Intimidade apalpada

Revista íntima gera dever de indenizar por dano moral

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23 de maio de 2009, 9h57

A empresa de tecelagem Teka foi condenada a pagar indenização de R$ 15 mil para uma funcionária que era submetida a revista íntima periodicamente, feita às vezes por homens. A condenação foi imposta pelo Tribunal Regional do Trabalho da 15ª Região (Campinas-SP), que negou por unanimidade recurso da empresa.

Em sua defesa, a tecelagem alegou a prescrição do direito de pedir a indenização, mas os juízes consideraram que o dano moral se trata de "direito personalíssimo, disciplinado pelo Código Civil", e, por isso, a prescrição só acontece em dez anos. A ação foi ajuizada pela advogada em 2003, portanto, antes da prescrição.

De acordo com os autos, testemunhas confirmaram que a funcionária era revistada várias vezes na semana. No início, a revista era feita por pessoas do sexo masculino. Segundo relatos, a fila das funcionárias que passariam pela revista era vista da rua, embora a revista acontecesse em local privativo. Em primeira instância, a Vara do Trabalho de Mogi Mirim (SP) considerou que ficou comprovado que a "revista se dava apalpando-se o corpo, além dos prepostos e testemunhas das reclamadas assumirem as revistas nas bolsas e até marmitas dos funcionários".

Ao analisar recurso ao TRT, o relator, juiz Francisco da Motta Peixoto Giordani, considerou que, embora o empregador tenha o direito de resguardar seu patrimônio, não está autorizado a violar o direito à intimidade de seus empregados. "Restou caracterizada a agressão à dignidade humana da obreira, sendo invadida a sua intimidade, portanto, magoado direito de personalidade. Irrelevante se a revista era feita por homem ou mulher, sendo só o fato ‘revista’ já invasor da privacidade do trabalhador, embora, bem é de ver, quando feita por varão, mais grave ainda", disse o relator. Ele foi acompanhado por unanimidade.

Leia a decisão

PROCESSO Nº. 0232-2008-022-15-00-9

RO – RECURSO ORDINÁRIO

RECORRENTE: TERESINHA MARIA DE ASSIS

RECORRIDO: TEKA – TECELAGEM KUEHNRICH S.A

RECORRIDO: TÊXTIL HYCON INDÚSTRIA E COMÉRCIO LTDA

 ORIGEM: VARA DO TRABALHO DE MOGI MIRIM

JUÍZA SENTENCIANTE: REGINA RODRIGUES URBANO

SENTENÇA: FS.521/534 E 543/544 (IMPROCEDENTE EM RELAÇÃO TÊXTIL HYCON – INDÚSTRIA E COMÉRCIO LTDA. E PROCEDENTE EM PARTE EM RELAÇÃO À TEKA TECELAGEM KUEHNRICH).

RECURSO: FS. 511/524 – RECLAMANTE

DANO MORAL. CONFIGURAÇÃO. REVISTA ÍNTIMA. Tendo embora o empregador o direito de resguardar/proteger seu patrimônio, não está por isso autorizado a agir de modo a magoar o direito à intimidade de seus empregados, agredindo, impiedosamente, a dignidade de pessoa humana que todos têm, e não a possui menos uma pessoa por ser empregada, procedendo a revistas íntimas de todo em todo constrangedoras.

Da r. sentença que julgou improcedentes os pedidos em relação à primeira reclamada e parcialmente procedentes em relação à segunda reclamada, recorre a reclamante, por meio das razões de fs. 511/524, no tocante à indenização à título de dano moral – revista íntima, prescrição qüinqüenal, aos intervalos intrajornadas, e aos honorários advocatícios.

Contra-razões apresentadas, à fs. 528/536 pela Teka.

Dispensada a prévia intervenção Ministerial.

É o relatório.

V O T O

I- Admissibilidade

Conhece-se do recurso, eis que preenchidos os pressupostos legais de admissibilidade.

PRESCRIÇÃO QÜINQÜENAL E DANO MORAL

Recorre a reclamante no tocante à prescrição aplicada na origem, sustentando que o dano moral prescreve somente em 10 (dez) anos, eis que se trata de direito personalíssimo, disciplinado pelo Código Civil. Colaciona jurisprudência. Cita doutrina.

