Decisões manipulativas

Decisões com perfil aditivo não contrariam Constituição

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1 de maio de 2009, 7h42

Os esforços despendidos na busca de um gênero decisional que fosse continente para todas as técnicas unilaterais de resolução da situação de inconstitucionalidade terminaram, na Europa, em uma multiplicidade terminológica de amplas proporções, que pouco contribui para a compreensão da matéria e reflete, em parte, certa insegurança geral acerca da tipologia das técnicas de decisão em controle de constitucionalidade.

Os constitucionalistas espanhóis oscilam entre classificá-las como decisões interpretativas[1] ou decisões com efeitos aditivos[2], continente, nessa última definição, das decisões interpretativas e manipulativas. Na doutrina italiana, debruçada sobre o tema há quatro décadas, pululou, durante algum tempo, extensa divergência. Assim, Delfino chamou-as decisões criativas, Rizza, decisões intermédias, Paladin definiu-as como decisões integrativas. A par de tais definições, era majoritária a referência às decisões estimatórias interpretativas, delineadas como todas em que a interpretação constitucional joga um papel instrumental. A intenção manifesta dessa última definição era ressaltar que se estava agindo sobre a norma e, não, sobre a disposição textual. Por fim, e já nos anos oitenta, formou-se um consenso relativamente estável, no sentido de defini-las como decisões manipulativas, que teriam como espécies as decisões aditivas e substitutivas[3].

Aceitamos essa definição genérica, mas apenas depois de lhe precisar o alcance. Consideramos manipulativa toda decisão que, quanto à natureza, seja uma forma de supressão unilateral da inconstitucionalidade[4] e quanto aos efeitos, os tenha aditivos, do texto, âmbito de incidência ou sentido do dispositivo[5]. Decisões manipulativas — explicou Romboli — são aquelas através das quais “a Corte modifica ou integra as normas submetidas ao seu juízo de um modo que essas saiam do juízo constitucional com um alcance normativo e um conteúdo diferente do originário”[6]. Além de substitutivas e aditivas, o gênero decisões manipulativas deve abrigar também decisões de acolhimento parcial[7] e decisões interpretativas[8] (mormente, as de interpretação conforme a Constituição).

Acerca da primeira dessas espécies, devemos reconhecer que a manipulação pode ocorrer através, somente, da eliminação parcial do texto ou sentido da disposição. De fato, é intuitivo que a eliminação de um “não” de uma fórmula legislativa pode ser a origem de uma série nova de normas, tal operação, portanto, seria pseudo-eliminatória. São decisões em que “a anulação de um fragmento ou inciso do preceito terminará, em muitos casos, na emergência de uma ‘norma’ nova e distinta no ordenamento” [9].

O argumento alcança também as sentenças interpretativas. Silvestri, v. g., pôde afirmar que “todas as sentenças interpretativas são aditivas”, e que sua prolação traduz o “exercício de um poder formalmente jurisdicional, mas substancialmente legislativo”[10]. Por derradeiro, quanto à especificidade da interpretação conforme a Constituição, talvez baste a lição de Mendes, para quem a eliminação ou fixação, pelo Tribunal, de determinados sentidos normativos do texto, quase sempre tem o condão de alterar, ainda que minimamente, o sentido normativo original determinado pelo legislador. Por isso, muitas vezes a interpretação conforme levada a efeito pelo Tribunal pode transformar-se numa decisão modificativa dos sentidos originais do texto[11].

Importa, sobretudo, integrar ao gênero decisões manipulativas tanto decisões aditivas stricto sensu, quanto decisões interpretativas e de nulificação parcial que apenas revelam-se aditivas quando ponderados seus efeitos.


