Justiça do trabalho

Prescrição pode expressar vontade de quem teve direito violado

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5 de maio de 2009, 14h23

Tema candente em doutrina e jurisprudência trabalhistas é a problemática da aplicação ou não, nos sítios do direito material e processual do trabalho, do reconhecimento da prescrição de oficio pelo juiz.

Tal discussão originou-se quando da alteração do parágrafo 5º[1] do artigo 219 do Código de Processo Civil e consequente revogação do artigo 194 do Código Civil[2], pela lei n. 11.280/06.

A par das discussões acerca da constitucionalidade ou não, discussão que encontra campo fértil no direito comum, resta-nos, assumindo a sua constitucionalidade ao menos aparente, tratar do presente tema face às peculiaridades do Direito obreiro.

O presente trabalho visa traçar uma linha divisória no enfrentamento do tema, separando-se, pois, a prescrição quando da vigência do contrato de trabalho e aquela cujo prazo começa a fluir com a extinção deste.

Essa distinção escapa à originalidade, tendo em vista que esse critério já fora utilizado, e até hoje o é, quando do entendimento de institutos típicos justrabalhistas, quais sejam os da prescrição total e parcial.

Nesse sentido, o que se buscará aqui provar é que a análise da possibilidade ou não do reconhecimento ex officio da ocorrência do fenômeno da prescrição não passa pelo exame da natureza das verbas que compõem a res in judicio deducta, mas sim, da possibilidade ou não de livre manifestação de vontade daquele cujo direito fora violado. Isto é, da real (im)possibilidade fática do exercício livre do direito de ação; efetivação da pretensão quando ainda vigente a relação de emprego.

De toda sorte, buscaremos aqui defender a aplicabilidade mitigada do novo instituto da prescrição numa perspectiva constitucional, em homenagem à técnica de ponderação de interesses, sendo que o debate aqui desenvolvido se resumirá à aplicação do instituto pelo juiz do trabalho, no exercício típico de suas atribuições, qual seja, na análise das lides decorrentes da relação de emprego em sentido restrito.

Para tanto, propositalmente, ante o escopo que permeia esse trabalho, não trataremos daquelas relações de trabalho que passaram a ser da competência da Justiça do Trabalho com o advento da Emenda à Constituição número 45.

A Ordem Constitucional brasileira, funda-se, como é cediço, na primazia da proteção da dignidade humana. Nesse prisma, toda e qualquer interpretação da legislação constitucional, infraconstitucional ou supralegal, deve passar por uma análise acerca da sua compatibilidade com esse postulado.

Problema
O tema posto em comento tem sido debatido à luz da natureza jurídica das verbas trabalhistas o que, apesar de não equivocado, resta em nosso sentir, insuficiente.

Em suma, aqueles que defendem a aplicação do paráfrago 5º do artigo 219 do Código de Processo Civil (CPC) nos campos trabalhistas o fazem alegando que:a-) há omissão da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) quanto ao tema aplicando-se subsidiariamente o direito comum (artigos 8º, parágrafo único e 769 da CLT); b-) sua aplicação não se volta contra os príncípios do direito processual e material do trabalho; c-) a inovação legislativa mudou a natureza jurídica da prescrição, tornando-a de ordem pública; d-) a regra da declaração de ofício está de acordo com os princípios da máxima efetividade e da celeridade processuais; e-) a prescrição é medida de pacificação das relações jurídicas, fundamento-se a sua declaração de ofício e f-) as verbas de natureza trabalhistas, apesar de alimentares, não estão imunes à prescrição haja vista que a prescrição trabalhista tem previsão constitucional.

