Exposição judicial

Discussão no STF põe e tira figuras de pedestal

Autor

  • Walter Ceneviva

    é advogado e ex-professor de direito civil da PUC-SP. É autor entre muitas outras obras do livro "Direito Constitucional Brasileiro". Mantém há quase 30 anos a coluna Letras Jurídicas na Folha de S. Paulo.

4 de maio de 2009, 11h12

Tanto o presidente do Supremo Tribunal Federal, ministro Gilmar Mendes, quanto o ministro Joaquim Barbosa, membro daquela corte, pareceram atingidos por uma amnésia institucional na áspera discussão de dez dias atrás. Gilmar, porque não suspendeu a sessão assim que vazou o caldo da elegância; Joaquim, por se desmedir na despropositada alusão a capangas de Mato Grosso contra o colega da corte da qual participa.

Foi motivo de preocupação generalizada o descontrole inoportuno no debate, embora mantido o formalismo do ‘vossexcelência pra cá e pra lá’, sem preservar o STF.

Por outro lado, não se vai exigir o pré-requisito de ter sangue de barata para chegar à corte de Justiça, cujo papel precípuo é o de ser guardiã da Constituição.

Onde, pois, o modo de conseguir colher bons frutos de um mau episódio? Ressentimentos e dúvidas hão de ser obliterados em primeiro lugar, mesmo que não esquecidos. Numa Casa na qual o exame dos temas envolve o interesse da própria nação, a marca das convicções há de levar a confrontos de opinião. Ótimo que assim seja. Sem picuinhas.

Não se quer que o pronunciamento de cada voto seja isolado, afastada a crítica dos elementos dos quais venha composto, mesmo em se sabendo ser esse o perfil dominante em alguns tribunais. A discussão é elemento qualificado para o aprimoramento democrático, na busca da verdade jurídica.

O debate é símbolo da democracia, embora o cidadão comum, indicando aqui quem seja desabituado das filigranas jurídicas, não entenda muitas vezes o porquê de alguns resultados exigirem muito tempo no exame de matéria processual, que lhe parece excessivo ou inútil.

Em parte, esse é o preço a pagar no aprendizado da divulgação ao vivo, para toda a sociedade, pela TV, que, aliás, tem ido muito bem.

Quem não tem coragem de defender as próprias ideias não é digno delas, já li em algum lugar. A defesa, numa apresentação pública, aumenta o quadro da fragilidade humana quando transposta para esse diálogo novíssimo, do Judiciário com a cidadania.

Não é, porém, um mal em si mesmo. Põe e retira figuras do pedestal da estrutura judicial. Amplia responsabilidades e cobranças para tudo quanto os juízes digam. Ou não digam. O lado ruim dessa exposição só será irreparável quando o talento histriônico desbordar para além de certos limites (limites impossíveis de traçar por antecipação), expondo fraquezas ou ocultando desvios, a dano dos interesses superiores da Justiça oficial para todos.

Num grupo tão pequeno, de apenas 11 pessoas, enfrentando assuntos que raramente são de interesse restrito, a sustentação das posições próprias do julgador é fundamental, filtrada pela diferença substancial de pessoa a pessoa.

A novidade do uso da TV nas sessões plenárias foi posta em dúvida por uma parte do mundo jurídico depois da incidentada reunião em que a altercação levou (com atraso) à suspensão dos trabalhos. Colheu-se, porém, algum benefício, um dos quais nascido do ministro Marco Aurélio: é o de que o STF precisa autodisciplinar seus horários, os intervalos no cumprimento de suas pautas, para além dos julgamentos. Não será muito, mas um passo à frente no devido respeito às partes.

Artigo publicado originalmente na edição desta segunda-feira, 5 de maio, no Jornal do Commercio.

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  • Brave

    é advogado e ex-professor de direito civil da PUC-SP. É autor, entre muitas outras obras, do livro "Direito Constitucional Brasileiro". Mantém há quase 30 anos a coluna Letras Jurídicas, na Folha de S. Paulo.

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