Passeio frustrado

Família impedida de viajar em cruzeiro é indenizada

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2 de maio de 2009, 8h30

Por impedir uma criança, suspeita de estar doente, de embarcar em um cruzeiro, em Miami, a Royal Caribbean, representada pela Sund and Sea Representações, foi condenada a indenizar uma família brasileira. A juíza Renata Mota Maciel, da 9ª Vara Cível de São Paulo, condenou a empresa a pagar R$ 6,1 mil para cada um, os pais e os três filhos.

A juíza levou em conta o atestado médico apresentado na ação em que a família comprovou que a criança não estava doente, mas que tinha tido uma indisposição na hora do embarque. “Ainda que a alegação de que o procedimento tomado pela Royal Caribbean seja o padrão para os casos de passageiros que apresentem suspeita de enfermidade, não trouxe a ré qualquer justificativa para o mau atendimento ou prova de que houve atendimento adequado ao caso”, disse a juíza, referindo-se ao modo como a empresa chegou à conclusão de que a criança estava doente e ao tratamento dado à família.

A juíza levou em consideração o atestado médico apresentado pela família que comprova que a criança tinha condições de viajar. “Bastava, portanto, uma análise mais apurada do estado físico da criança para que se constatasse a mera indisposição momentânea, que não impediria, sem qualquer risco pessoal ou aos demais passageiros, o embarque”, disse.

Além de afastar o argumento da empresa de que adotou um procedimento comum, a juíza também descartou o de que teria oferecido a mesma viagem no prazo de um ano. “Oferecer viagem nos mesmos moldes daquela que causou transtornos aos passageiros não se mostra adequado, por não configurar meio de reembolso.”

Ao fixar a indenização em R$ 6,1 mil para cada um dos integrantes da família, a juíza observou que o valor é aproximadamente duas vezes o valor individual de um pacote marítimo similar ao contratado. O advogado José Rubens Machado de Campos, que representa a família na Justiça, disse que vai recorrer para aumentar o valor da indenização por danos morais.

Leia a decisão

Processo Nº 583.00.2007.205086-0

Vistos. LEVON TOPDJIAN FILHO, CRISTIANE MARTIN TOPDJIAN, LUIZ FELIPE MARTIN TOPDJIAN, ANA LETÍCIA MARTIN TOPDJIAN E LIVIA MARTIN TOPDJIAN, os últimos três representados pelos dois primeiros, seus pais, ajuizaram a presente ação com pedidos de indenização por danos materiais e morais contra SUND AND SEA REPRESENTAÇÕES, alegando, em síntese, que compraram pacote de viagem de navio, cujo embarque seria em Miami, no transatlântico “Freedom of the the Seas”, viagem que duraria 08 dias, a partir de 14/01/07.

Desse modo, embarcaram em vôo de Manaus rumo a Miami, alugando, também, veículo para o período em que estariam em terra. Ocorre que, no momento do embarque, foram impedidos sob a alegação de que Luiz Felipe estaria com suspeita de doença, em razão de momentânea indisposição, fato constatado sem qualquer exame médico adequado.

Os autores, ainda, tentaram programar o embarque no próximo porto, o que foi negado pela Royal Carbbean, representada pela ré na presente ação. Foi oferecido aos autores tão-somente outra viagem de navio no prazo de um ano, como reembolso da viagem não realizada.

No dia seguinte ao previsto para o embarque, Luiz Felipe foi submetido a exame médico, que constatou que estava apto à viagem. Referem discriminação e mau atendimento, por serem brasileiros. Requerem indenização por danos morais e materiais, conforme emenda das fls. 179/181, nos valores de 50 salários mínimos para cada autor, totalizando 300 salários mínimos, ou seja, R$ 114.000,00 (danos morais); e R$ 14.740,74 – valor do pacote de navio e do aluguel do veículo, convertido em reais na data da compra do pacote, mais R$ 11.898,56 – valor das passagens aéreas de Manaus para Miami (danos materiais). Com a inicial juntaram os documentos das fls. 15/176. Emenda à inicial nas fls. 179/181.

