Interpretações diversas

Dispositivos podem criar barreiras à informação

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3 de maio de 2009, 11h53

[Editorial do jornal Folha de S. Paulo deste domingo (3/5)]

Defesas fundamentadas da liberdade de expressão e do direito à informação foram apresentadas na quinta-feira, na sessão do Supremo Tribunal Federal que decidiu, por maioria de votos, pela incompatibilidade total entre a Lei de Imprensa, de 1967, e a Carta de 1988. Unânimes na sustentação desses princípios básicos, os ministros do STF divergiram, entretanto, num aspecto essencial.

Cumpria optar entre a abolição completa da lei atual — editada no regime militar — e a manutenção de alguns de seus artigos, sobre os quais não pesa o espírito autoritário que caracterizava o diploma em seu conjunto. Assim formulada, a questão envolve alguma minúcia técnica, mas suas repercussões práticas se revestem de grande relevância.

Aparentemente, qualquer lei específica sobre o assunto tenderia a conflitar com a plena garantia dos direitos à expressão e à informação. A esta visão se inclinaram alguns ministros do Supremo. Outros membros da Corte admitiram, em tese, a possibilidade de uma lei específica.

Mesmo assim, sete dos 11 ministros julgaram mais indicado abolir toda a lei. Tanto seus aspectos mais repressivos — os quais, depurados na própria atividade do direito, já haviam deixado de vigorar — como os mecanismos isentos desse caráter fariam parte de um conjunto único, que seria incorreto desmembrar.

Resultou minoritária a tese de que certos artigos do diploma deveriam ser mantidos. Seria esta, na verdade, a decisão mais apta a garantir o pleno direito à informação. Embora a Constituição o assegure plenamente, na legislação civil e penal há dispositivos capazes de inspirar empecilhos a esse princípio, em especial quando casos duvidosos são julgados em primeira instância.

Já se registraram, nessa esfera judicial, decisões em favor do recolhimento de biografias publicadas, supostamente por conterem material ofensivo à memória de personalidades reais. A censura prévia e a intimidação judicial sobre publicações menores e independentes — ou sobre indivíduos que, cada vez mais, se valem da internet para fazer jornalismo e emitir suas opiniões — tornam-se assim um risco.

Na falta do núcleo não autoritário da lei, decisões relativas às várias formas de manifestação da imprensa estão entregues, a partir de agora, a interpretações fragmentárias e por vezes intempestivas de juízes singulares. Uma das principais fontes de incerteza, decerto, será a ausência de parâmetros para o direito de resposta — o que vai afetar não só empresas jornalísticas, mas sobretudo o cidadão que se sentir ofendido por uma publicação.

Grandes companhias de comunicação podem, sem dúvida, prosseguir na defesa do direito à informação, apelando a instâncias superiores, onde o princípio encontra abrigo sólido. Mas só por meio de uma Lei de Imprensa estariam os órgãos de comunicação regionais, os sites isolados da internet e os cidadãos em geral mais bem protegidos das ameaças, que nunca cessam.

Cabe agora ao Congresso abreviar o perigoso vácuo que se abre com a decisão do STF, elaborando uma nova Lei de Imprensa, plenamente democrática.

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