Intimidades na Justiça

STJ julga cada vez mais ações sobre relacionamentos

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25 de maio de 2009, 15h42

Inúmeras decisões do Superior Tribunal de Justiça mostram que qualquer relacionamento amoroso pode terminar no Judiciário. Não importa se é casamento, noivado ou um simples namoro. As leis podem ser aplicadas mesmo se o casal não divide o mesmo lar. Os casos mais recentes tratam da aplicação da Lei Maria da Penha (Lei 11.340/2006), que combate a violência doméstica e familiar contra a mulher.

Em um processo, mesmo após quase dois anos do fim do namoro, o rapaz ameaçou a ex-namorada de morte quando ficou sabendo que ela teria um novo relacionamento. O STJ determinou que a ação seja julgada pela Justiça comum, e não por Juizado Especial Criminal, como defendia o advogado do acusado da agressão.

Em outra questão sobre a Lei Maria da Penha e namoro, o STJ entendeu ser possível o Ministério Público requerer medidas de proteção à vítima e seus familiares, quando a agressão é praticada em decorrência da relação. Para a desembargadora Jane Silva, à época convocada para o STJ, aplica-se esta lei quando há comprovação de que a violência praticada contra a mulher decorre do namoro e de que essa relação, independentemente de coabitação, pode ser considerada íntima.

Noivo em fuga
Um noivo que desistiu do casamento 15 dias antes da cerimônia ficou livre de indenizar a ex-noiva e sua família em um proceso de 2002. Apesar dos convites já distribuídos e as despesas pagas, a corte manteve a decisão do Tribunal de Justiça de São Paulo, que isentou o ex-noivo do pagamento. O TJ-SP reconheceu o direito da ex-noiva e de seu pai à indenização pelos prejuízos morais e financeiros, mas durante o processo, o ex-noivo obteve o benefício da Justiça gratuita para responder à ação.

O TJ paulista se baseou no artigo 5º da Constituição Federal para implicar a isenção da obrigação de indenizar os autores. "Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes." No STJ, os ministros concluíram que o recurso, baseado no julgado do TJ-SP que seguiu o artigo 5º, não poderia ser analisado pela Corte, e sim pelo Supremo Tribunal Federal, por se referir a texto da Constituição. Por esse motivo, manteve a decisão do TJ paulista.

Casamentos e divórcios
Entre os casos analisado pelo Superior Tribunal de Justiça, destaca-se a impenhorabilidade de bens, a mudança de sobrenome e anulação de matrimônio.

A Lei 8.009/90 torna impenhorável o imóvel de família onde reside o casal e, em alguns casos, outros parentes. Segundo o STJ, essa proteção prevalece mesmo quando o casal decide separar-se. Em 2008, a Corte concluiu que a
impenhorabilidade do bem de família visa resguardar não somente o casal, mas a própria entidade familiar. Por isso, no caso de separação surge uma duplicidade da entidade, que passa a ser composta pelo ex-marido e pela ex-mulher com os respectivos parentes.

A hipótese de continuar a usar o sobrenome do ex-marido após o divórcio também foi analisada pelo STJ. Em diversos processos, a mulher foi autorizada a manter o sobrenome do ex-marido, pois deve prevalecer a disposição legal que preserva o direito à identidade. Em uma das decisões, o tribunal assinala que o uso pode permanecer, mesmo que isso gere desconforto e constrangimento ao homem. Em outra, o tribunal avaliou a manutenção do nome após o fim de um matrimônio de 45 anos. A corte concluiu que, neste caso, obrigar a ex-mulher a retirar o nome do ex-marido poderia causar grave dano à personalidade dela e prejuízo à sua identificação diante do longo tempo em que foi apresentada com tal sobrenome.

O uso de nome em registro de óbito de companheiro, que conviveu em união estável, foi outro pedido analisado do STJ. De acordo com o tribunal, se não houve o reconhecimento oficial da convivência comum do casal, o nome do companheiro da pessoa falecida não pode constar no registro do óbito. Para o ministro Aldir Passarinho Junior, esse entendimento não nega a legislação que rege a união estável, mas é preciso focar que o reconhecimento do relacionamento não se dá automaticamente. Segundo o ministro, é preciso cuidado no registro de óbito, já que dele podem vir consequências legais.

Outro caso relacionado ao tema foi quando o STJ reconheceu a possibilidade dos noivos suprimirem um dos nomes que representa a família quando do casamento. Isso é possível desde que não haja prejuízo à ancestralidade nem à sociedade, pois o nome civil é direito de personalidade.

O pai de uma noiva descobriu, durante a lua de mel, que havia dívidas e títulos protestados contra o noivo. Em recurso, a noiva pediu a anulação do casamento, que não foi conhecida pelo tribunal. Segundo o ministro Ruy Rosado de Aguiar, relator do processo à época, caso prevalecesse o pedido pela nulidade, qualquer cheque devolvido ou fornecedor insatisfeito, chegando aos ouvidos da família da noiva, dariam margem a que seu pai fizesse com que o casal interrompesse a lua de mel, com imediata separação e ação de anulação. “O que reservar então aos falidos, concordatários, processados criminalmente, investigados por muitas mazelas?”, concluiu o relator.

Um caso de bigamia também chegou à análise do STJ. O tribunal negou a homologação de uma sentença estrangeira que tornou nulo o casamento feito no Brasil entre uma brasileira e um japonês, após ele descobrir que ela já era casada e tinha três filhos com o primeiro cônjuge. Segundo os ministros, como o casamento foi no Brasil, portanto de acordo com a lei brasileira, o pedido de nulidade do matrimônio deve ser feito de acordo com a mesma lei, e não no Judiciário japonês, como ocorreu.

Em outro caso, a corte entendeu impossível o reconhecimento concomitante de duas uniões estáveis. Para os ministros, o objetivo de reconhecer a união estável e o fato de que ela é entidade familiar não autoriza que se identifiquem várias uniões estáveis. “Isso levaria, necessariamente, à possibilidade absurda de se reconhecerem entidades familiares múltiplas e concomitantes.”

Regime de bens
Além dos aspectos diretamente relacionados com namoro, noivado e casamento, partilha e pensão, o STJ  já respondeu a diversas questões apontadas em recursos, como a de processos sobre regimes de bens.

Em julgamento de 2008, a corte permitiu a alteração do regime de bens de casamento celebrado sob a vigência do antigo Código Civil de 1916, possibilidade expressa no novo Código, de 2002, desde que respeitados os direitos de terceiros.

Em outro caso, o tribunal também definiu que cônjuges casados em comunhão de bens não podem contratar sociedade entre si. Segundo os ministros, as restrições previstas na lei pretendem evitar a utilização das sociedades como instrumento para encobrir fraudes ao regime de bens do casamento. Já os cônjuges casados em regime de separação de bens pelo Código Civil de 1916 podem fazer doações de bens entre si durante o matrimônio.

Algumas pendências judiciais sobre união estável também foram analisadas. Em uma delas, o tribunal concluiu que o direito de companheiro à metade de imóvel dado como garantia em contrato não prevalece sobre o direito do credor a executar a hipoteca. Isso se o companheiro que assinou o contrato de hipoteca omitiu a existência da união estável. Com informações da Assessoria de Imprensa do Superior Tribunal de Justiça.

*O STJ não informou o número de todos os processos por se referirem a ações com trâmite em segredo de justiça.

RESP 963370, CC 100654, HC 92875, RESP 241200, RESP 662799, SEC 1303, RESP 952141, RESP 471958, RESP 707092, RESP 812012, RESP 1058165

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