De outro lado, sustentando a impossibilidade de decretação de ofício da prescrição pelo juiz trabalhista, ventilam-se os seguintes argumentos: a-) não pode ser declarada de ofício a prescrição trabalhista, haja vista a sua natuera alimentar; b-) a aplicação da regra trazida pela lei n. 11.280/06 apresenta incompatibilidade com as normas trabalhistas, não se lhe aplicando o artigo 769 da CLT; c-) a declaração de ofício fere a própria natureza do Direito do Trabalho que desde sua criação tem por fundamento a melhoria das condiçoes de vida do trabalhador (natureza finalísica do Direito do Trabalho); d-) a declaração de ofício da prescrição pelo juiz trabalhista feriria frontalmente o princípio protetor inserto no artigo 7º da CRFB e e-) existência de norma celetista expressa, prevendo a alegação de prescrição como matéria de defesa (artigo 884, parágrafo 1º).[3]


Inobstante a eloquência de todos os argumentos supramencionados, retirados da compilação elaborada por Mauro Schiavi, quer nos parecer, ainda, que o ponto crucial da discussão não se resume a qualquer deles. É que o instituto da prescrição visa, de fato, à pacificação social, estabilizando-se relaçoes jurídicas pendentes de discussão.

O instituto da prescrição consiste numa espécie de garantia ao suposto devedor, que não poderia esperar por tempo indeterminado a ação do credor, suportando sobre sua cabeça verdadeira espada de Dâmocles.Trata-se de um meio de se por fim à possibilidade de ser demandado, não se extinguindo o direito, haja vista a impossibilibidade de restituição do pagamento efetuado de dívida prescrita, da utilização do título como matéria de defesa, bem como a subsistência da obrigação natural.

O que se quer aqui sustentar é que se por um lado o instuto da prescrição serve de garantia ao devedor que não pode ficar submetido à vontade do credor por ilimitado lapso temporal, por outro, o instituto visa à punição do credor inerte.

Buscaremos provar que inerte seria o credor que podendo exercer sua pretensão – pela via do direito de ação – de forma livre, não o faz. Ora, não há como se distanciar da realidade dos fatos. É cediço que o empregado na vigência do contrato de trabalho não é livre para manifestar sua vontade, sabendo-se que, se postular em juízo um direito seu em face do empregador, muito provavelmente terá o seu contrato de trabalho resilido.

Nesse ponto, sugeriremos que a aplicação de ofício pelo juiz trabalhista só se deva proceder quando se tratar da prescrição bienal, ocasião em que, uma vez extinto o pacto laboral, não sofrerá o empregado qualquer tipo de coação – direta ou indireta – para o não exercício da sua pretensão por meio da ação.

Surgirão vozes então a sustentar a impossibilidade de tratamento diferenciado de um mesmo instituto – a prescrição – impossibilitando que o magistrado trabalhista conheça de ofício de um tipo de prescrição e de outro não.

Ocorre que, no direito do trabalho, a prescrição não sofre tratamento isonômico em todos os casos. Citem-se, por exemplo, as diferenças entre a prescrição total e a parcial.

Somente nesse ramo do direito, aplicam-se, na vigência do contrato de trabalho tratamento desigual a créditos cuja fonte tem natureza distinta, ou seja, aplica-se no direito do trabalho a regra da prescrição total para os créditos derivados de normas pactuadas individualmente ou previstas em regulamento de empresa; e a prescrição parcial para aquelas de ordem pública, aí incluídas as legais, supralegais e negociadas coletivamente.

Além disso, conforme se demonstrará da análise da jurisprudência consolidada do Tribunal Superior do Trabalho, o tribunal adota um outro critério, qual seja o do ato único. Assim, adota para as prestações únicas um tipo de prescrição, adotando outro quando se depara com prestações de trato sucessivo.

Não há óbice, pois, para que nesse ramo especializado, informado por princípios de altíssima valia social, criem-se novos parâmetros a fim de se adaptar a nova regra trazida pela lei n. 11.280/06.

Portanto, nem a aplicação e nem a desaplicação total da nova regra são capazes de conciliar o que de melhor havia na regra anterior, com as beneces trazidas pela nova regra.

Se por um lado a vedação da declaração de ofício da prescrição pelo juiz trabalhista é prejudicial ao trabalhador, impõe-se um mínimo de garantia ao devedor-empregador e por consequência a toda a sociedade.