Citada (fl. 192), a ré apresentou contestação nas fls. 193/209, alegando ilegitimidade passiva da ré, requerimento de litigância de má-fé e, no mérito, a improcedência da ação.

Réplica nas fls. 212/220. Parecer do Ministério Público na fl. 228 e verso. Saneador na fl. 229. Audiência de instrução nas fls. 263/269. Parecer do Ministério Público nas fls. 279/284, pela procedência dos pedidos iniciais. Conflito negativo de jurisdição (fls. 291/292 e 331/334). Impugnação ao valor da causa nos autos em apenso, rejeitado pela decisão da fl. 26.


É o relatório.

FUNDAMENTO E DECIDO.

Mantenho a decisão que afastou a preliminar de ilegitimidade de parte, acrescentando que a relação é de consumo, o que permite que os autores ingressem com ação contra qualquer dos integrantes da cadeia de prestação de serviço, assegurada eventual direito de regresso diante da responsabilidade solidária. Nesse aspecto, a responsabilidade da ré está configurada, restando a análise dos danos alegadamente suportados pelos autores, assim como a conduta e o nexo causal.

Os autores relatam episódio envolvendo o atendimento no momento do embarque em transatlântico, para viagem de oito dias. Ainda que a alegação de que o procedimento tomado pela Royal Caribbean seja o padrão para os casos de passageiros que apresentem suspeita de enfermidade, não trouxe a ré qualquer justificativa para o mau atendimento ou prova de que houve atendimento adequado ao caso.

Esse o cerne da questão, ao passo que quaisquer dos argumentos apresentados pela ré, tanto em relação ao veto de embarque de apenas um dos passageiros, Luiz Felipe no caso, assim como à notícia, confirmada pelos autores, de que foi oferecida viagem similar, no prazo de um ano, a título de reembolso, não tem o condão de afastar a conduta ilícita.

Ora, evidente que se viajavam pais e filhos em conjunto, não haveria de se cogitar que deixassem o filho Luiz Felipe em terra e prosseguissem a viagem de férias separadamente. Do mesmo modo, oferecer viagem nos mesmos moldes daquela que causou transtornos aos passageiros não se mostra adequado, por não configurar meio de reembolso.

Destaco, ainda em relação à conduta ilícita, que embora seja procedimento padrão das companhias marítimas a verificação das condições de saúde dos passageiros no momento do embarque, no caso específico dos autos, como ficou demonstrado pelos documentos trazidos pelos autores, a criança Luiz Felipe apresentava condições de embarque, fato, aliás, atestado pelo médico que o atendeu na sequência, conforme documentos das fls. 124/137, devidamente traduzidos para a língua portuguesa. Bastava, portanto, uma análise mais apurada do estado físico da criança, para que se constatasse a mera indisposição momentânea, que não impediria, sem qualquer risco pessoal ou aos demais passageiros, o embarque.

Nesse sentido, ademais, há notícia de descaso pelos funcionários responsáveis pelo embarque, questão que não foi refutada suficientemente pela ré.

Desse modo, extraio a conduta ilícita, assim como o nexo causal em relação aos danos alegados pelos autores, com as ressalvas que seguem em relação aos últimos.

Os autores alegam danos de ordem material relacionados ao valor do pacote marítimo, aluguel de veículo e passagens do Brasil rumo a Miami. Evidente que a viagem marítima não realizada deve ser ressarcida aos autores, convertendo-se em reais o preço cobrado em dólar para a data da compra e, a partir de então, corrigido monetariamente desde o desembolso, com juros de mora a contar de 14/01/2007 – data prevista para o embarque no navio.