A hipótese ora versada refere-se a pedido concernente ao pagamento de indenização por dano moral, cujo prazo prescricional continua regulado pelo Código Civil.

Para elucidar o posicionamento, transcreve-se a seguinte jurisprudência desta E. Turma, verbis:

“(…)

A meu ver, é absolutamente indiscutível o entendimento de que a indenização decorrente de acidente do trabalho, ainda que oriunda da relação de emprego, não se constitui em crédito de natureza trabalhista propriamente dito, não se confundindo, por conseqüência, com os eventuais créditos resultantes da relação de trabalho a que se refere o art. 7º, XXIX, da CF ao fixar a prescrição qüinqüenal.


Entendo que a lesão, cujo ressarcimento é vindicado na ação de indenização decorrente de acidente do trabalho, atinge direitos inerentes à vida e à saúde do trabalhador a que a doutrina atribui caráter personalíssimo, ultrapassando, assim, o ramo justrabalhista e inserindo-se nos direitos de índole inequivocamente civil.

Em razão de tal circunstância, a prescrição incidente para essa espécie de ação é a estabelecida no Código Civil.

Assim colocado, indene de dúvida que a prescrição, em casos como o proposto, decorre, única e exclusivamente, da natureza da matéria discutida e não da competência do juízo que deva conhecer do pedido formulado.

De outra parte, contudo, para se verificar acerca do prazo de prescrição a ser aplicado ao caso concreto, há que se definir, por primeiro, a data da ocorrência do fato ensejador da reparação civil ou da ciência inequívoca, pelo autor, de sua ocorrência, por aplicação do princípio da actio nata.(…)”(Processo TRT15ª Região nº. 00289-2007-137-15-00-4, Desembargador Federal Lorival Ferreira dos Santos, 3ªT, sítio do Tribunal)

No presente caso, a Instância Primeira considerou que, conquanto demonstrado que a apelante, “enquanto laborava na 1ª reclamada, era revistada várias vezes na semana. Além disso, a testemunha da reclamada não soube informar a data de admissão da vigia. A testemunha da reclamante, de outra parte, confirmou que as revistas, no início, eram feitas por pessoa do sexo masculino, sendo que além das revistas nas bolsas, também havia revista física. Também restou comprovado que, da rua, podia se ver a fila da revista, muito embora fosse efetivamente realizada em local privativo.

Não obstante, a prescrição decretada atingiu direitos anteriores a 13.02.2003, período em que a reclamante laborou na 1ª reclamada”, f. 504, é dizer, a Origem teve como ocorridos os fatos afirmados pela recorrente, mas que o direito havia sido atingido pela prescrição.

Entretanto, in casu, há considerar que a prescrição do direito de ação deveria levar em conta o Código Civil de 2002, como retro-exposto e o Código Civil de 1916, porquanto o Código Civil de 2002 entrou em vigor, precisamente, em 12/01/2003, pelo que o prazo prescricional a ser aplicado ao caso em foco seria aquele previsto no artigo 177 do antigo Código Civil, qual seja, o de 20 (vinte) anos.

Importante salientar que a alteração da competência material do órgão jurisdicional para apreciação do pedido não implica automática alteração das regras sobre prazos prescricionais, que são fixados pelo legislador considerando a natureza do direito protegido. Note-se que esgrimir por entendimento contrário trará como resultado o império da insegurança jurídica, inviabilizando exatamente o fim perseguido pela prescrição, que é justamente a estabilidade dos negócios jurídicos. Chegando a essa altura, de ceder o passo ao eminente André Araújo Molina, que, com pena de mestre, dilucidou que “a prescrição nasce com a pretensão, estando com isso capilarmente ligada ao Direito Material que alicerça a relação jurídica, bem por isso não sofre qualquer alteração em razão da mudança da competência para julgar a ação de Direito Processual, como muitos têm confundido em relação à alteração de competência para julgamento das ações acidentárias” (in “A Prescrição das Ações de Responsabilidade Civil na Justiça do Trabalho”, artigo inserto em obra coletiva “Justiça do Trabalho e dignidade da Pessoa Humana”, coordenador João Humberto Cesário, edição LTr e Amatra XXIII, março/2007, página 193).