Decisões manipulativas de perfil aditivo em controle de constitucionalidade: confluências entre as jurisprudências da Corte costituzionale italiana e do Supremo Tribunal Federal brasileiro

A comparação proposta importa por ressaltar os paralelos que, não obstante as peculiaridades do constitucionalismo italiano[12], existem entre as circunstâncias jurídico-políticas em que atuam a Corte costituzionale daquele país e o Supremo Tribunal Federal brasileiro[13], justificando suas iniciativas no sentido de sanar unilateralmente a situação de inconstitucionalidade[14].

No âmbito do Supremo Tribunal Federal, poder-se-ia coligir copiosa jurisprudência em que a interpretação conforme a Constituição levou o Tribunal à prolação de decisões com efeitos aditivos, adequando, unilateralmente, a norma impugnada ao conjunto da Constituição. À esse resultado aditivo chega-se por vias técnicas diversas (procedência parcial sem redução de texto[15], interpretação conforme a Constituição restritiva ou extensiva do âmbito de incidência da norma impugnada em ADI, extensão da área de incidência de disciplina análoga já existente, etc.) e talvez isso explique o silêncio da doutrina sobre a natureza desse conjunto de decisões.

Exemplifiquemos: sem aditar o texto da lei impugnada, o Tribunal, por via de interpretação, estendeu o âmbito de incidência de um regime processual mais favorável com o intuito de colmar, unilateralmente, omissão ofensiva ao princípio da isonomia:

Ação Direta de Inconstitucionalidade julgada procedente para, sem redução de texto, dar interpretação ao parágrafo único do artigo 14 do Código de Processo Civil conforme à Constituição Federal e declarar que a ressalva contida na parte inicial desse artigo alcança todos os advogados, com esse título atuando em juízo, independentemente de estarem sujeitos também a outros regimes jurídicos[16].

Em outra ocasião — a provar a heterogeneidade dos problemas que o Tribunal precisa enfrentar —, a eficácia necessária à salvaguarda do princípio da igualdade era oposta, ou seja, a restrição do âmbito de incidência da norma. O Tribunal considerou que a norma que limitava em R$ 1,2 mil a participação da Previdência Social no pagamento da licença gestante, e que obrigaria, então, o empregador a responder, sozinho, pelo restante, teria como consequência necessária o desequilíbrio de gênero na ocupação de postos de trabalho. Mais uma vez através da técnica da interpretação conforme a Constituição, o Tribunal excluiu a hipótese da licença gestante da área de incidência do teto estabelecido. A decisão está assim ementada:

Se se entender que a Previdência Social, doravante, responderá apenas por R$ 1,2 mil por mês, durante a licença da gestante, e que o empregador responderá, sozinho, pelo restante, ficará sobremaneira, facilitada e estimulada a opção deste pelo trabalhador masculino, ao invés da mulher trabalhadora (omissis) Estará, ainda, conclamando o empregador a oferecer à mulher trabalhadora, quaisquer que sejam suas aptidões, salário nunca superior a R$ 1,2 mil, para não ter de responder pela diferença (omissis) a Ação Direta de Inconstitucionalidade é julgada procedente, em parte, para se dar, ao artigo 14 da Emenda Constitucional 20, de 15 de dezembro de 1998, interpretação conforme à Constituição, excluindo-se sua aplicação ao salário da licença gestante, a que se refere o artigo 7º, inciso XVIII, da Constituição Federal[17].

Caberia referir, por derradeiro, a decisão proferida na ADI-MC 2332/DF, de relatoria do ministro Moreira Alves[18], quando o Tribunal proferiu decisão com efeitos próximos aos que a doutrina italiana atribui às decisões substitutivas[19]. Majoritariamente, o tribunal resolveu deferir a medida liminar para suspender, no artigo 15-A do Decreto-Lei 3.365, de 21 de junho de 1941, introduzido pelo artigo 1º da Medida Provisória 2.027-43, de 27 de setembro de 2000, e suas sucessivas reedições, a eficácia da expressão “de até seis por cento ao ano” (omissis) para dar, ao final do caput do artigo 15-A, interpretação conforme à Carta da República, de que a base de cálculo dos juros compensatórios será a diferença eventualmente apurada entre 80% do preço ofertado em juízo e o valor do bem fixado na sentença[20].


