Calote presumido

Empresas terão de dar bens para pagar ICMS atrasado

Autor

2 de maio de 2009, 1h30

Imagine ter de apresentar bens em garantia ao governo todas as vezes em que há atraso no pagamento de impostos. Pois é assim que a Secretaria da Fazenda Estadual do Rio de Janeiro pode agir em relação a distribuidoras e postos de gasolina a partir de agora. Uma lei promulgada no dia 16 de abril pelo governo do estado altera as regras do registro estadual de empresas e autoriza o fisco a exigir dos contribuintes do setor de combustíveis garantias em bens ou dinheiro sempre que eles tiverem débitos em aberto. O detalhe que mais impressiona é que as exigências poderão ser feitas ainda na fase de cobrança administrativa do imposto, ou seja, quando os débitos sequer estão inscritos em dívida ativa.

A norma que tem deixado os tributaristas de cabelo em pé é a Lei 5.436/09. O texto acrescenta exigências para a Inscrição Estadual de empresas comerciais no Rio de Janeiro. Entre seus artigos, está o 43-B, que estabelece: “A Secretaria de Estado de Fazenda, no caso de atividades de refino e distribuição de combustíveis, poderá exigir a prestação de garantia do cumprimento das obrigações tributárias”. Quem não cumprir a obrigação pode perder a inscrição.

A mudança ainda depende de uma regulamentação da Fazenda estadual, que deve vir por meio de uma portaria. Porém, a lei já adianta as situações em que a imposição pode ser acionada. Contribuintes que tenham “antecedentes fiscais ou criminais que desabonem as pessoas físicas ou jurídicas envolvidas” são os primeiros da lista, mas a lei não define quais serão os antecedentes levados em conta. As empresas que tenham “débitos fiscais definitivamente constituídos” em seu nome ou vinculados aos seus sócios também terão de apresentar bens ao fisco. A regra também se aplica aos casos em que a soma dos tributos devidos alcançar equivalência com a metade do patrimônio conhecido da empresa.

A Secretaria Estadual da Fazenda não se manifestou para explicar a extensão da aplicação da norma. Para os advogados, no entanto, a lei é claramente inconstitucional. O tributarista Eduardo Kiralyhegy, do escritório Negreiro, Medeiros & Kiralyhegy Advogados, afirma que as determinações permitem constrição do patrimônio das empresas antes mesmo que a discussão sobre os débitos termine na esfera administrativa. “É semelhante aos casos já desaprovados pelo Supremo Tribunal Federal de apreensão de mercadorias ou de não autorização de talonários de notas fiscais de empresas devedoras”, compara. Segundo ele, o fisco teve a intenção de se proteger de um possível esvaziamento de patrimônio dos inadimplentes, mas a atitude se baseia numa presunção de que todos são devedores contumazes.

Segundo o advogado, a nova obrigação fere princípios como o da livre iniciativa, prevista no artigo 170, parágrafo único, da Constituição Federal, e o da isonomia, expresso no inciso II do artigo 150 da CF também. Isso porque, além de se aplicar apenas ao setor de combustíveis, a lei não deixa escolha aos devedores, a não ser quitar as dívidas. Com congelamento de bens ou de dinheiro nas mãos do estado, as empresas perdem a capacidade de manobra no mercado. “O engessamento impede que se obtenha financiamentos”, exemplifica.

Na opinião do tributarista Eduardo Maneira, sócio do escritório Sacha Calmon – Misabel Derzi Consultores e Advogados, a lei dá poderes ao fisco que extrapolam sua competência. “A Fazenda acabaria apurando infrações penais e contra a ordem econômica, que caberiam apenas ao Judiciário”, diz. “A lei distorce o conceito de fraude, que envolve dolo e não somente o inadimplemento.”

O mesmo afirma a advogada Viviane O’Connor, do Rzezinski, Bichara, Balbino e Motta Advogados. “O simples inadimplemento de obrigação tributária não constitui infração à lei.” Assim julgou o Superior Tribunal de Justiça no ano passado, ao analisar o Agravo de Instrumento 103.283-1. Os ministros da 2ª Turma negaram provimento a um recurso da Fazenda Estadual de São Paulo que pedia que a dívida de uma empresa extinta recaísse sobre os bens de seus antigos sócios.

O setor de combustíveis já suporta peso tributário maior do que outras atividades. As distribuidoras e os postos de gasolina têm de recolher o ICMS sobre as vendas com base no regime de substituição tributária, uma espécie de antecipação do imposto que teria de ser recolhido fracionadamente ao longo da cadeia de revenda. Como essa antecipação é presumida pela Fazenda Estadual, são constantes as reclamações de que os valores predefinidos para recolhimento são superestimados.