Além disso, negar a aplicação da nova regra a todos os casos, seria ir de encontro ao princípio da celeridade inerente ao processo laboral e à regra da duração razoável do processo prevista no artio 5º, LXXVIII, da CRFB.

Cumpre ao inérprete, pois, ponderar entre o interesee público à razoável duração do processo e a estabilização das relações jurídicas de um lado, e da proteção ao trabalador do outro.


É nesse sentido que, para nós, aplicar-se-ia a regra inserta no parágrafo 5º do artigo 219 do CPC somente em relação à prescrição bienal, caso em que, de fato, se quedou inerte o credor trabalhista.

De outro lado, como não há liberdade material – de fato – na vigência do contrato de trabalho, mormente pelo sabido temor do empregado em o ver resilido, o juiz, tendo em vista o princípio protetor, não podeira pronunciar a prescrição de ofício.

Enfrentamento do tema
A análise do tema posto requer, de imediato, a definição do objeto a que se dedica esse estudo, qual seja a prescrição. Conforme salienta Maurício Godinho Delgado: “definir um fenômeno consiste na atividade intelectual de apreender e desvelar seus elementos componentes e o nexo lógico que os mantém integrado.”[4]

Assim, podemos definir a prescrição como sendo “…a perda da pretensão de reparação do direito violado, em virtude da inércia do seu titular, no prazo previsto pela lei”[5]. Ademais, “constitui-se como uma pena para o negligente, que deixa de exercer seu direito de ação, dentro de certo prazo, ante uma pretensão resistida”[6]. Essa a definição da prescrição extintiva.

O tempo, sempre importou ao direito, sendo que o decurso de certo lapso temporal é responsável tanto pela perda de direitos como também pela sua aquisição. É o que ocorre com a usucapião, forma originária de aquisição da propriedade pela não oposição de terceiros à posse, por tempo legalmenete determinado.

Outro fenômeno jurídico resultante da ocorrência do tempo é a decadência. Essa se diferencia da prescrição porque extingue o próprio direito, enquanto aquela a pretensão. Assim, oportuna a lição de Eduardo Rockenbach Filho:

“Pode-se, inclusive, traçar um paralelo entre a prescrição e a decadência, segundo o qual a primeira incidiria sobre direitos sunjetivos, enquanto a segunda, sobre direitos potestativos. Embora não seja esse o objeto desse estudo, cabe referir, de passagem, que a decadência fulmina o próprio direito da pessoa, e não apenas sua pretensão (até porque, reiterando, em direitos potestativos não existe pretensão)”[7].

Nada obstante a importância dos institutos da prescrição aquisitiva e da decadência, voltaremos os olhos à função do tempo em relação à prescrição extintiva, que é o objeto desse trabalho.

No direito do trabalho pátrio, a prescrição é regulada pela Constituição Federal, que em seu artigo 7º, inciso XXIX, preconiza o direito de ação em relação aos créditos trabalhistas com “prazo prescricional de cinco anos para os trabalhadores urbanos e rurais, até o limite de dois anos após a extinção do contrato de trabalho”[8].

Previu o poder constuinte duas espécies distintas de prescrição, uma ocorrente durante a vigência do contrato de emprego, e outra cujo início se dá após o término desse. O que se quer aqui mostrar, é justamente a diferenciação dos dois institutos e a compatibilização que se faz necessária, face à novel previsão legal de reconhecimento de ofício da prescrição pelo juiz.

Assim, não se pode tratar igualmente situações claramente desiguais. É que a primeira espécie de prescrição, a quinquenal, obstaculiza ao juiz a sua declaração de ofício. É que na vigência do contrato de trabalho, o empregado não é livre, substancialmente, para exercer o seu direito de ação.

Nessa esteira, tem se manifestado a doutrina:
" O sistema prescricional no direito do trabalho traz o empecilho que não está presente em outras searas do direito e que diz respeito à efetivididade autonomia da vontade (sic). Entre os atos-fatos geradores de direitos e deveres no contrato subordinado está a ausência de garantia de emprego e, via de consequência, a possibilidade de dispensa sem justa causa, como um ato incondicionado do empregador. Isto significa que, paradoxalmente, a opção por deixar o tempo fluir, na relação não-eventual, não é incondicionada sob o prisma do empregado: ele sabe que, se reclamar, porá em risco o seu emprego”[9].