O estudo simultâneo das jurisprudências dos dois Tribunais revela que os problemas que a Corte costituzionale sana, unilateralmente, com decisões aditivas stricto sensu são substancialmente idênticos aos que o Supremo Tribunal Federal sana, também de forma autônoma, através de interpretação conforme a Constituição com eficácia aditiva. São técnicas decisórias distintas, mas com objetivos e efeitos materialmente iguais. Na sentença 385 de 2005, v. g., a Corte, também confrontada por tema referente ao princípio da igualdade aplicado à questões de gênero, assentou a ilegitimidade constitucional dos artigos 70 e 72 do Decreto Legislativo 151, de 26 de março de 2001, na parte em que não prevê o princípio que ao pai respeita perceber, alternativamente à mãe, a indenização de maternidade, atribuída apenas a essa[21].

Reconhecendo a inevitabilidade dos efeitos aditivos em controle de constitucionalidade, o ministro Gilmar Mendes, no voto que proferiu por ocasião do juízo de admissibilidade da ADPF-QO 54, ponderou:

Para os que ainda não se convenceram do cabimento da ADPF na espécie, há de se indagar: como agiria o Supremo Tribunal Federal se se deparasse com um habeas corpus em um caso como o presente? (omissis) Caso a criança não tivesse nascido, o Tribunal poderia escusar-se de julgar o writ? (omissis) Se o Tribunal autoriza, que norma permissiva ele estará a invocar para admitir a interrupção da gravidez? Com certeza, estará reconhecendo, em sede de habeas corpus, ainda que não o faça expressamente, uma nova causa de excludente da ilicitude implícita ao artigo 128, ou a inaplicabilidade à espécie do artigo 124, ambos do Código Penal (omissis) Não teria essa decisão o efeito de generalidade do entendimento perante o Poder Judiciário e, eventualmente, a Administração? A resposta há de ser afirmativa (omissis) Atualmente o Plenário está julgado o HC 82.959, sobre a vedação à progressão de regime nos crimes hediondos, cuja decisão, certamente, ultrapassará os limites daquele caso concreto (omissis) O Plenário está julgando a RCL 2.391, sobre a exigência legal do recolhimento à prisão, cuja decisão igualmente terá efeitos além da situação específica. Se tal é possível em habeas corpus, em reclamação ou em outras ações individuais, por que não o será em ADPF?[22].

Concluindo, aduziríamos que o reconhecimento de um poder normativo com efeitos gerais ao Supremo Tribunal Federal torna-se manifesto ainda por outras duas razões. Em face da instituição da Súmula Vinculante, mas também, e principalmente, entendemo-lo expresso na gradual mudança do entendimento sobre os efeitos que podem advir de um eventual conhecimento e provimento em Mandado de Injunção. Nesse sentido, o MI 283, de relatoria do ministro Sepúlveda Pertence, DJ de 14 de novembro de 1991:

Se o sujeito passivo do direito constitucional obstado é a entidade estatal a qual igualmente se deva imputar a mora legislativa que obsta ao seu exercício, é dado ao Judiciário, ao deferir a injunção, somar, aos seus efeitos mandamentais típicos, o provimento necessário a acautelar o interessado contra a eventualidade de não se ultimar o processo legislativo, no prazo razoável que fixar, de modo a facultar-lhe, quando possível, a satisfação provisória do seu direito.

Também assim o Acórdão exarado no MI 543, de relatoria do ministro Octavio Gallotti, DJ de 24 de maio de 2002.

O Tribunal decidiu assegurar, de plano, o direito à indenização, sem constituir em mora o Congresso Nacional, para, mediante ação de liquidação, independentemente de sentença de condenação, fixar o valor da indenização.

