SEGUNDA LEITURA

É ingênuo supor que lei é ruim porque é da ditadura

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  • Vladimir Passos de Freitas

    é professor de Direito no PPGD (mestrado/doutorado) da Pontifícia Universidade Católica do Paraná pós-doutor pela FSP/USP mestre e doutor em Direito pela UFPR desembargador federal aposentado ex-presidente do Tribunal Regional Federal da 4ª Região. Foi secretário Nacional de Justiça promotor de Justiça em SP e PR e presidente da International Association for Courts Administration (Iaca) da Associação dos Juízes Federais do Brasil (Ajufe) e do Instituto Brasileiro de Administração do Sistema Judiciário (Ibrajus).

3 de maio de 2009, 11h38

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Na sessão do dia 30 de abril passado, em ação movida pelo PDT, o Supremo Tribunal Federal, por 7 votos contra 4, considerou revogada a Lei 5.250/67. Os votos vencedores ressaltaram que a chamada Lei de Imprensa foi editada durante o regime ditatorial e que seu objetivo era impedir a liberdade dos meios de comunicação. Vejamos o passado, o presente e o futuro, este pelas consequências da decisão do mais importante Tribunal brasileiro.

Lei de Imprensa é aquela que regula as atividades dos meios de comunicação, as relações e os limites entre o direito à informação e a defesa dos interesses individuais e coletivos. Certamente a primeira lei foi a da França, em 29 de julho de 1881, que influenciou a maioria dos países, como Itália, Espanha, Portugal.
No Brasil a matéria era tratada pela Lei 2.083/53. Este diploma foi revogado pela Lei 5.250/67, que é da primeira fase do regime militar. Com mais de 40 anos de vigência e em um regime político totalmente diverso, a Lei de Imprensa contém dispositivos autoritários e anacrônicos. Além do mais, evidentemente, ela não trata das novas formas de comunicação, em especial a internet, cujo poder de comunicação cresce a cada dia.

Mas, é ingênuo supor que uma lei é necessariamente ruim porque é do regime ditatorial ou que é boa por ter sido feita no regime democrático. Na verdade, naquele período da história, apesar do sabido e reconhecido cerceamento das liberdades individuais, foram editadas boas leis. É daquele tempo e continuam em vigor a Lei 4.898/65 (Abuso de Autoridade), o Decreto-lei 201/67, (Responsabilidade de Prefeitos e Vereadores) e a Lei 6.938/81 (Política Nacional do Meio Ambiente). E foram feitas também leis ruins, bastando mencionar a Lei 6.620/78, que tratava dos crimes contra a Segurança Nacional.

Nas palavras de Freitas Nobre na apresentação, em 1968, daquela que foi a primeira obra sobre a lei em análise: “Se a atual Lei apresenta alguns aspectos negativos e contraditórios, técnicamente ela é a mais ajustada ao estágio contemporâneo da informação, conforme observaremos no exame de cada um de seus artigos.” (Lei da Informação, Saraiva, 1968, p. 4). Aos mais jovens esclarece-se que Freitas Nobre, além de advogado e professor de Direito da Informação da USP foi respeitado Deputado Federal e militava na oposição (PMDB).
Visto o passado, analisemos o presente.

A Lei de Imprensa possui dispositivos não recepcionados pela Constituição de 1988 ou em total inadequação ao momento que vivemos. Por exemplo, o artigo 63, que autoriza o ministro da Justiça a apreender impressos, inclusive livros, que promovam incitamento à subversão da ordem política e social. Ou o artigo 57, parágrafo 6º, que prevê o recurso de agravo de petição contra a sentença.
No entanto, em paralelo, possui dispositivos de grande importância e objeto de jurisprudência consolidada. Para que se tenha uma ideia, no site do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul (www.tj.rs.jus.br), clicando em Jurisprudência e colocando “Direito de Resposta”, surgirão nada menos que 100 precedentes judiciais entre 31.8.1993 e 25.3.2009. Ali estão acórdãos sobre matéria cível (que é preponderante) e criminal, dando ao público noções de saber seus direitos e aos órgãos de comunicação, os seus limites. Em outras palavras: segurança jurídica.
Visto o presente, analisemos o futuro.

Considerada a Lei de Imprensa como não recepcionada pela Constituição, ela está revogada. Portanto, aos casos que doravante surgirem e aos processos em andamento, o intérprete terá que valer-se do artigo 5º, inciso V da CF, que diz: “é assegurado o direito de resposta, proporcional ao agravo, além da indenização por dano material, moral ou à imagem”. Na opinião do deputado Michel Temer, basta aplicar a Constituição. (Estado de SP, 1.5.2009, A4). No entanto, na realidade diária a situação não é tão simples. Vejamos.

Imagine-se que um jornal noticie um fato falso atingindo a honra de alguém. Para ingressar em juízo o advogado do interessado terá que fazer uma construção jurídica que justifique o rito processual adotado e todas as demais medidas que tornem efetiva a jurisdição. O juiz, da mesma forma, decidirá em meio à hesitação decorrente da falta de lei a regulamentar a norma constitucional. E a ninguém será permitido valer-se dos artigos 29 a 36 da Lei de Imprensa de 1967, que há muito disciplinavam a matéria.

Mais grave é a situação do sigilo da fonte. Na Lei de Imprensa o artigo 7º assegura o sigilo quanto às fontes ou origem de informações. Mas agora, dada por revogada a lei, como se procederá? Não será demais lembrar que sem o sigilo não há garantia de uma imprensa livre. Há nisto grave risco à liberdade de imprensa e à democracia.
A parte criminal também foi objeto de muitas referências, porque as penas da Lei de Imprensa são maiores do que as do Código Penal. A discussão é mais teórica do que prática. No Brasil pena máxima só é lembrada quando a mídia noticia um crime revoltante. Na prática judiciária aplica-se, quase sempre, pena mínima ou pouco acima do mínimo legal. E o mínimo, na Lei de Imprensa ou no Código Penal, é o mesmo para os crimes de calúnia (6 meses), difamação (3 meses) ou injúria (1 mês). E mais. A Lei de Imprensa é mais liberal quando trata da decadência do direito (art. 41, § 1º, 3 meses) do que o Código de Processo Penal (art. 38, 6 meses).

Em termos de futuro, o que agora se espera é que o Congresso edite uma nova Lei de Imprensa, inclusive adequada aos novos meios eletrônicos de comunicação. O Projeto de Lei 3.232/92, que tramita na Câmara dos Depurados, não tem nenhuma perspectiva de aprovação a curto prazo. O tema é complexo e envolve expressivos interesses econômicos.

Em suma, estamos diante de uma situação nova com reflexos pouco avaliados. Dada por revogada a Lei 5.250/67 pelo STF, resta adaptar-se à nova situação jurídica (“Roma locuta, causa finita”). A discussão do tema em seminários, com operadores do Direito e profissionais da área de comunicações, pode ser uma via para a solução dos casos pendentes e futuros.

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