Por essa razão a aplicação da nova regra que determina ao juiz aplicação de ofício da prescrição, não se mostra oportuna. O direito do trabalho é por sua própria natureza, eivado de alta carga finalística, qual seja a melhoria das condições de vida do trabalhador.

Aliás, essa característica é expressa no texto constitucional quando, na cabeça de seu artigo 7º, prevê que são direitos dos trabalhadores, além dos ali mencionados

, “outros que visem à melhoria de sua condição social”[10]. Trata-se, de previsão expressa na Constituição, do princípio da proteção.

Segundo Maurício Godinho Delgado:
"informa este princípio que o Direito do Trabalho estrutura em seu interior, com suas regras, institutos , princípios e presunções próprias, uma teia de proteção à parte hipossuficiente na relação empregatícia – o obreiro –, visando retificar (ou atenuar), no plano jurídico, o desiquilíbrio inerente ao plano fático do contrato de trabalho”[11].

Não por acaso, essa limitação à autonomia da vontade do empregado na vigência do contrato de trabalho, fez com que se construísse todo um sistema de proteção ao empregado. Nessa linha, seguindo os ensinamentos de Plá Rodriguez, afirma Sérgio Pinto Martins que “…o princípio da proteção pode ser desmembrado em três: (a) o in dubio pro operario; (b) o da aplicação da norma mais favorável ao trabalhador; (c) o da palicação da condição mais benéfica ao trabalhador”[12].

No que toca ao subprincípio da aplicação da norma mais favorável ao trabalhador, faz-se necessário buscar no ordenamento jurídico, as regras aplicáveis para se dirimir conflitos trabalhistas, quando o tema é a prescrição.

Salienta parte da doutrina que, inobstante a previsão constitucional de duas espécies de prescrição e dois diferentes prazos, o instituto em si, nunca foi tratado de forma diferente nos sítios do direito do trabalho, que sempre se socorreu do direito comum em relação ao tema. Assim, salienta Eduardo Rockenbach Filho que:

“Em síntese: não existe prescrição trabalhista, a par da prescrição civil. A prescrição é um instituto só, que é regulado pelo direito civil e assim aplicado no direito do trabalho. O direito do trabalho possui um regime específico quanto ao prazo de prescrição (CF, art. 7º, XXIX), mas não quanto à prescrição em si”[13].

Ocorre que, no sistema trabalhista pátrio, tanto as regras de direito material quanto as de direito processual comuns, só terão aplicabilidade no direito do trabalho quando da existência de dois requisitos, quais sejam o da existência de lacuna e o da inexistência de incompatibilidade com os princípios desse ramo especializado.

Sábias as lições de Arion Sayão Romita:
“Por força do princípio da subsidiariedade, portanto, o direito civil, quer material quer processual, será aplicável às relações de trabalho uma vez que se a ocorrência conjunta de dois requisitos: 1º. lacuna na lei trabalhista; 2º. compatibilidade entre a disposição da lei civil e as normas trabalhistas. Se houver disposição expressa na legislação do trabalho, o direito comum não será invocado. Se a norma de direito comum for incompatível com a legislção do trabalho, ela também não terá espaço para aplicação.”[14]

Nesse passo, a Consolidação das Leis do Trabalho, prevê, em seu artigo 769 que:
“Art. 769 – Nos casos omissos, o direito processual comum será fonte subsidiária do direito processual do trabalho, exceto naquilo em que for incompatível com as normas deste Título.” [15]

E no artigo 8º, parágrafo único que:
“Art. 8º – …Parágrafo único. O direito comum será fonte subsidiária do direito do trabalho, naquilo em que não for incompatível com os princípios e fundamentos deste.”[16]

Ora, cumpre ao intérprete, pois, análisar caso a caso se cabe a aplicação subsidiária da norma de direito comum ao direito do trabalho. No caso em tela, a doutrina não uníssona.

