Realidade amazônica

Juíza de AM conta particularidades da Justiça local

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8 de maio de 2009, 9h18

Diferentemente do que acontece em outros estados brasileiros, os juízes do Amazonas precisam levar em conta a geografia do lugar antes de resolver qualquer conflito jurídico. A juíza Naira Batista de Oliveira Norte, que por 10 anos atuou numa comarca na cidade de Beruri, contou à revista Consultor Jurídico como é a realidade dos magistrados da região. Recentemente, ela foi promovida para a 1ª Vara Especializada em Violência Doméstica e Contra a Mulher (Vara Maria da Penha) na capital Manaus.

A juíza Naira explica que, para julgar imbróglios envolvendo crimes ambientais, o magistrado não pode se valer apenas de parecer técnico elaborado pelo Ministério Público ambiental ou, então, por peritos. A questão, segundo ela, é mais complexa e exige dos juízes conhecimento da realidade.

Uma das questões, segundo Naira, que mais exige o estudo de campo e discernimento por parte do juiz é sobre as ações de contaminações causadas por resíduos sólidos. Hoje, no estado, 91% dos resíduos não são gerenciados de maneira adequada. Ela ressalta que o estado tem saneamento básico precário.

De acordo com ela, o juiz, ao se deparar com ações desta natureza, que geralmente chegam por meio de Ações Civis Publicas, ele precisa levar em consideração qual o tipo de várzea foi contaminada com os resíduos dos lixões. Se se trata, por exemplo, de terra firme ou baixa e levar em conta todas essas questões para aplicar a norma ambiental da maneira mais adequada.

Naira explica que os lixos depositados nas várzeas baixas são inundados com a cheia dos rios locais e arrastados para as margens. Já nas terras firmes e altas, a contaminação pode acontecer, mas com um dano menor ao meio ambiente. “Por isso, a importância do conhecimento do juiz sobre a região. Só assim ele poderá relativizar a aplicação da legislação ambiental.”

Segundo a juíza, outra realidade da região, ainda por conta da geografia, é a falha na prestação jurisdicional. Ela aponta que um dos fatores tem a ver com o deslocamento do juiz, que tem de enfrentar uma logística nada fácil. Isso porque os municípios têm uma margem de extensão geográfica complicada.

A juíza exemplifica dizendo que, em algumas circunstâncias, o crime pode ocorrer numa região em que o acesso da comarca que detêm a jurisdição seja muito mais dificultoso do que outra comarca que não tem competência, mas tem acesso mais fácil. O fato pode causar insegurança jurídica se não for resolvido da melhor maneira.

“Por esse motivo, o magistrado muitas vezes não tem como atuar de maneira adequada. Os juízes têm de usar do poder criativo em conjunto com o conhecimento da legislação ambiental para que ele possa atuar de maneira jurisdicionalmente adequada para trazer uma efetividade da norma ambiental.”

A juíza ressalta, contudo, que a falha na prestação jurisdicional não pode ser atribuída ao juiz simplesmente pelo fato de ele trabalhar dentro das condições que ele tem, na maioria das vezes, desfavorável a essa atuação. Como sugestão para o Judiciário local, Naira sugere um processo de reestruturação onde juízes, promotores, peritos, órgãos administrativos ligados à questão e à Polícia Ambiental se integrem de maneira efetiva para fazer frente a essa realidade amazônica e combater os crimes ambientais da região.

Naira Norte também participou do I Seminário de Direito Ambiental, promovido na capital amazonense de 4 a 7 de maio. O seminário foi promovido pela Ajufe (Associação dos Juízes Federais do Brasil) e pela EAGU (Escola da Advocacia-Geral da União). As entidades contaram também com apoio de diversas entidades representativas de carreiras jurídicas do estado.

 

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