Lei de Imprensa

Destino de processos com base na lei é incerto

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1 de maio de 2009, 9h06

A decisão do Supremo Tribunal Federal de que a Lei de Imprensa não foi recepcionada pela Constituição de 1988 é apenas o primeiro ato de um debate que promete render muito mais nos tribunais inferiores e fóruns do país. Como os ministros não declararam expressamente o que deve acontecer com as ações judiciais contra jornais e jornalistas que têm base na lei excluída do ordenamento jurídico, fica a cargo dos juízes decidir o que fazer.

Há dois cenários possíveis em relação ao trâmite das ações. Primeiro: até mesmo nos processos baseados exclusivamente na Lei de Imprensa, os juízes podem fazê-los continuar tramitando com base em dispositivos correlatos do Código Penal, Código Civil ou mesmo em regras constitucionais. Segundo cenário: o juiz arquiva o processo, por entender que o dispositivo apontado deixou de existir em 1988, com a promulgação da Constituição.

“Existe o princípio de que a parte deve dar os fatos e o juiz procede ao enquadramento desses fatos. Assim, não estaria prejudicado o andamento das ações”, afirmou o ministro Marco Aurélio à revista Consultor Jurídico. Para o ministro, o andamento das ações não deve ser prejudicado.

Na saída da sessão plenária dessa quinta-feira (30/4), os ministros Carlos Britto, relator da ação, e Ricardo Lewandowski também explicaram que as ações devem continuar tramitando com base em outros dispositivos legais. Trocando em miúdos, se há processo por injúria contra um jornalista baseado no artigo 20 da Lei 5.250/67 — que deixou de existir —, o juiz pode reenquadrá-lo no artigo 138 do Código Penal, que tipifica o mesmo crime.

O advogado Marcelo Nobre, conselheiro do Conselho Nacional de Justiça e estudioso da Lei de Imprensa, corrobora o argumento de que se pode reclassificar a ação, mas alerta que certamente haverá juízes que não decidirão dessa maneira. “Da mesma forma, magistrados podem entender que esse processo tem de ser arquivado, já que sua base de fundamentação é uma lei que não mais existe”, afirma.

Na opinião do deputado federal Miro Teixeira (PDT-RJ), autor da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental que fez o STF derrubar a lei, o destino das ações baseadas exclusivamente na Lei de Imprensa não pode ser outro, senão o arquivo. “Não há alternativa”, disse à ConJur.

Balizas processuais

Com a queda da lei, há outras questões que serão decididas caso a caso pelos juízes. A questão do direito de resposta é a mais candente delas. No final do julgamento, o presidente do Supremo, ministro Gilmar Mendes, chamou a atenção para o fato. Ele reclamou que o tribunal está jogando fora uma regulamentação razoável e deferindo ao juiz regular, caso a caso, o direito de resposta. “Isso não é bom nem para as empresas, nem para os cidadãos”, disse. “Eles podem entrar em uma selva hermenêutica.”

O decano do Supremo, ministro Celso de Mello, votou em outro sentido. Para ele, o direito de resposta é bem garantido no inciso V do artigo 5º da Constituição: “É assegurado o direito de resposta, proporcional ao agravo, além de indenização por dano material, moral ou à imagem”. E a decisão da corte não impede que o legislador regulamente o assunto em uma nova lei.

De qualquer maneira, com a decisão do Supremo, os juízes singulares é que decidirão como será o direito de resposta. A regulação prevista na Lei de Imprensa deixou de existir junto com a regra. “Há certas regras contidas na Lei de Imprensa que não são previstas nas normas gerais. Nesse ponto, a revogação da lei na íntegra não é benéfica”, afirma Marcelo Nobre.

Para o ministro Marco Aurélio, único que votou pela rejeição total da ação, não é bom o fato de que “passaremos a ter conflitos de interesse resolvidos com critério de plantão, estabelecido pelo julgador”.

Outras questões como os efeitos da decisão nas condenações já sofridas por jornalistas, em processos com base na Lei de Imprensa, poderão ser discutidas mais adiante. O Supremo pode até mesmo discutir a modulação dos efeitos da decisão em possíveis Embargos de Declaração. Por enquanto, contudo, diversos casos serão definidos individualmente pelos juízes.

“Esse julgamento é um convite para a imprensa fazer um processo responsável de autorregulação, como ocorre em muitos países”, afirmou o ministro Gilmar Mendes ao concluir o julgamento.

Fim da lei

Por sete votos a quatro, o Supremo Tribunal Federal julgou, na quinta-feira, que a Lei 5.250/67 não foi recepcionada pela nova ordem democrática. Com a decisão, a norma é excluída totalmente do ordenamento jurídico.

Além do relator do processo, ministro Carlos Britto, votaram pela extinção da Lei de Imprensa os ministros Menezes Direito, Cármen Lúcia, Ricardo Lewandowski, Eros Grau, Cezar Peluso e Celso de Mello. O argumento comum entre eles foi o de que a Lei de Imprensa foi criada a partir de uma ótica punitiva e cerceadora da liberdade de expressão. Por isso, não pode sobreviver na atual ordem jurídica.

O ministro Britto considerou impossível a produção e vigência de uma lei orgânica ou estatutária para regular a atividade da imprensa. Carlos Britto explicou que se podem regular temas secundários, que circundam o trabalho jornalístico, como direito de resposta e indenização, mas nunca a liberdade de manifestação e o direito de acesso à informação.

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