Para Carlos Henrique Bezerra Leite, apesar da ressalva de que se faz necessário o contraditório, é aplicável ao direito do trabalho a nova regra do § 5º, do artigo 219 do Código de Processo Civil:“…podemos dizer que é válido o pronunciamento judicial de ofício da prescrição nos domínios do processo do trabalho, desde que o juiz, antes de fazê-lo, abra vista dos autos ao autor, para que demonstre a existência de causa impeditiva, interruptiva ou suspensiva da prescrição, valendo o silêncio como renúncia tácita.”[17]

Na mesma linha Eduardo Rockenbach Filho:
“A sociedade, por meio de seus repreentantes parlamentares, optou por enfrentar a crise de lentidão das ações judiciais utilizando-se desse instrumento. Não é, certamente, o instrumento mais justo, e talvez não seja o mais eficaz; mas é, no momento, aquele democraticamente escolhido para ser aplicaso. Daí se concluir pela aplicação ao processo do trabalho da regra insculpida no § 5º do art. 219do CPC, devendo o juiz do trabalhopronunciar, de ofício, a prescrição da pretensão trabalhista.”[18]

Em posição diametralmente oposta, é a doutrina de Arion Sayão Romita. Para ele, o plrincípio da subsidiariedade da aplicação da norma civil no direito do trabalho não se aplica no caso. É que para o autor, tal norma seria incompatível com os princípios que regem a matéria.

Para o autor:“Parece extreme de dúvida que a pronúncia de ofício da prescrição pelo juiz do trabalho não se insere entre as medidas tendentes a melhorar a posição social dos trabalhadores. Tal pronúncia, se ocorrente, beneficiará exclusivamenteo empregador, no caso, devedor inadimplente, afetando direito do trabalhador em detrimento de sua condição social.”[19]

Na defesa da não aplicação da nova regra ao processo de trabalho, Daniel Lisboa apresenta outra justificativa. Para o autor, o instituto da prescrição não mode ter sua natureza modificada, já que há séculos sempre regulou a perda da pretensão nos direitos disponíveis do sujeito. Ora, se assim o é só o próprio sujeito teria interesse direto em a ver alegada.

Isso porque, diferententemente dos direitos tutelados pela decadência, cujo interesse primário em a ver declarada é da sociedade, na prescrição o interesse coletico é apenas mediato. Destarte, “… a busca da celeridade não pode ser desculpa para a inversão de toda a ciência do Direito.”[20]

Para ele, a inovação legislativa é, inclusive, inconstitucional:
“Por fim, tem-se apontar que a determinação legal é inconstitucional, pois fere os princípios constitucionais da isonomia e da paridade de armas, este último decorrência do princípio do devido processo legal. Isso porque se o titular do direito é negligente e deixa transcorrer o prazo prescricional, sofrerá do ordenamento uma punição, a perda da pretensão. Agora, se o devedor, tão ou mais negligente, além de não cumprir sua obrigação ainda deixa de se defender a contento, não invocando a prescrição no momento oportuno ( e o ordenamento é bem complacente quanto a esse momento – consoante art. 193 do Código Civil), este último será tutelado pelo Juiz, e sua defesa será integrada, de ofício, por um ente que se mpre buscou ser imparcial.”[21]

Não é essa porém, a posição sustentada por Carlos Henrique Bezerra Leite, para quem não “…parece sustentável a tese de inconstitucionalidade da decretação judicial de ofício da prescrição, pois o instituto pertence, inclusive, ao Direito Constitucional do Trabalho, tendo em vista o disposto no inciso XXIX do art. 7º da CF.”[22]

Nesse particular, seguimos a posição de Bezerra Leite. Isso porque, conforme salienta Rockenbach Filho, a prescrição “nunca foi instituto associado ao valor justiça, mas sim ao valor segurança.”[23] Daí a justificativa da própria exsistência dos prazos prescricionais.

