Luz no fim do túnel

Crise no Judiciário tem solução, dizem magistrados

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9 de maio de 2009, 8h07

A crise do Judiciário tem solução. Os juízes de primeira instância que ainda não sentiram os efeitos das Súmulas Vinculantes, da Repercussão Geral e da Lei de Recursos Repetitivos — instrumentos que em pouco tempo reduziram em 42% o número de processo distribuídos no Supremo e em 38% o volume de Recursos Especiais no STJ — podem ficar tranquilos. A racionalização dos processos, implementada de cima para baixo, vai melhorar o trabalho do Judiciário como um todo.

Em linhas gerais, esta é a opinião de ministros e desembargadores ouvidos durante o lançamento do Anuário da Justiça 2009, que aconteceu na quarta-feira (6/5), no Supremo Tribunal Federal.

A Súmula Vinculante, segundo o ministro do STF Eros Grau, teve resultados mais do que efetivos. Prova disso, diz, é que o número de processos baixou. “Isso torna evidente que podemos fazer uma prestação jurisdicional mais efetiva e com mais prudência”, concluiu. Para o ministro, os efeitos desses novos instrumentos vão se projetar no corpo inteiro do Judiciário, mas daqui a três ou quatro anos. “Não se fazem mudanças de uma hora para outra.”

O ministro do Superior Tribunal de Justiça, Massami Uyeda, concorda. Ele lembra que a explosão da demanda é recente, desde a Constituição de 88, “após longo período de supressão de liberdades”. O problema foi que o Judiciário não estava preparado para toda essa procura e o sistema recursal, “criado para alcançar a Justiça ideal”, causou o congestionamento.

A crise — palavra originária dos vocábulos perigo e oportunidade, na interpretação dos chineses — é sinal de perigo, mas também um período de se encontrar soluções, diz Uyeda. Súmulas, Lei de Recursos Repetitivos são medidas que resultam da crise e que estão mostrando resultados.

Com o julgamento de recursos repetitivos, a redução foi expressiva no STJ. O ministro entende que os juízes podem ainda não estar sentindo os seus efeitos, “mas essas soluções estão repercutindo e vão chegar lá”. Outra oportunidade criada pela crise, segundo ele, é o desenvolvimento da cultura de conciliação. “Cidadania passa pela exaltação da concórdia”, afirma ao revelar que há pouco tempo conseguiu concretizar uma conciliação no STJ. O argumento usado foi de que, depois de sua decisão, o processo retorna para a execução na primeira instância, onde seria iniciada uma nova batalha.

O desembargador Ivan Sartori, do Tribunal de Justiça de São Paulo, diz que esses novos instrumentos de racionalização do processo representam a luz no fim do túnel para o Judiciário brasileiro. “Não é o ideal para a democracia, mas é o possível de se colocar em prática diante do volume avassalador de processos que trava o funcionamento do Judiciário”, afirmou. Sartori preferia um “engessamento” mais suave da base do Judiciário, mas que hoje a realidade impõe o uso de mecanismos que apresente resultados mais rápidos para a celeridade reclamada pela sociedade.

Segundo ele, a Súmula Vinculante tem força de lei. É o próprio Judiciário deixando sua atividade de julgador para assumir de corpo e alma o papel de guardião da constituição. “È o Judiciário legislando, como se legislador fosse.”

Para a desembargadora federal Suzana de Carmago, corregedora do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, a melhora na prestação do serviço, em termos de rapidez e qualidade, passa também pela especialização das varas, desde que haja respeito aos posicionamentos já consolidados. “Na medida em que já houver Súmula Vinculante, através de uma posição reiterada, não há razão para se adotar outra postura, sob pena de gerar insegurança jurídica”, declarou.

Apesar de defender a racionalização dos procedimentos através das súmulas e dos outros instrumentos, Suzana entende que o Judiciário não pode perder de vista o caráter humanitário da sua função, diante das expectativas e sonhos contidos em cada processo, cada um com a sua peculiaridade.

A cientista política Maria Tereza Sadek, que também esteve na cerimônia de lançamento do Anuário, diz que o Judiciário brasileiro tem vivido mudanças muito importantes. Ela destacou o trabalho do Conselho Nacional de Justiça ao fazer um levantamento sobre o sistema prisional, ao procurar as causas dos problemas da Justiça e, no caso do Supremo, ao convocar audiências públicas para ouvir a população antes de decidir. “Não existe na nossa história momento com tantas alterações e iniciativas dessa natureza. O Judiciário está rompendo a barreira do corporativismo. Está olhando para fora e dando passos muito importantes.”

A minha esperança, diz o ministro Ives Gandra Martins Filho, é tornar a ação cada vez mais simples. Para isso, uma das primeiras medidas é o Conselho Nacional de Justiça mapear os gargalos de cada instância para orientar os tribunais em relação aos seus procedimentos. “Na primeira instância, por exemplo, o problema é a execução. A parte ganha, mas não recebe”, diz.

Contenção da demanda

Não há dúvida nenhuma de que não se deve ter filtros para a entrada de processos no Judiciário, segundo o ministro Eros Grau. Para ele, esta medida seria antidemocrática. “A reforma foi feita para ampliar o acesso à Justiça. É lógico que todos tem o direito de trazer ao Judiciário as suas pretensões”, afirmou. Se o número de processos não diminuir, entende o ministro, é necessário aumentar o número de juízes, “mas não se pode calar as aspirações da sociedade e de cada cidadão”.

Também não passa pela cabeça da desembargadora Suzana de Camargo a possibilidade de conter a demanda de primeira instância usando filtros que impeçam a chegada de determinadas questões ao Judiciário. “Nunca se deve conter a demanda. Se a pessoa vai à Justiça, é porque confia. Para resolver, é necessário dar respostas rápidas e adotar critérios racionais”, concluiu.

Já o ministro Ives Gandra Martins é a favor de formas alternativas de solução de conflitos, como forma de conter a demanda judicial. Na Justiça do Trabalho existem comissões de conciliação prévia e juízo arbitral. “O Estado não tem que resolver todos os problemas”, afirmou. Segundo o ministro, outra questão importante é desenvolver um sistema “barato, rápido, seguro, justo e de qualidade”. Ele lembra que a Justiça existe para o jurisdicionado e não para o juiz, o advogado ou o promotor de Justiça.

“Não se pode criar mil recursos para que os advogados recebam mais honorários”, critica. Criar mais tribunais ou aumento o número de juízes também não é a saída para a crise, “não é isso que o país espera”, diz. A informatização dos processos pode ajudar, em sua opinião, mas não resolve o problema. “A digitalização facilita o manuseio do processo, mas alguém vai ter que digerir tudo. O robô não faz justiça.”

Maria Tereza Sadek, ao contrário dos ministros e desembargadores, entende que a Repercussão Geral, as Súmulas Vinculantes e a Lei de Recursos Repetitivos de fato podem contribuir com a demanda dos tribunais superiores, mas dificilmente da primeira instância, “que é muito diversificada”. Para ela, é preciso criar mecanismos para brecar a demanda. “Por que toda questão relativa à previdência tem que ir para a Justiça? Elas deveriam ser resolvidas na própria Previdência Social. As questões de telefonia, com a empresa”, sugere.

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