A Ementa do MI 712, de relatoria do ministro Eros Grau, DJ de 25 de outubro de 2007:

Alteração de entendimento anterior quanto à substância do mandado de injunção. Prevalência do interesse social. Insubssistência do argumento segundo o qual dar-se-ia ofensa à independência e harmonia entre os Poderes. Incumbe ao Poder Judiciário produzir a norma suficiente para tornar viável o exercício do direito de greve dos servidores públicos, consagrado no artigo 37, inciso VII, da Constituição do Brasil.


E, por fim, a decisão do MI 670:

Direito de greve dos servidores públicos civis. Hipótese de omissão legislativa inconstitucional, mora judicial, por diversas vezes, declarada pelo Plenário do STF. Riscos de consolidação de típica omissão judicial quanto à matéria. A experiência do direito comparado. Legitimidade de adoção de alternativas normativas e institucionais de superação da situação de omissão[23].

Decisões manipulativas em matéria penal

As técnicas unilaterais de supressão da inconstitucionalidade, a exemplo do que acontece em matéria prestacional/orçamentária, enfrentam redobradas resistências quando a norma acoimada inconstitucional possui natureza criminal. Dois argumentos são aduzidos para barrar a prática decisória manipulativa no âmbito criminal: a competência exclusiva do legislador em matéria de crime e pena e a especial rigidez com que incide sobre ela o princípio da legalidade. Contudo, questões como, v. g., o controle de constitucionalidade da legislação penal pré-constitucional — autoritária inclusive, em casos como o italiano e o brasileiro[24] — podem levar a jurisdição constitucional, premida pela obrigação de sustentar a higidez dos direitos fundamentais, a prolatar decisões com efeitos aditivos também em matéria criminal.

Em tantas oportunidades exigiu-se da Corte italiana que resolvesse questões desse jaez que, no interior de sua jurisprudência, as teses da admissibilidade e inadmissibilidade das decisões manipulativas em matéria criminal lograram inscrever um processo dialético, consubstanciado em numerosos julgados em ambas as direções. Antes, porém, de analisar a rica jurisprudência do Tribunal de Roma, e com o intuito de destacar a atualidade e importância do problema em tela, alguns parágrafos serão dedicados ao julgamento da admissibilidade da ADPF-54 (caso dos anencéfalos), ocasião em que o Supremo Tribunal Federal debateu a matéria.

ADPF-54: o problema posto entre nós

Em tela, a discussão travada na Questão de Ordem, suscitada pelo Procurador Geral da República, acerca da admissibilidade da ADPF 54. O pedido veiculado na ação justifica-se, quanto a sua admissão, por entender a Arguente que a eficácia da decisão será somente a de declarar a atipicidade da conduta face aos dispositivos incriminadores atacados, vedando a interpretação da interrupção terapêutica nos casos de feto com anencefalia comprovada como uma espécie de aborto[25].

De início, deve-se destacar que resta do conjunto da dissensão[26] uma recusa da premissa de mérito, a saber, que não se trata, na hipótese em tela, de aborto, mas de antecipação terapêutica do parto. Essa tese, que se poderia chamar de tese da atipicidade, livraria o Tribunal de questões técnico-decisórias desconfortáveis. Ao contrário, se está correta a dissensão, e se estamos diante da inserção de uma nova exculpante (ou, numa outra solução — embora também portadora de efeitos aditivos — diante da extensão interpretativa de exculpante já existente, a do artigo 128, inciso II do Código Penal[27]), a ratio dissidendi seria menos a condição objetiva do feto, atentando-se, em primeiro plano, para a dignidade e saúde psíquica da mulher gestante.