Por esses e outros fundamentos, parece-nos razoável fazer a distinção entre a prescrição bienal, que ocorre após o término do contrato de trabalho, e a quinquenal, ocorrente durante o contrato de trabalho.

Adiminto-se que, de fato, que o instituto da prescrição apresenta traços de direito material e de direito processual; que o direito trabalhista não o conceitua e, por essa razão, sempre se socorreu das definições do direito comum, bem como aceitando-se a lacuna normativa, passa-se à análise não da aplicação subsidiária do novo instituto, mas do seu modo de aplicação.

Num exercício de ponderação de princípios, quais sejam o princípio da proteção versus o princípio da celeridade processual, defendemos a prevalência do primeiro, porquanto resta-nos evidente, que na vigência do contrato de trabalho, o empregado não é livre para exercer o seu direito de ação.

Para ilustrar o nosso ponto de vista, traremos à baila, interessantíssima alegoria trazida por Márcio Túlio Viana:
“Suponhamos que um dia eu entre numa padaria, peça um pão e não pague. O que acontecerá? Certamente, a moça – pois é sempre uma moça – me chamará, exgindo o dinheiro. Se eu ignorar seus apelos, é provável que apronte um escândalo.

Mas se, no dia seguinte, eu conseguir emprego noutra padaria, e o patrão não me pagar à hora extra (sic), o que acontecerá? Se a minha coragem permitir, pedirei educadamente que ele me pague; mas caso ele não me atenda, não atendido estarei.

Esta diferença talvez possa ser explicada pelo fato de que – ao contrário do que acontece nos contratos em geral – é o devedor, e não o credor, quem detém o poder no contrato de trabalho.”[24]

Prossegue Túlio Viana, salientando que no direito do trabalho brasileiro seria um paradoxo o legislador proteger o trabalhor, tolhindo sua liberdade para contratar, e ao mesmo tempo, liberando-o para renunciar ao exercício de seus direitos.

Por essa razão, aquele doutrinador propugana solução diversa. Só se admitiria a prescrição em situaçãos em que o empregado tivesse estabilidade no emprego.[25] Para nós essa posição, de não aplicação da prescrição na vigência apesar de louvável pelo seu altíssimo grau de justiça, não se coaduna com o disposto no texto constitucional.

É que a opção pela prescrição quinquenal é expressa na Constituição. De outro lado, deve-se, num exercício de interpretação conforme à constituição[26], assegurar que as normas materiais e processuais que regem a prescrição sejam interpretadas de maneira a privilegiar o valor social do trabalho e o princípio da proteção.

Desse modo, o único modo de fazê-lo seria impossibilitar, ao menos, que essa prescrição quinquenal, seja de ofício declarada pelo juiz, porquanto não admití-la seria ir de encontro com o que dispõe a Constituição da República.

[1] Redação antiga: “§ 5º Não se tratando de direitos patrimoniais, o juiz poderá, de ofício, conhecer da prescrição e decretá-la de imediato”. Nova Redação: “§ 5o O juiz pronunciará, de ofício, a prescrição”.

[2] “Art. 194. O juiz não pode suprir, de ofício, a alegação de prescrição, salvo se favorecer a absolutamente incapaz.”

[3] SCHIAVI, Mauro. Novas reflexões sobre a prescrição de ofício no direito processual do trabalho. LTR – SUPLEMENTO TRABALHISTA. São Paulo, n. 049, p. 217-220, 2007

[4] DELGADO, Maurício Godinho. Curso de direito do trabalho. 7. Ed. São Paulo: LTr, 2008. 49 p.

[5] AMARAL, Francisco. Apud GAGLIANO, Pablo Stolze. PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Novo curso de direito civil, volume 1: parte geral. 10 ed. São Paulo: Saraiva, 2007. 455 p.

[6] DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro, volume 1 – Teoria geral do direito civil. 16 ed. São Paulo: Saraiva, 2000. p. 247.