Em que pese o disposto no art. 177 do CC anterior, há considerar, ainda, a regra do art. 2.028 do mesmo Diploma, que estabelece uma regra de transição. Nesse passo dispõe o aludido dispositivo legal, “verbis”:

Art. 2.028. Serão os da lei anterior os prazos, quando reduzidos por este Código, e se, na data de sua entrada em vigor, já houver transcorrido mais da metade do tempo estabelecido na lei revogada.” (sublinhei).


Então, se reduzido o prazo, cabe atentar para duas hipóteses: se o tempo faltante para a consumação da prescrição for menor que o previsto na lei nova, aplica-se a disposição da lei anterior e se o tempo faltante for maior que o previsto na lei nova, prevalece o prazo desta última, desde que seja contado do dia em que ela – a nova norma – entra em vigor.

No feito sub examen, admitida que foi a recorrente em 17.10.2000, f. 27 e tendo ingressado com a presente reclamatória em 19.02.2008, f. 02, a prescrição a considerar no feito em foco é o do art. 205 do atual CC, por se tratar de direito de personalidade.

Do exposto, da vênia do entendimento seguido pela Instância Primeira, não há prescrição a ser pronunciada, no que toca ao pedido de indenização por danos morais.

MÉRITO

DA CONCESSÃO DO DANO MORAL

Afastada a prescrição, é de se analisar o direito ao dano moral.

Ora, a própria sentença de origem confirmou ter extraído das provas orais, como acima já mencionado, que:

“… comprovou que a reclamante enquanto laborava na 1ª reclamada, era revistada várias vezes na semana. Além disso, a testemunha da reclamada não soube informar a data de admissão da vigia. A testemunha da reclamante, de outra parte, confirmou que as revistas, no início, eram feitas por pessoa do sexo masculino, sendo além das revistas nas bolsas, também havia revista física. Também restou comprovado que, da rua, podia se ver a fila da revista, muito embora esta fosse efetivamente realizada em local privativo.” (f. 504).

Irrecusável, com o dictum das testemunhas ouvidas na prova emprestada, f. 484/6, que a reclamante sofreu danos morais diante do constrangimento a que submetida, por ocasião das revistas íntimas, isso não só na primeira reclamada, mas, também, na segunda; com efeito, com aludidos testemunhos ficou claro que a revista se dava apalpando-se o corpo, além dos prepostos e testemunhas das reclamadas assumirem as revistas nas bolsas e até marmitas dos funcionários.

Ora, tais fatos são suficientes para atestar constrangimento e atitude invasiva na privacidade do obreiro, ainda mais quando as reclamadas poderiam (rectius: deveriam) adotar outros meios de fiscalização de seu patrimônio, que pudessem evitar tamanho constrangimento, sendo, portanto, sob este aspecto, irrelevante se a revista era feita por homem ou mulher, sendo só o fato “revista” já invasor da privacidade do trabalhador, embora, bem é de ver, quando feita por varão, mais grave ainda. Além do mais, não se precisou qual a data em que se admitiu revista por alguém do sexo feminino.

Estou em que, no feito em foco, de se inferir, do conjunto probatório, que restou caracterizada a agressão à dignidade humana da obreira, sendo invadida a sua intimidade, portanto, magoado direito de personalidade.

De modo geral, o Direito confere à empregadora amplos poderes para adotar medidas visando a proteção do patrimônio da empresa, mas não a ponto de afrontar os comandos legais que resguardam a dignidade do ser humano; não se permite à dadora de serviços arvorar-se em poderes de polícia e –talvez mais ainda- ato contínuo infringir direitos básicos do cidadão, sob pretexto de haver a necessidade de resguardar o seu patrimônio e sua atividade. Neste sentido: decisão 046525/2005-PATR do Processo n. 00475-2004-126-15-007-7RO, relator Desembargador Lorival Ferreira dos Santos, DOE/SP de 23/09/2005, in sítio do E.TRT-15.

O direito à fiscalização patronal deve pautar-se no bom senso, métodos e meios razoáveis, não podendo, de modo algum, transbordar a ponto de expor os funcionários da empresa – cujo vínculo empregatício só tem sentido mediante o pressuposto da existência de confiança mútua –, a situações vexatórias e/ou constrangedoras, lembrando que a dignidade da pessoa humana configura imperativo axiológico do ordenamento jurídico do Estado Democrático de Direito, a teor do art. 1º, inciso III, da CF, como percucientemente anotado no v. acórdão n. 025965/2006-PATR, do processo n. 01847-2004-062-15-00-8-RO, relator Desembargador José Antonio Pancotti, publicado no DOE/SP em 09/06/2006, “in” sítio eletrônico do E. TRT-15.