Leia abaixo a lei

LEI Nº 5436, DE 16 DE ABRIL DE 2009.

ALTERA A LEI Nº 2657, DE 26 DE DEZEMBRO DE 1996, QUE DISPÕE SOBRE O IMPOSTO SOBRE CIRCULAÇÃO DE MERCADORIAS E SERVIÇOS E DÁ OUTRAS PROVIDÊNCIAS.

O GOVERNADOR DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO
Faço saber que a Assembléia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro decreta e eu sanciono a seguinte Lei:

Art. 1º Ficam acrescidos ao art. 43 da Lei nº 2657, de 26 de dezembro de 1996, os parágrafos 4º a 6º, com a seguinte redação:
“Art. 43
(…)
§4º A inscrição:
a) poderá ser concedida por prazo certo ou indeterminado, sem prejuízo do disposto no §1º;
b) será denegada, se constatada a falsidade de dados declarados ao Fisco e nas demais hipóteses previstas em ato do Secretário de Estado de Fazenda, na forma do art. 46.
§5º A falta de regularidade na inscrição no cadastro inabilita o contribuinte à prática de operações ou prestações de que trata esta Lei.
§6º Da decisão que indeferir ou que cancelar a inscrição caberá recurso, conforme disciplinada em ato do Secretário de Estado de Fazenda, na forma do art. 46.”
Art. 2º Ficam acrescidos à Lei nº 2657, de 26 de dezembro de 1996, os artigos 43-A, 43-B, 44-A e 44-B, com as seguintes redações:
“Art. 43-A Sem prejuízo dos demais requisitos estabelecidos em ato do Secretário de Estado de Fazenda, na forma do art. 46, a Secretaria de Estado de Fazenda poderá exigir do interessado, antes de deferir o pedido de inscrição:
I – o preenchimento de requisitos específicos, conforme o tipo societário adotado, a atividade econômica a ser desenvolvida, o porte econômico do negócio e o regime de tributação;
II – a apresentação dos documentos adiante indicados, conforme a atividade econômica a ser praticada, que permitam a comprovação:
a) da identidade e da residência dos sócios ou diretores;
b) da capacidade financeira dos sócios ou diretores para o exercício da atividade pretendida.
Art. 43-B A Secretaria de Estado de Fazenda, no caso de atividades de refino e distribuição de combustíveis, poderá exigir a prestação de garantia do cumprimento das obrigações tributárias, em razão:
I – de antecedentes fiscais ou criminais que desabonem as pessoas físicas ou jurídicas envolvidas, assim como suas sociedades coligadas ou controladas, ou ainda seus sócios ou diretores;
II – de débitos fiscais definitivamente constituídos em nome da empresa, de suas sociedades coligadas ou controladas, assim como de seus sócios ou diretores.
§1º As espécies de garantia admissíveis, bem como as normas necessárias à operacionalização do disposto neste artigo serão estabelecidas em ato do Secretário de Estado de Fazenda, na forma do art. 46.
§2º Sem prejuízo do disposto no caput, será exigida a prestação de garantia consubstanciada em depósito em dinheiro, carta de fiança ou arrolamento de bens e direitos que integrem o patrimônio do contribuinte, sempre que a soma dos créditos tributários de sua responsabilidade, relativos a tributos estaduais, exceda a cinquenta por cento do seu patrimônio conhecido.
§3º No interesse da Administração Fazendária poderá ser exigida a substituição da garantia ofertada por outras, bem como o reforço daquela que se tornar insuficiente.
§4º A garantia, quando prestada na forma do arrolamento de bens e direitos, deverá recair preferencialmente sobre bens imóveis.
§5º A existência de arrolamento, nos termos deste artigo, deverá ser informada, na certidão, acerca da situação do contribuinte em relação aos tributos estaduais.
§6º Em substituição ou complemento à garantia prevista neste artigo, poderá a Secretaria de Estado de Fazenda aplicar, ao contribuinte ou responsável, regime especial para o cumprimento das obrigações tributárias.
§7º Concedida a inscrição, a superveniência de qualquer dos fatos mencionados no caput ou no § 1º deste artigo ensejará a exigência de garantia, sujeitando o contribuinte ao cancelamento de sua inscrição, caso não a ofereça no prazo fixado, observando-se o disposto no § 6º do art. 43.
Art. 44-A A inscrição poderá ser cancelada a qualquer momento, garantindo-se o direito do contraditório e da ampla defesa, nas seguintes situações, sem prejuízo de outras hipóteses previstas em ato do Secretário de Estado de Fazenda, na forma do art. 46:
I – inatividade do estabelecimento para o qual foi obtida a inscrição;
II – prática de atos ilícitos que repercutam no âmbito tributário, tais como:
a) participação em organização ou associação constituída para a prática de fraude fiscal estruturada, assim entendido aquela formada com a finalidade de implementar esquema de evasão fiscal mediante artifícios envolvendo a dissimulação de atos, negócios ou pessoas, e com potencial de lesividade ao erário;