[7] PIRES, Eduardo Rockencach, O pronunciamento de ofício da prescrição e o processo do trabalho. São Paulo: LTR – SUPLEMENTO TRABALHISTA, 087/08. 426 p.

[8] BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil: promulgada em 5 de outubro de 1988. Disponível em: . Acesso em 23 ago. 2009.

[9] LOPES, Mônica Sette. A prescrição de ofício e o processo do trabalho – o interno e o entorno. Revista LTr. São Paulo: 2008. 1220 p.

[10] BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil: promulgada em 5 de outubro de 1988. http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constituiçao.htm. Acesso em 23 de agosto de 2009.

[11] DELGADO, Maurício Godinho. op.cit. 198 p.

[12] MARTINS, Sérgio Pinto. Direito do Trabalho. 16 ed. São Paulo: Atlas, 76/77 p.

[13] PIRES, Eduardo Rockencach, op. cit. 427 p.

[14] ROMITA, Arion Sayão. Pronúncia de ofício de prescrição trabalhista. Justiça do Trabalho, 279/HS, 27p.

[15] BRASIL. CLT. Consolidação das Leis do Trabalho: Decreto-Lei Nº 5.452, de 1º de MAIO de 1943. http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Decreto-Lei/Del5452compilado.htm. Acesso em 23 de agosto de 2009

[16] CONSOLIDAÇÃO DAS LEIS DO TRABALHO / (coordenadores) Armando Casimiro Costa, Irany Ferrari, Melchíades Rodrigues Martins, São Paulo: LTr, 2009. 41 p.

[17] LEITE, Carlos Henrique Bezerra. A prescrição ex ofício e a possibilidade de sua aplicação no processo do trabalho. Revista do TST, Brasília, vol. 74, jan/mar 2008. 93 p.

[18] PIRES, Eduardo Rockencach, op. cit. 428 p

[19] ROMITA, Arion Sayão. op.cit 28p

[20] LISBOA, Daniel. Em busca da celeridade perdida – A declaração de ofpicio da prescrição. Brasília: JUSTIÇA DO TRABALHO, 279: 26-29. mar. 2007, 90 p.

[21] LISBOA, Daniel. op. cit. 92 p.

[22] LEITE, Carlos Henrique Bezerra. op cit. 86 p.

[23] PIRES, Eduardo Rockencach, op.cit. 426 p.

[24] VIANA, Márcio Túlio. Os paradoxos da prescrição quando o trabalhador se faz cúmplice involuntário da perda de seus direitos. Revista LTr. São Paulo: Nov/2007. 1335 p.

[25] Idem, ibidem. 1336 p.

[26]“A interpretação conforme à Constituição encontra suas raízes na jurisprudência do Tribunal Constitucional Federal Alemão. Não resta dúvida de que a norma para ser constitucional há de ter pelo menos um dos seus sentidos em consonância (compatível) com a Lei Maior. O princípio da interpretação conforme à Constituição tem sua particularidade fixada, nos recursos que a Corte Suprema vai buscar para apurar essa conformidade. Trata-se de um recurso extremo que busca dotar de validade a norma tida como inconstitucional. O intérprete depois de esgotar todas as interpretações convencionais possíveis e não encontrando uma interpretação constitucional da mesma, mas também não contendo a norma interpretada nenhuma violência à Constituição Federal, vai verificar-se se é possível pelo influxo da norma constitucional levar-se a efeito algum alargamento ou restrição da norma que a compatibilize com a Carta Maior. Todavia, tal alargamento ou restrição da lei não deve ser revestida de uma afronta à literalidade da norma ou à vontade do legislador. Pode-se dizer que graças a sua flexibilidade, o princípio da interpretação conforme à Constituição permite uma renúncia ao formalismo jurídico e às interpretações convencionais em nome da idéia de justiça material e da segurança jurídica, elementos tão necessários para um Estado democrático de direito”. In BASTOS, Celso Ribeiro. As modernas formas de interpretação constitucional . Jus Navigandi, Teresina, ano 3, n. 27, dez. 1998. Disponível em: . Acesso em: 25 mar. 2009.

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