Rostos escondidos

Reforma retira as poucas armas do eleitor

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7 de maio de 2009, 12h49

[Editorial do jornal Folha de S.Paulo desta quinta-feira (7/5)]

A provocação é de tal ordem que se chega a suspeitar de algum surto de insanidade coletiva. A simples falta de compostura, o hábito de legislar em causa própria, o desapreço pela opinião pública não são suficientes para explicar as articulações em curso no Congresso a fim de aprovar os dois pontos mais acintosos do projeto de reforma política elaborado pelo governo Lula.

Trata-se de impedir que o eleitor escolha nominalmente seus candidatos a deputado federal, deputado estadual e vereador e ainda exigir que o contribuinte pague pelos gastos da propaganda eleitoral. A proposta de "lista fechada" nas eleições proporcionais e de financiamento público de campanhas, apresentada pelo ministro da Justiça, Tarso Genro, encontra apoio não só de governistas, mas também de amplos setores da oposição.

PT, PMDB, DEM, PPS, PDT e PC do B concordam: a pretexto de proibir doações aos candidatos, o projeto destina mais de R$ 900 milhões, no primeiro turno, e outros R$ 260 milhões, no segundo turno, para que o cidadão seja persuadido, com dinheiro retirado de seu próprio bolso, a respeito das virtudes de quem financiou.

É de duvidar que até mesmo os maiores entusiastas da proposta possam sustentá-la, num debate cara a cara, com qualquer cidadão que, por acaso, os encontre num saguão de aeroporto ou, quem sabe, no caso dos mais afortunados, num restaurante em Roma ou num shopping center em Miami.

Não contentes com a sequência devastadora de escândalos que atinge o Poder Legislativo brasileiro, pretende-se retirar do eleitor uma das poucas armas que lhe restam para combater os abusos protagonizados pelos seus representantes.
Com a "lista fechada" para cargos proporcionais, o cidadão teria de resignar-se a votar apenas na legenda do partido, cabendo às instâncias partidárias decidir quais os nomes, e em que ordem, serão eleitos. Prevê-se que os atuais deputados, por exemplo, terão lugar já reservado na lista de seus partidos. Pouco importa se acusado de irregularidades e abusos mais evidentes, o candidato à reeleição simplesmente não estará sujeito, individualmente, ao julgamento do eleitor.

No PSDB, onde a lista fechada sofreu resistência por algum tempo, contam-se nos dedos, agora, as figuras que manifestam repúdio à proposta. O PR, com uma bancada relativamente pequena, fechou questão contra o projeto. Há divisões em algumas bancadas; contudo, por não envolver mudança constitucional, a lei pode ser aprovada por maioria simples no Congresso.

E por que não seria? Nada mais conveniente, depois do descalabro ético em que se envolveram tantos parlamentares, dos mais diversos partidos, do que um dispositivo que lhes permita esconder o próprio rosto no momento da eleição. É a lei dos descarados -e uma das piores afrontas às instituições democráticas do país desde que se encerrou o regime militar.

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