Pela pertinência à hipótese não é demais mencionar outra decisão do mesmo e ilustre Relator:

REVISTA ÍNTIMA – COLISÃO DE PRINCÍPIOS FUNDAMENTAIS – PREPONDERÂNCIA DOS VALORES FUNDAMENTAIS INERENTES À DIGINIDADE DA PESSOA HUMANA – INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS – VIABILIDADE.   A atividade econômica nas sociedades capitalistas, regidas por princípios do Estado de Direito Democrático e Social, não se nega ao empresário o soberano poder de organização, direção e controle de sua atividade. Tais poderes encontram fundamento na garantia constitucional da liberdade de iniciativa, da livre de concorrência (CF/88, art., 1º, IV, 3º, II, 5º, XXII e 173), como valores essenciais não só ao desenvolvimento econômico, mas, sobretudo, para a criação e manutenção de postos de trabalho e criar ambiente para inclusão social. São, ainda, instrumentos que visam obter melhor qualidade e maior produtividade de bens ou serviços, a disciplina e harmonia no ambiente de trabalho e  zelo pelo patrimônio da empresa. O exercício destes poderes pelo empresário não pode, porém, acarretar a privação ou a diminuição de bens e valores fundamentais à dignidade da pessoa humana, ou de valores fundamentais inerentes à personalidade do cidadão trabalhador, reconhecidos como relevantes, pela sociedade na qual está integrado – que são igualmente tutelados pela ordem constitucional (CF/88, art. 1º, III, IV, 3º, I, 5º, X e 7º, XXX). Na dinâmica da atividade econômica, soe acontecer que o empregador, ainda que de boa fé, acabe tendo conduta que colide com os direitos fundamentais do cidadão. Na hipótese, a conduta patronal, em conseqüência das revistas íntimas a que foi submetida a reclamante, inclusive por pessoa do sexo oposto, em que funcionárias eram tocadas ou apalpadas em seus corpos, ficou patente a agressão à sua intimidade, fazendo jus a uma indenização reparadora e que venha inibir, no futuro, a conduta ilícita da empregadora. A cidadão trabalhadora tem direito de receber tratamento digno dentro e fora do ambiente de trabalho. Recurso ordinário da reclamada a que se nega provimento, no particular.” – (v. acórdão n. 039419/2006-PATR, processo n. 00181-2005-087-15-00-8-RO, publicado DOE/SP em 25/08/2006, “in” sítio eletrônico do E. TRT-15).

No tocante à proteção da aludida espécie dos direitos da personalidade, a intimidade, importante para o ser humano, lembrando, assim, com Alexandre Agra Belmonte, que: “A intimidade, a vida privada, a honra e a imagem são os valores morais protegidos no tocante às controvérsias respectivas, decorrentes das relações de trabalho reguladas pela legislação trabalhista (art. 5º, V e X c/c 114, da C.R.F.B.)” (in “Instituições Civis no Direito do Trabalho”, 2ª Ed., Renovar, p. 269).

Em suma, tendo embora tenha o empregador o direito de resguardar/proteger seu patrimônio, não está por isso autorizado a agir de modo a magoar o direito à intimidade de seus empregados, agredindo, impiedosamente, a dignidade de pessoa humana que todos têm, e não a possui menos uma pessoa por ser empregada, procedendo a revistas íntimas de todo em todo constrangedoras.

Basta, agora, fixar o valor da indenização.

Pois bem. A indenização é ora arbitrada na quantia de R$ 15.000,00, eis que a reclamante sofreu humilhação, invasão de privacidade e constrangimento.

