim o processo porque não quer pagar o ex-funcionário”, diz.

O TRT-2 tem dado lições também nos campo da informatização e da sistematização dos processos.  Em 2002, o TRT implantou o sistema de numeração única de processos, que indicava a data em que a ação foi ajuizada, o tipo de ação, além de que vara e instância tramita. Só no início de 2009, o Conselho Nacional de Justiça aprovou resolução que fixou a numeração única a nível nacional, abrangendo todos os ramos da Justiça. Alertado pela experiência exitosa já implantada na Justiça Trabalhista de São Paulo, o CNJ prometeu estudar uma forma de o novo sistema aproveitar o que já estava sendo feito. 

Formado pela Universidade do Vale do Paraíba na turma de 1967, o presidente do TRT-2 queria, inicialmente, atuar na área criminal. Ingressou na Justiça do Trabalho em 1979. Atuou como juiz trabalhista no Paraná, Mato Grosso, Mato Grosso do Sul e em diversas cidades do interior de São Paulo. Mas, mas não esconde sua preferência pela capital paulista.

Leia a entrevista:

ConJur — A atuação do TRT de Campinas no caso da demissão de 4.200 funcionários da Embraer, levantou uma questão: até onde a Justiça do Trabalho pode interferir na administração de uma empresa?
Décio Daidone — A Justiça não pode interferir na administração da empresa. A unica exceção admitida, é no caso de empresas que não pagaram seus devedores. Nesse caso, a Justiça pode chegar lá e dizer que eles estão escondendo dinheiro: ‘Então, saiam vocês e nós vamos nomear um interventor’. Isso a justiça pode fazer, embora eu não aconselhe.  

ConJur — Por que o senhor não aconselha?
Décio Daidone — Porque não temos um plano adequado para fazer isso. Podemos ajudar através do Programa Juízo Auxiliar de Conciliação em Execução, no qual as empresas são analisadas para constatar se têm condições de pagar suas dívidas. Feito isso, juízes auxiliares de conciliação estabelecem o acordo. O objetivo é manter a empresa em atividade, para que os credores recebam, mesmo que aos poucos.
ConJur — E o empregador não tem limites para dispensar o empregado?
Décio Daidone — O empregador tem todo direito de dispensar seu empregado. Mas, é diferente dispensar um empregado e dispensar 400 funcionários, ou 4 mil, como no caso da Embraer. As demissões vão causar impactos na sociedade: se colocarmos uma média de três pessoas atrás de cada trabalhador, são 16 mil afetados pelas demissões. Nesses casos, a própria Constituição dá margem para que a Justiça do Trabalho intervenha. O Código Civil é construído em cima da visão social do contrato. Em muitos casos, determinamos ao empregador: ‘Os senhores podem dispensar, desde que seja uma dispensa programada, com o acompanhamento do sindicato. Em vez de fazer a dispensa hoje, faça em trinta dias, para que os funcionários preparem o espírito e pensem no que vão fazer daí para frente’. Porque não é só o dinheiro que traz a felicidade. Para muita gente, o que traz a felicidade é o próprio trabalho.

ConJur — A ministra Ellen Gracie, do STF, entende que órgãos internacionais não estão submetidos à CLT. O TST tem posição divergente. Qual sua opinião?
Décio Daidone — A competência de julgar é da Justiça do Trabalho: prestou serviços aqui, aplica-se a CLT. Houve o caso de um brasileiro que estava trabalhando no Consulado Americano, foi demitido e o órgão não pagou seus dieitos. Julgamos, condenamos e mandamos notificar o Consulado. Se não pagam, o que podemos fazer? Vou mandar invadir o Consulado ou prender quem se opõe à determinação? A questão vai para o Itamaraty, que manda a cobrança. Em muitos casos que julgamos e executamos, os orgnaismos pagaram espontaneamente. Quando há recusa em pagar, a cobrança vai para o Itamaraty.

ConJur — A crise econômica mundial trouxe mudanças na demanda do TRT-2?
Décio Daidone — Eu mandei fazer um levantamento dos dissídios individuais e coletivos, comparando o último trimestre de 2008 e o primeiro de 2009. Quanto aos dissídios individuais, no último trimestre, recebemos 74 mil e, de janeiro a março, 84 mil. Os números de dissídios coletivos também aumentaram de 45 mil, no último trimestre de 2008, para 56 mil no primeiro trimestre desse ano.

ConJur — As empresas usaram a desculpa da crise para demitir?
Décio Daidone — Muitas usaram. Segundo os dados do aumento de demanda na Justiça do Trabalho, posso dizer que a maioria das ações é de empresas médias e grandes. A Embraer, por exemplo, logo depois do julgamento, ganhou licitação de aviões e está produzindo até hoje.

