Mitos e verdades

O anatocismo sempre esteve no ordenamento jurídico

Autor

  • Eduardo de Oliveira Gouvêa

    é procurador-chefe da Secretaria Municipal de Administração no município do Rio de Janeiro mestre em direito processual civil pós-graduado em direito administrativo direito processual civil e direito constitucional especializado na área de Advocacia Contenciosa Direito Público e Direito Securitário e sócio do C. Martins & Advogados Associados; membro efetivo do Instituto Brasileiro de Direito Processual professor dos cursos de pós-graduação em Direito do Consumidor Direito Societário e Direito Securitário da Universidade Estácio de Sá do curso de graduação em Direito da Universidade Veiga de Almeida do curso CEPAD e da Escola da Magistratura do Estado do Rio de Janeiro

3 de maio de 2009, 3h43

Tem razão o poeta, inspirado na sabedoria popular ao escrever o seguinte verso, que bem retrata a efêmera trajetória da existência humana: “o tempo não para”. Parece que foi ontem, quando em meados de 1987, começava a estudar o tema que procurarei abordar ao longo de alguns ensaios, que foi amadurecido dentro do ambiente do contencioso judicial, e, posteriormente, no exercitamento do mister docente, ministrando aulas na Escola da Magistratura do Estado do Rio de Janeiro (Emerj).

As linhas adiante vertidas têm a pretensão de compartilhar a experiência auferida na trincheira de batalha da labuta forense, bem como a reflexão técnico-científica dos lineamentos do instituto da capitalização de juros, visando a dirimir alguns mitos e, por conseguinte, evidenciar os postulados que hoje podem ser categorizados como verdadeiros.

Anatocismo, capitalização, juros compostos ou juros sobre juros representam invólucros linguísticos do mesmo fenômeno jurídico-normativo, que ocorre tendo como pano de fundo o contrato de mútuo vencido e não pago, vindo, assim, a incidirem as rubricas atinentes ao inadimplemento relativo aos juros de mora.

Assim, o anatocismo ocorre sempre que os juros vencidos sejam incorporados ao capital dimensionando a base de cálculo para vindouros encargos moratórios, criando, em linguagem coloquial, fidedigna “bola de neve” ou “efeito cascata”.

De fato, a questão vem sendo examinada não só pelo prisma jurídico, mas pela sensibilidade de pretensões submetidas ao crivo jurisferante, de partes que em sua atividade empresarial não lograram alcançar o tão almejado êxito, bem assim de clientes enredados na infindável teia de dívidas bancárias.

Eis, então, o palco para a disseminação do mosaico de mitos que foram erigidos ao longo de mais de um século de evolução legal, doutrinária e, fundamentalmente pretoriana, que serão sopesados com a desejável objetividade e previsível concisão como sói acontecer pela limitação das frágeis mãos que aqui dedicam-se a tal empreitada.

O primeiro diploma legal em solo pátrio a cuidar da matéria foi o Código Comercial (art. 253), instituído pela Lei 556, de 25 de junho de 1850, que permitia a capitalização desde que adotasse como parâmetro a periodicidade anual, contendo a seguinte redação:

“Art. 253 — É proibido contar juros de juros; esta proibição não compreende a acumulação de juros vencidos aos saldos liquidados em conta corrente de ano a ano.”

Posteriormente, o Código Civil de 1916 (Lei 3.071, de 1 de janeiro de 1916), em seu artigo 1.262, manifestou-se assim:

“Art. 1.262 — É permitido, mas só por cláusula expressa, fixar juros ao empréstimo de dinheiro ou de outras coisas fungíveis.

Esses juros podem fixar-se abaixo ou acima da taxa legal (art. 1062), com ou sem capitalização.”

Como se vê, ainda que a lei admitisse a capitalização, não houve expressa alusão ao prazo em que os juros compostos seriam reputados como legítimos.

Ao depois, sobreveio o Decreto 22.626/33, que no artigo 4º normatizou assim a questão:

“Art. 4º — É proibido contar juros de juros; esta proibição não compreende a acumulação de juros vencidos aos saldos liquidados em conta corrente de ano a ano.”

Destarte, outra vez a norma jurídica legitimou o anatocismo, sublinhando a anualidade como via pavimentada de sua idônea utilização.

Hodiernamente, o Código Civil em vigor (Lei 10.406, de 10 de janeiro de 2002) também cuidou do instituto, agora pelas tintas do novel artigo 591, reverberando o seguinte enunciado:

“Art. 591 — Destinando-se o mútuo a fins econômicos presumem-se devidos juros os quais, sob pena de redução, não poderão exceder a taxa a que se refere o art. 406 permitida a capitalização anual.”

Estreme de dúvidas, após o cotejo do trato legiferante, a conclusão no sentido de que o anatocismo sempre contou com o amparo no ordenamento jurídico, e na secular evolução histórica dos diplomas legais restou prestigiada a periodicidade anual.

De todo o exposto fica demonstrado que um dos mitos que circundam o tema ora abordado é que o anatocismo não tem base na lei, crença essa que não se pode permitir que perdure diante das evidências do ordenamento jurídico brasileiro, que sempre admitiu a cobrança de juros capitalizado.

Deveras, a questão que remanesce tem como eixo a periodicidade do anatocismo anual ou em período inferior (mensal), mas esse será tema de outro estudo visando a dirimir mais um mito que infelizmente se criou acerca do tema em questão.

Segundo De Plácido e Silva, in vocabulário jurídico, p. 62, 17ª edição, 2000, Forense, atualizado por Nagib Slaib Filho e Geraldo Magela Alves, o vocábulo anatocismo, deriva do termo latino anatocismus de gênese grega, significando usura, prêmio composto ou capitalizado.

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    é procurador-chefe da Secretaria Municipal de Administração no município do Rio de Janeiro, mestre em direito processual civil, pós-graduado em direito administrativo, direito processual civil e direito constitucional, especializado na área de Advocacia Contenciosa, Direito Público e Direito Securitário e sócio do C. Martins & Advogados Associados; membro efetivo do Instituto Brasileiro de Direito Processual, professor dos cursos de pós-graduação em Direito do Consumidor, Direito Societário e Direito Securitário da Universidade Estácio de Sá, do curso de graduação em Direito da Universidade Veiga de Almeida, do curso CEPAD e da Escola da Magistratura do Estado do Rio de Janeiro

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