Estou em que o valor supra está razoável e de acordo com o dano experimentado pelo obreira, que leva "em conta a necessidade de, com aquela quantia, satisfazer a dor do trabalhador e dissuadir de igual e novo atentado o autor da ofensa", como bem dilucidado por Beatriz Della Giustina, em artigo inserto na Revista "Trabalho & Doutrina", nº 10, Saraiva, p. 11, ou, nas palavras de Carlos Alberto Bittar: "de bom alvitre analisar-se, primeiro, a) a repercussão na esfera de lesado, depois, b) o potencial econômico-social de lesante e c) as circunstâncias do caso, para finalmente se definir o valor da indenização, alcançando-se, assim, os resultados próprios: compensação a um e sancionamento a outro" ("in" "Revista do Advogado", nº 44, p. 27) e, irrecusavelmente, esses parâmetros foram os seguidos e observados, importando salientar que, se a indenização não for fixada em valor que faça quem ofendeu sentir, profundamente, o mal que fez, não se estará atendendo, integralmente, os fins visados com sua imposição.


Nesse passo, útil o evocar-se a advertência de Rui Manuel de Freitas Rangel, eminente jurista português, o qual, com pena de mestre, afirmou que:

actualmente, a responsabilidade civil não cumpre verdadeiramente o seu desiderato principal que assenta na reparação justa e equitativa dos interesses jurídicos do lesado que foram violados através do comportamento culposo do lesante.

É no domínio da profundidade ou densidade da reparação que este instituto tem falhado,……quer quanto à indemnização a fixar no âmbito dos danos morais ou não patrimoniais (onde se torna difícil, sobretudo fixar um valor, atenta a natureza de tais danos).

O lesado é aqui confrontado, ao nível da indemnização pelos danos não patrimoniais resultantes da violação, com um julgador que, a coberto de uma aparente equidade, se baseia em critérios miserabilistas e insensíveis, desajustados da prova integral dos factos que lhe competia provar, para ter direito a uma indenização justa e adequada. Esta é, sem dúvida, a melhor forma de se ‘matar’ o instituto da responsabilidade civil” (in “A Reparação Judicial dos Danos na Responsabilidade Civil”, Livraria Almedina-Coimbra, 2002, p. 07.

Tenho em que correta a retro-transcrita observação, e acredito mesmo que isso faz parte, de certo modo, da nossa cultura jurídica, como a da Pátria-mãe também, pelo que enxergo aqui, em algumas situações, entre nós, o mesmo que enxergou o citado jurista lusitano, no sentido de que: “A prática dos nossos Tribunais tem sido a de nivelar por baixo, na avaliação econômica que fazem destes danos, a circunstância a que não é alheia e que se encontra associada ao tipo de mentalidade e cultura próprios do nosso país, economicamente pobre, com deficiências estruturais e assimetrias sociais graves”(in ob. Cit., p. 37).

De inferir, então, que é preciso cuidado para que a indenização fixada não fique muito aquém do que, razoavelmente e até mesmo por uma questão de justiça, bem poderia esperar o obreiro.

Quiçá, no momento de fixar a indenização, possa ser de alguma valia utilizar o método sugerido, já em tempos idos, pelo maior da Companhia de Jesus, Ignácio de Loyola, em seu livro de Exercícios, no qual:

Em primeiro lugar é notado o inferno na plenitude do seu horror, cheio de turgas de réprobos, que soltam queixumes de dor. Esse exercício começa fazendo com que o discípulo, antes de mais nada, meça ‘ com os olhos da imaginação ‘, o ‘comprimento, a largura e a profundidade do inferno’; mas depois os demais sentidos também devem entrar em jogo, pois nessas estranhas contra-regras, com sua exata subdivisão em ‘pontos’, consta o seguinte:

‘O primeiro ponto consiste em que eu entreveja com os olhos da imaginação esses braseiros imensos e as almas encerradas como que em corpos de fogo.

O segundo ponto consiste em que eu ouça com o ouvido da imaginação o pranto, os gemidos, os gritos, as blasfêmias contra Nosso Senhor Jesus Cristo e contra todos os seus santos.

O terceiro ponto consiste em que eu sinta com o olfato da imaginação a fumaça, o enxofre, o odor da sentina e das cousas podres do inferno.

O quarto ponto consiste em que eu deguste com o paladar da imaginação as cousas amargas, as lágrimas, a tristeza, esse verme roedor.

O quinto ponto consiste em apalpar, com o tato da imaginação, a intensidade com que esse ardor envolve as almas e as queima’ ……………………”(in “Os Jesuítas, seus Segredos e seu Poder”, René Fulop-Miller, Edição da Livraria do Globo, 1946, p. 25/6, respeitada a grafia da impressão).

