SEGUNDA LEITURA

Pouco se sabe sobre o Tribunal de Segurança Nacional

Autor

  • Vladimir Passos de Freitas

    é professor de Direito no PPGD (mestrado/doutorado) da Pontifícia Universidade Católica do Paraná pós-doutor pela FSP/USP mestre e doutor em Direito pela UFPR desembargador federal aposentado ex-presidente do Tribunal Regional Federal da 4ª Região. Foi secretário Nacional de Justiça promotor de Justiça em SP e PR e presidente da International Association for Courts Administration (Iaca) da Associação dos Juízes Federais do Brasil (Ajufe) e do Instituto Brasileiro de Administração do Sistema Judiciário (Ibrajus).

31 de maio de 2009, 9h13

Vladimir Passos de Freitas 2 - SpaccaSpacca" data-GUID="vladimir_passos_freitas1.jpeg">A história do Direito e da Justiça são pouco conhecidas no Brasil. Pouco se sabe da atividade dos juízes, advogados, promotores públicos e muito menos dos servidores do Judiciário. No entanto, muito há de interessante a comentar. E mais ainda a evitar, pois conhecer o passado significa errar menos no futuro.

Nesta linha, vale a pena lembrar o mais desconhecido dos tribunais brasileiros: o Tribunal de Segurança Nacional. Dele, na área do Direito, pouco se sabe. Quase não há referência nos livros, menção em artigos ou lembrança em palestras.O tema parece interessar mais à história e à sociologia. No entanto, sua menção é obrigatória sempre que se discuta o princípio do juiz natural.

O nome Tribunal de Segurança Nacional leva nossa mente ao período de regime militar pós-64. Puro engano. Neste período, os crimes contra a segurança nacional foram julgados inicialmente pela Justiça Estadual e logo depois pela Justiça Militar Federal. O temido TSN é bem anterior. Sua existência vai de 1936 a 1945, nos tempos do chamado “Estado Novo”, governo Getúlio Vargas. Seu fim coincidiu com o término da 2ª. Grande Guerra Mundial e a Constituição democrática que sobreveio em 1946. O TSN foi antecedido por épocas de grandes mudanças. A Revolução de 30, pondo fim a um sistema político com foco no campo e tendo como centros quase exclusivos São Paulo e Minas Gerais. A Revolução Constitucionalista de 1932, em São Paulo, pela volta da democracia. A Constituição de 1934, resultado direto da revolta de 32. À direita, a Ação Integralista Brasileira, tendo à frente Plínio Salgado a conduzir os “camisas verdes”. À esquerda, a Aliança Nacional Libertadora e a chamada “intentona comunista” de 1935.

Neste caldo confuso dentro e fora do território nacional, sob a expectativa de uma nova guerra, indefinida então a posição do Brasil, eis que a Lei 244, de 11 de setembro de 1936, institui o Tribunal de Segurança Nacional, órgão da Justiça Militar, com sede no Distrito Federal (então Rio de Janeiro).

O TSN tinha apenas 5 juízes, sendo 2 militares (Oficiais), 2 civis (com o requisito de reconhecida competência jurídica) e um quinto, que seria o presidente, devendo ser magistrado civil ou militar. O TSN era um órgão colegiado de primeira instância. Sua atribuição principal era a de julgar “os crimes com finalidades subversivas das instituições políticas e sociais” (art. 3º da Lei 244/36). A competência se estendia por todo o território nacional, obrigando acusados do Amazonas ao Rio Grande do Sul a deslocar-se ao Rio de Janeiro.

O processo era sumário. O réu citado deveria apresentar sua defesa, com testemunhas (máximo de 5). Mas para o MP não havia limite. A defesa deveria providenciar a presença de suas testemunhas, sem intimação, presumindo-se a desistência das que não comparecessem. Depois da instrução, o prazo para alegações finais era de apenas 3 dias. Note-se que havia processos com centenas de réus. Na apreciação da prova, o art. 15 dispunha que, se o réu fosse preso com arma na mão por ocasião de insurreição armada, a acusação se presumiria provada.

Por ocasião do julgamento o relator proferiria o seu voto. Mas qualquer pedido de vista ficava condicionado à apresentação do voto em 48 horas. O Tribunal não ficava vinculado à qualificação do crime na denúncia. Em outras palavras, como não havia previsão de vista ao MP para aditamento, o réu poderia ser surpreendido com uma sentença mais grave do que a acusação feita na denúncia. O recurso era para o Supremo Tribunal Militar (atual STM), mas sem efeito suspensivo. O direito à ampla defesa, evidentemente, estava mutilado.

Logo após a criação, foram nomeados e empossados os seus juízes: Barros Barreto (presidente), Costa Netto, Raul Machado, Lemos Basto, Pereira Braga e Campello Machado.

No TSN, esquerda e direita sentaram no banco dos réus. Da mesma forma, réus em processos criminais por crimes contra a economia popular. Nestes últimos o TSN e o Governo conseguiam algum grau de popularidade, já que a população aprovava a condenação de usurários ou comerciantes.

Mas foram os processos políticos, principalmente contra os partidários do Partido Comunista, que tiveram realce. Entre eles, o julgamento de Luis Carlos Prestes, defendido pelo consagrado advogado Sobral Pinto. Prestes queria defender-se sozinho, mas Sobral Pinto, indicado pela OAB, assumiu a defesa. Consta que Sobral Pinto invocou o Estatuto dos Animais, de 1934, para dizer que seu cliente não estava recebendo, sequer, as garantias legais dadas aos bichos. Ao final, Prestes foi condenado à pena de 16 anos e 8 meses de prisão.

No TSN também foi processado Monteiro Lobato. Seu crime foi o de escrever uma carta ao Gal. Góes Monteiro, nela ressaltando a "displicência do sr. presidente da República, em face da questão do petróleo no Brasil, permitindo que o Conselho Nacional de Petróleo retarde a criação da grande industria petroleira em nosso país, para servir, única e exclusivemente, os interesses do truste Standard-Royal Dutch". Denunciado no TSN em 18.4.1941, por crime contra a segurança do Estado, o escritor teve sua prisão preventiva decretada. Foi condenado pelo tribunal pleno a 6 meses de prisão, tendo sido libertado em 20.6.1941, indultado pelo Presidente4 da República. Curiosamente, poucos anos depois era criada a PETROBRAS.

Sucederam-se julgamentos insólitos, muitas vezes reformados pelo Tribunal Superior. Relata Reynaldo Pompeu de Campos, em obra primorosa sobre o TSN, que durante quase 12 anos de existência ele “julgou 6.998 processos envolvendo mais de 10.000 pessoas, 4.099 das quais foram condenadas a penas que variavam entre uma simples multa (economia popular) até 60 anos de reclusão” (Repressão Judicial no Estado Novo, Ed. Achiamé, Rio de Janeiro, 1982).

Assim a história virou mais uma página. E ela nos serve para uma conclusão lógica: tribunais de exceção, nunca mais.

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