Quanto às passagens aéreas para o deslocamento até o porto localizado em Miami, entendo que não há nexo causal a justificar a indenização por danos materiais, até porque os próprios autores confirmam que viajaram a Miami dias antes da viagem de navio, do que se presume planejassem passear em tal cidade antes do passeio marítimo.

Por certo que, caso não tivessem incluído no roteiro da viagem o embarque em navio na cidade de Miami, poderiam ter planejado de outra forma as férias, porém, tal fato será valorado quando da indenização por danos morais, não podendo configurar dano material, como pretendem os autores. Incluo no raciocínio acima o aluguel do veículo para o período em que permaneceriam em Miami, porque evidente que não deixaram de usufruir do veículo, sem qualquer óbice que possa ser imputado ao episódio da tentativa de embarque do transatlântico.

Assim, resta a indenização por danos materiais em relação às despesas com a compra do pacote para a viagem marítima, no caso, conforme documento da fl. 89, no valor de U$ 6,463.82 e, considerado o dólar de 24/11/2006 (data da compra) para a conversão em reais e, a partir de então, corrigido monetariamente desde o desembolso (24/11/2006) pela Tabela Prática do Tribunal de Justiça do Estado, com juros de mora de 1% ao mês, a contar de 14/01/2007 – data prevista para o embarque no navio, já que antes de tal data não há como considerar juros de mora.


Ressalto que, ao contrário do que pretendem os autores, a cotação do dólar não pode servir de atualização monetária para o ressarcimento dos danos materiais.

Quanto aos danos morais, extraio sua ocorrência do episódio que fundamenta o pedido. Os autores planejaram as férias, possivelmente com antecedência, desde que se viaja em férias com a família, de acordo com o padrão médio das famílias detentoras do poder aquisitivo dos autores, não mais que uma vez ao ano, o que torna possível presumir os planos, desejos e expectativas geradas pela viagem, mormente para as crianças, que possivelmente aguardavam o momento da viagem com justificada ansiedade.

Do mesmo modo, ainda que não seja um pesar permanecer em Miami e adjacências por período superior ao programado, no caso específico da família Topdjian, certamente poderiam ter organizado outro destino, caso não tivessem incluído no plano a fracassada viagem marítima.

Assim, tal circunstância, embora não incluída nos danos materiais suportados, mesmo porque efetivamente fizeram a viagem até os Estados Unidos da América, locando veículo para os passeios por terra, eventos que não foram frustrados pelo episódio no porto quando do embarque, será sopesada na quantificação dos danos morais, por configurar, também, transtorno, somado ao específico episódio do veto ao embarque.

Anote-se que a indenização por danos morais possui uma a dupla finalidade. De um lado, busca confortar as vítimas de um ato ilícito, que sofreu uma lesão de cunho íntimo, a qual não se consegue avaliar, porém é possível estimá-la. De outro, nos termos da teoria do desestímulo, é necessária a imposição de uma multa de cunho preventivo, e não repressivo, à infratora, com o intuito de que fatos semelhantes ao ocorrido não mais se repitam.

Nessa linha, “…a lição do mestre Caio Mário, extraída da sua obra Responsabilidade Civil, pp. 315-316, pode nos servir de norte nessa penosa tarefa de arbitrar o dano moral. Diz o preclaro mestre: ‘Como tenho sustentado em minhas Instituições de Direito Civil (v. II, n.176), na reparação por danos morais estão conjugados dois motivos, ou duas concausas: I- punição ao infrator pelo fato de haver ofendido um bem jurídico da vítima, posto que imaterial; II- pôr nas mãos do ofendido uma soma que não é um pretium doloris, porém o meio de lhe oferecer oportunidade de conseguir uma satisfação de qualquer espécie, seja de ordem intelectual ou moral, seja mesmo de cunho material, o que pode ser obtido ‘no fato’ de saber que esta soma em dinheiro pode amenizar a amargura da ofensa e de qualquer maneira o desejo de vingança’ …” (grifos nossos).