ConJur — Súmula vinculante, repercussão geral, lei dos recursos repetitivos. Na Justiça do Trabalho, esses instrumentos trouxeram algum impacto?
Décio Daidone — Evidentemente, na primeira instância, as medidas têm grande impacto, em razão do direito de peticionar. A nossa cultura ainda está ligada à jurisprudência antiga, à súmula antiga que não era vinculante. Quando eu estava na primeira instância, muitas vezes julguei sem atentar para a Súmula. E, muitos juízes da primeira instância ainda pensam assim. Quando passei pela segunda instância e pelo TST, percebi que era bobagem julgar assim, porque quando o processo chega na instância superior, a Súmula é aplicada. Essa demanda ainda não foi refreada na primeira instância. Já da primeira instância, para a segunda, muitos juízes se conscientizaram e estão julgando de acordo com a súmula.

ConJur — O senhor está há 8 meses na presidência do tribunal. Quais foram as principais mudanças de sua gestão?
Décio Daidone — Houve muitas mudanças, como o atendimento aos assessores. Como o prédio do TRT-2 não comporta mais a parte administrativa, que está agora no Fórum Ruy Barbosa, na Barra Funda, eu reservo um horário de atendimento para despachar processos administrativos. Também trato da vida do Fórum em si, como férias, licença-saúde de servidores, a reforma do Fórum e designação de juízes substitutos. Atendo também advogados e juízes que me procuram para esclarecimentos sobre seus casos. Estou tentando voltar com a cultura da conciliação entre as partes, que considero estar um pouco esquecida. Também tenho participação ativa no Colégio de Presidentes, visto que sou vice-coordenador.

ConJur — Quais as principais questões levantadas pelo Colégio de Presidentes? Existem problemas ou soluções que permeiam todos os tribunais?
Décio Daidone — Lá, levantamos muitos problemas comuns. O último, da numeração única de processos, foi levantado por mim. O TRT-2 implantou, em 2003, a numeração única nos processos. Antigamente era usado um número para a primeira instância, um número para a segunda. Hoje, ao ver o número do processo, tem como saber a data em que foi ajuizado, o tipo de ação e em que vara e instância ela tramita. Surgiu um problema, no início do ano: o Conselho Nacional de Justiça instituiu uma outra numeração única para todo Brasil e esqueceu o sistema já implantado pelo TRT, que está funcionando bem. A Justiça do Trabalho já fez esse trabalho de casa. Percebemos que a implantação da numeração única na Justiça demandaria muito tempo, dinheiro e servidores. Só aqui no TRT, teríamos que mexer em 6.580 pontos de informática, o que custaria por volta de um R$ 1,7 milhão de reais.

ConJur — Depois do problema ser levado ao Colégio de Presidentes, qual foi a atitude do CNJ?
Décio Daidone — Eles fizeram mea-culpa. “Poxa, nós fizemos e não pensamos nem consultamos a Justiça do Trabalho. Em seguida, eles suspenderam o trabalho da numeração única para nos consultar. Mandamos nossas informações para eles e talvez se ajustem com a numeração daqui, para acabar com a disparidade.

ConJur — Quais foram os resultados da semana de conciliação, realizada em dezembro do ano passado?
Décio Daidone — Aqui na 2ª Região, fizemos um evento monstruoso e o resultado foi muito bom. Posso dizer que salvamos 2008 com a Semana da conciliação. Se continuássemos naquele patamar de julgamentos – naquela estatística de 1% a mais, 1% a menos – não teríamos o número de acordos realizados durante só uma semana, que elevou a nossa produção. A conciliação é melhor para as partes: o empregador sabe que não vai mais precisar aparecer na Justiça, e o empregado termina o processo, pega seu dinheirinho, vai embora e acabou. O resultado foi satisfatório, tanto que vamos fazer uma outra Semana de Conciliação em junho.

ConJur — Quantas audiências foram realizadas na última Semana de Conciliação?
NDécio Daidone — O TRT de São Paulo ficou em primeiro lugar, com 33% de todo o movimento nacional de audiências realizadas. Ficamos também em primeiro lugar em acordos realizados, com 27,85%. Sem contar contribuição previdenciária e imposto de renda, nós entregamos R$ 162 milhões para os reclamantes naquela semana. Enquanto isso, todo o Judiciário nacional, 56 tribunais, entregou R$ 974 milhões.

ConJur — O que é o SUAP e quando será implantado?
Décio Daidone — É o Sistema Unificado de Administração de Processos informatizado, a implantação do processo virtual. Nasceu em São Paulo, tanto que nós já temos uma parte dos nossos processos informatizados, mas ele é informatizado até ser distribuído, pois, a partir daí, vira papel. Com o SUAP, o processo vai caminhar informatizado até o fim. Através do sistema Precad, onde o advogado faz um pré-cadastramento da ação que ele vai propor na Justiça do Trabalho, ele poderá acessar o sistema, scannear e mandar os documentos, e tudo isso ficará informatizado. A partir daí, ele vai saber para que vara seu processo foi distribuído, além do horário, data e local da audiência. Está previsto para começar a funcionar em agosto, provavelmente em São Caetano do Sul, que é a nossa primeira cidade e que tem uma comarca maior.

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