b) embaraço à fiscalização, como tal entendida a alta injustificada de apresentação de livros, documentos e arquivos digitais a que estiver obrigado o contribuinte, bem como o não fornecimento ou o fornecimento incorreto de informações sobre mercadorias e serviços, bens, negócios ou atividades, próprias ou de terceiros, que tenham interesse comum em situação que dê origem a obrigação tributária;
c) resistência à fiscalização, como tal entendida a restrição ou negativa de acesso ao estabelecimento ou qualquer de suas dependências, ao domicílio fiscal ou a qualquer outro local onde o contribuinte exerça sua atividade ou onde se encontrem mercadorias, bens, documentos ou arquivos digitais de sua posse ou propriedade, relacionados com situação que dê origem a obrigação tributária;
d) receptação de mercadoria roubada ou furtada;
e) produção, comercialização ou estocagem de mercadoria adulterada ou falsificada;
f) utilização como insumo, comercialização ou estocagem de mercadoria objeto de contrabando ou descaminho.
III – identificação incorreta, falta ou recusa de identificação dos controladores e/ou beneficiários de empresas de investimento sediadas no exterior, que figurem no quadro societário ou acionário da empresa devedora de tributos estaduais ou envolvida em ilícitos fiscais;
IV – inadimplência fraudulenta;
V – práticas sonegatórias que levam ao desequilíbrio concorrencial;
VI – falta de prestação da garantia do cumprimento das obrigações tributárias, prevista no art. 43-B.
§1º A inatividade do estabelecimento, prevista no inciso I do caput será comprovada, por meio da realização de ação fiscal, ou presumida, se decorrente da falta de entrega de informações econômico-fiscais pelo contribuinte, observado o disposto no § 6º do art. 43.
§2º Para fins do disposto no inciso III do caput, considera-se:
a) empresa de investimento sediada no exterior (offshore), aquela que tem por objeto a inversão de investimentos financeiros fora de seu país de origem, onde é beneficiada por supressão ou minimização de carga tributária e por reduzida interferência regulatória do governo local;
b) controlador e/ou beneficiário, a pessoa física que efetivamente detém o controle da empresa de investimento (beneficial owner), independentemente do nome de terceiros que eventualmente figurem como titulares em documentos públicos.
§3º Para fins do disposto no inciso IV do caput, considera-se inadimplência fraudulenta a falta de pagamento de débito tributário vencido, quando o contribuinte detém disponibilidade financeira comprovada, ainda que por coligadas, controladas ou seus sócios.
§4º Para fins do disposto no inciso V, resta caracterizada a prática sonegatória que leve ao desequilíbrio concorrencial, quando comprovado que o contribuinte tenha:
a) rebaixado artificialmente os preços de venda de mercadoria ou de serviço ou se aproveitado de crédito fiscal indevido;
b) conseguido ampliar a participação relativa em seu segmento econômico, em detrimento de seus concorrentes, em decorrência de um dos procedimentos descritos na alínea anterior.
Art. 44-B O ato de inscrição no cadastro de contribuintes será declarado nulo de pleno direito, retroagindo-se os efeitos desde a data de sua concessão ou de sua alteração, nas situações em que, mediante procedimento administrativo em conformidade com a legislação em vigor, for constatada:
I – simulação de existência do estabelecimento ou da empresa;
II – simulação do quadro societário da empresa;
III – inexistência de estabelecimento para o qual foi efetuada a inscrição ou indicação incorreta de sua localização;
IV – indicação de dados cadastrais falsos.
§1º Considera-se simulada a existência do estabelecimento, ainda que inscrito, ou da empresa quando:
a) a atividade relativa a seu objeto social, segundo declaração do contribuinte, não tiver sido ali efetivamente exercida, ou;
b) não tiverem ocorrido as operações e prestações de serviços declaradas nos registros contábeis.
§2º Considera-se simulado o quadro societário para o qual sejam indicadas pessoas interpostas.”
Art. 3º O processo administrativo tributário, originado de Auto de Infração decorrente de fraude na comercialização de solvente para fins combustíveis, nas hipóteses previstas nesta Lei, terá tramitação prioritária e preferencial, nos termos de disciplina estabelecida pelo Poder Executivo.
Art. 4º Esta Lei entra em vigor na data da sua publicação.

Rio de Janeiro, em 16 de arbril de 2009.
SÉRGIO CABRAL
Governador

Autores

Tags:

Encontrou um erro? Avise nossa equipe!