Nessa esteira, comprovou a parte autora que o procedimento de atendimento aos passageiros durante o embarque no transatlântico foi indesejável e inadequado, com destaque para o episódio no qual a criança Luiz Felipe sofreu momentânea indisposição, fato que culminou com liminar veto ao seu embarque, por suspeita, diga-se, comprovadamente infundada, de doença.

É fato incontroverso, ainda, que os autores não embarcaram na viagem marítima contratada. Some-se a isso, a notícia de discriminação e mau atendimento aos autores, que estavam em país estranho, sem meios de defender seus direitos na ocasião, além do evidente transtorno ao reprogramarem os passeios de férias diante do evento.

Assim, pode-se concluir que há nexo causal entre a conduta da ré, especificamente por meio dos demais integrantes da cadeia de fornecimento do serviço, no caso os funcionários do navio da Royal Caribbean, e os danos suportados pelos autores.

Resta, portanto, a quantificação dos danos morais: São dois os critérios fundamentais para se fixar o valor da indenização: a intensidade da dor sofrida e a possibilidade econômica do causador do dano.

Para tanto, fundado na teoria do desestímulo, atenta à qualidade das partes e à extensão dos danos, além do desconforto para a vítima e sanção preventiva para o infrator, à luz do critério da razoabilidade, segundo o qual o magistrado, de acordo com o bom senso, deve perquirir a existência do dano moral, e, com cautela, estabelecer o seu montante, em R$ 6.164,00 para cada um dos autores, quantia que corresponde, aproximadamente, a duas vezes o valor individual de um pacote marítimo similar ao contratado pelos autores, importância que entendo suficiente para reparar o mal sofrido, sem trazer enriquecimento ou empobrecimento indevido, sendo certo que o importe é adequado para impor necessária sanção à ofensora. Prejudicado o requerimento de reconhecimento de litigância de má-fé, ausentes os requisitos para sua configuração.

De acordo com todo o exposto, e pelo mais que dos autos consta, JULGO PROCEDENTE em parte o pedido inicial, com fundamento no artigo 269, I, do Código de Processo Civil, para condenar a ré ao pagamento: a) pelos danos materiais, do valor de R$ 13.606,341, que corresponde à conversão em reais do valor de U$ 6,463.82, considerado o dólar (cotação dólar viagem – R$ 2,105) de 24/11/2006 (data da compra), valor que, a partir de então, deverá ser corrigido monetariamente pela Tabela Prática do Tribunal de Justiça do Estado, com juros de mora de 1% ao mês, a contar de 14/01/2007 – data prevista para o embarque no navio; b) pelos danos morais, do valor de R$ 6.164,00 para cada um dos autores, no total de R$ 30.820,00, com incidência de juros de 1% ao mês a partir de 14/01/2007 – data prevista para o embarque no navio, e correção monetária, pela Tabela Prática do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, a partir da data desta sentença, nos termos da Súmula nos termos da Súmula 362 do STJ, porque somente a partir da sentença houve o arbitramento dos danos morais.

Diante da sucumbência preponderante, ressalvando-se que a condenação por danos morais em valor inferior ao requerido não importa em sucumbência recíproca, nos termos da Súmula 326 do Superior Tribunal de Justiça, condeno a ré a arcar com as custas e despesas processuais, além de honorários advocatícios, que fixo em 10% do valor atualizado da condenação. Decorridos quinze dias do trânsito em julgado sem pagamento do valor da condenação pela ré, incidirá multa de 10%, nos termos do artigo 475-J do Código de Processo Civil, hipótese em que, caso a autora pretenda o cumprimento forçado da sentença, deverá apresentar cálculo atualizado do débito, com a incidência da multa retro referida.

Publique-se. Registre-se. Intimem-se.

São Paulo, 27 de abril de 2009.

RENATA MOTA MACIEL

– Juíza de Direito –

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