Julgamento pré-pago

Não há taxas de diligências em Ação Penal, diz TJ

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23 de maio de 2009, 8h20

É ilegal a cobrança de taxas para as diligências feitas por oficiais de Justiça nas Ações Penais movidas pelo Ministério Público. O entendimento levou o Tribunal de Justiça de São Paulo a conceder um Habeas Corpus em favor de um garçom acusado de assalto à mão armada. A corte considerou ilegal a cobrança da taxa por o processo ser uma ação pública e não privada e ordenou que fossem ouvidas as testemunhas de defesa do réu sem o pagamento antecipado de custas de diligências das entregas das intimações. Clique aqui para ler a liminar.

Segundo a denúncia do MP, o garçom Sérgio dos Santos Ornelas Junior foi surpreendido de madrugada anuciando um assalto e ameaçando com uma faca o frentista de um posto de gasolina em São Bernardo do Campo (SP), juntamente com um colega. Ainda de acordo com o MP, como os demais funcionários conseguiram dominar o garçom e seu companheiro, o crime não foi consumado e eles foram presos em flagrante.

As taxas de diligência são cobradas em processos cíveis e nas ações penais privadas, de acordo com a Lei paulista 11.608/03. Em média, chegam a R$ 15 por diligência. Porém, começou a ser frequente a exigência do pagamento mesmo em processos penais movidos pelo MP. O artigo 2º da norma prevê as situações em que a taxa não será cobrada. O inciso IX afirma: "Na taxa judiciária não se incluem as despesas de diligências dos oficiais de Justiça, salvo em relação aos mandados requeridos pelo Ministério Público". A exclusão motivou a interpretação de alguns juízes que, por dedução, defendem a exigência da taxa nas ações penais públicas.

Uma Ação Direta de Inconstitucionalidade do Conselho Federal da OAB  — a ADI 3.154 — tentou afastar a aplicação do dispositivo, mas o Supremo Tribunal Federal, no último dia 14, votou pela constitucionalidade da lei. Segundo o advogado do garçom acusado, Daniel Del Cid, do escritório Décio Freire & Associados, isso não significa que a corte aprova a cobrança da taxa. “Em nenhum momento a lei autorizou expressamente a cobrança”, diz.

O Conselho Nacional de Justiça já havia censurado a prática em março, ao desconstituir o Provimento 27/06 da Corregedoria-Geral da Justiça de São Paulo, editado com base na Lei 11.608/03. A norma excluía da lista de gratuidades as diligências dos oficiais em ações penais que não corressem nos Juizados Especiais Criminais. Por maioria, o Plenário do CNJ entendeu que a regra violava o direito à defesa dos acusados nas ações penais públicas que tramitam na Justiça comum. “O Provimento 27/06 afronta os princípios constitucionais da presunção de inocência do denunciado em Ação Penal Pública, do devido processo legal e de acesso à Justiça, além de violar a paridade de armas”, disse o conselheiro Paulo Lôbo. (Clique aqui para ler o voto vencedor)

Cobrança insistente

Mesmo com a decisão do CNJ, a prática parece não ter desaparecido dos tribunais. A 4ª Vara Criminal de São Bernardo do Campo é um exemplo recente. Depois de receber a denúncia contra o garçom Sérgio dos Santos Ornelas Junior e um comparsa, o juiz Ely Amioka exigiu da defesa o recolhimento antecipado das taxas de diligência para só depois intimar as testemunhas. No pedido de Habeas Corpus, o advogado do acusado, Daniel Del Cid, alegou que “a cobrança antecipada de despesas de diligência de oficial de Justiça em Ação Penal Pública está em desacordo com os princípios da presunção de inocência, do devido processo legal e do acesso à Justiça”.

O advogado destacou uma decisão do Supremo dada em 1956. “Nos processos criminais de ação pública a prova da defesa não depende do pagamento de custas”, decidiu a corte com base no artigo 806 do Código de Processo Penal. O texto legal prevê que as ações penais de iniciativa privada — em que é a pessoa ofendida, e não o MP, quem decide se entrará com um processo contra o acusado, como nos casos de estupro — não podem prosseguir sem o pagamento de custas. Em 1983, o STF repetia o entendimento. “A falta de inquirição das testemunhas de defesa, por não terem sido pagas previamente as custas do oficial de Justiça, é exigência descabida em Ação Penal Pública”, disseram os ministros da 1ª Turma ao julgar o HC 61.215.

Assim, por exclusão, as ações públicas não demandam o depósito prévio, segundo Del Cid, já que “o juiz penal tem de ter a liberdade de iniciativa da produção de provas não provocada pelas partes”, diz. Segundo ele, a cobrança limita a produção de provas pela defesa, desequilibra o processo em favor do MP e põe empecilhos à defesa por meio de um constrangimento ilegal. “Não se imagina que o acusado deva pagar para se defender em processo oficial. Se o Estado está acusando, é ele quem tem de arcar com o custo”, afirma. Ele também explicou que, caso a condenação do acusado transite em julgado, ele deverá arcar com todas as custas judiciais, o que inclui as taxas de diligência.

Assim também entendeu o desembargador Teodomiro Méndez, da 2ª Câmara de Direito Criminal do TJ-SP, relator do processo. Ao conceder a liminar para que a taxa não fosse posta como condição à oitiva das testemunhas de defesa, ele foi taxativo: “A exigência das custas e despesas processuais antes do trânsito em julgado de sentença condenatória não encontra amparo na legislação pátria, seja na órbita constitucional, seja na esfera infraconstitucional”. A liminar foi expedida em abril.

Habeas Corpus 990.09.092917-0

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