Questões jesuíticas à parte e pedindo escusas pelo, digamos assim, ligeiro desvio de rota, esclareço que pretendo, com a lembrança, ponderar que, não-raro, para se entender o que algo significa para alguém, de mister colocarmo-nos na, passe a pobreza do vocábulo, “pele” desse alguém, para, com os olhos e demais sentidos imaginando-nos na situação dessa pessoa e atento ao que de ora se trata, avaliarmos da sua dor, do seu sofrimento e das suas angústias, o que, acredito, possibilitará, já agora com maiores tranquilidade e segurança, estabelecer a indenização devida.


Por derradeiro, quanto a esse ponto, quero deixar consignado que não desconheço que se há de levar em conta as possibilidades do responsável pela satisfação da indenização, bem como a intensidade e gravidade do dano, por óbvio, apenas parto do princípio de que esses argumentos não podem eclipsar o direito a uma reparação que, do que também se tem consciência, embora não possa ter plena equivalência com o dano, represente um verdadeiro consolo àquele que lhe experimentou os efeitos, e não venha a fazer com que este acabe por sentir, aumentando-lhe a dor e o sofrimento, que mínimas e/ou mesmo ineficaz a atuação do Estado, face ao dano que tanto lhe abalou e tão mal lhe causou!

Por fim, quanto a esse tópico, cumpre notar que a ofensa moral, em sede trabalhista, praticada ou permitida pelo empregador, é de ser considerada mais grave do que se cometida em outras situações, ou, pelo menos, em algumas outras situações, pois traduz abuso ou descaso reprovável, diante da inferioridade econômica do trabalhador e do pavor do desemprego, podendo mesmo, em determinados casos, resvalando para ato de desumanidade, o que, por seu turno, deve, também, ser considerado, na e para a fixação da indenização.

Assim, a indenização fixada está de acordo com as circunstâncias fáticas, as condições das partes, inclusive econômicas e há de constituir-se em fator de desestímulo à pratica e postura adotada pela reclamada, em relação aos seus empregados.

INTERVALO INTRAJORNADA DO PERÍODO TRABALHADO NA TEKA.

Entende a recorrente que teria direito ao intervalo intrajornada do período em que trabalhou, também, na segunda reclamada.

Porém, conforme demonstram os documentos de fs. 280/281, há autorização, por meio de portarias do delegado regional do trabalho, para a redução do intervalo intrajornada, o que a própria recorrente reconhece em seu apelo, f. 522.

Destarte, embora o intervalo intrajornada seja comando de ordem pública inderrogável pelas partes e infenso mesmo à negociação coletiva: o limite mínimo de uma hora para repouso e/ou refeição somente pode ser reduzido por ato do Ministro do Trabalho (CLT, art. 71, § 3º).

Sendo o caso dos autos, não prospera o inconformismo da reclamante.

Intervalo intrajornada

Requer a reclamante, neste tópico, o pagamento integral do intervalo intrajornada, em 1 hora e não somente de 30 minutos diários, conforme deferido na origem.

Também nesse tópico, não empolga a irresignação.

Desrespeito o intervalo mínimo assegurado pelo caput do artigo 71, da CLT, rende pagamento somente do período suprimido, a teor do que dispõe o § 4º, do referido diploma consolidado, não havendo ignorar o período usufruído.

Nada a reformar, no particular.

HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS

Ausentes os requisitos da Lei nº 5.584/70 e Súmula n.219, cuja validade foi confirmada após a promulgação da Constituição Federal de 1988, pela Súmula n. 329 do C. TST, indevidos os honorários advocatícios, porquanto em pleno vigor o artigo 791, da CLT, não revogado pelo artigo 1º, inciso I, da Lei nº 8.906/94. Ademais, o E. STF decidiu que referido dispositivo legal não se aplica na forma pretendida. Ainda, não atendidos os requisitos da OJ. n. 305 do C.TST.

III- Conclusão

Ante o exposto, decido conhecer, afastar a prescrição declarada na origem e, no mérito, DAR PARCIAL PROVIMENTO ao recurso, para acrescer à condenação o pagamento de indenização por danos morais, no valor de R$ 15.000,00, nos termos da fundamentação

Rearbitro o valor da condenação em R$ 18.000,00, custas em R$ 360,00.

FRANCISCO ALBERTO DA MOTTA PEIXOTO GIORDANI

Juiz Relator

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