Importa-nos, aqui, enfocar a tese comum aos votos vencidos, pois consideraram Suas Excelências que a pretensão à declaração de atipicidade da conduta, em verdade, traz em seu bojo, como principal efeito normativo, a inclusão de uma nova exculpante para o crime de aborto, aditando o artigo 128 do Código Penal, em clara invasão da esfera de conformação legislativa pelo Supremo Tribunal Federal[28]. Em suma: a dissidência julgou que o pedido, para ser provido, exige do Tribunal a prolação de uma decisão com conteúdo aditivo e eficácia vinculante erga omnes — na prática, uma normatividade geral de cunho jurisprudencial que, então, refutaram em bloco.


Mesmo antes da apreciação da Questão de Ordem, o Ministro Eros Grau inaugurou a dissensão e grifou o problema, ou seja, o fato de que a liminar “satisfativa” deferida — e, logo, uma eventual decisão de mérito favorável à Arguente — teve o efeito de, por quatro meses, “como se a lei tivesse sido reescrita, como se o Código Penal tivesse sido reescrito pela Corte, como legislador positivo”, permitir “uma terceira modalidade de aborto”[29].

Foi a Ministra Ellen Gracie quem deu forma mais alargada à dissensão. Lembrou Sua Excelência que “a tal prática (decisões com efeitos aditivos) o Tribunal se tem recusado nas demais formas de controle”, obtemperando que o objeto da ação é o de acrescentar conteúdos à norma vigente. Ora, a jurisdição constitucional é normalmente convocada para expungir do ordenamento normas que estejam em descompasso com a Constituição, não para oferecer acréscimos ao ordenamento positivo em usurpação à competência dos outros dois poderes. Circunstâncias há, porém, em que as disposições de inconstitucionalidade tornam necessário o preenchimento de lacunas criadas pela própria decisão, por isso, fala-se em efeitos aditivos que podem ter as sentenças dos Tribunais Constitucionais. São decorrência, são efeitos periféricos ou colaterais de decisões preponderantemente ablativas e que, ao declararem uma inconstitucionalidade, invalidam a situação de segurança jurídica que se baseara na presunção de legitimidade da norma ou ato administrativo, com base nas quais muitas relações se terão desenvolvido. Consciente dessa realidade, o tribunal Constitucional então adota as medidas necessárias a evitar oneração excessiva a todos quantos de boa-fé regraram sua atuação pelo diploma ou ato viciado. Não conheço, porém, exemplo de jurisdição constitucional em sistema de direito codificado (Civil Law) que seja provocada para atitude exclusivamente criadora de direito, como se vê no caso presente[30].

E marcando a leitura acerca da separação de poderes, comum a todos os votos dissentâneos, concluiu:

A esse propósito, é preciso também registrar que inúmeras são as iniciativas parlamentares tendentes a alargar as excludentes de ilicitude da prática de abortamento. Sete projetos encontram-se em tramitação conjunta nas casas legislativas, um deles foi arquivado no Senado em 21 de outubro de 2004 e outro, em regime de tramitação ordinária, aguarda parecer. Por isso, “não há como deixar de conferir à pretensão da autora o intuito de ver instituído, por meio de decisão judicial, em controle concentrado de constitucionalidade, aquilo que o legislador, até hoje, não concedeu”[31].

Reserva de lei, princípio da legalidade em matéria penal e rigidez dos direitos fundamentais

Concordamos com os votos dissentâneos quando destacam os efeitos aditivos concretos que, necessariamente, advirão de uma possível decisão de procedência da ADPF-54. Não obstante, a recusa absoluta ao cabimento da técnica decisória manipulativa em matéria penal não parece consentânea, data vénia, nem com a prática jurisprudencial comparada, nem com a flexibilidade decisória requerida pela diversidade das situações em que os direitos fundamentais soam ser violados pela lei, ou por sua atuação judicial ordinária.

Parece-nos particularmente contrário à natureza contramajoritária da jurisdição constitucional, o argumento segundo o qual, em linhas gerais, a minoria não pode conseguir no Tribunal o que não conseguiu no Parlamento. Essa forma de encarar as relações entre os Poderes dentro de um Estado constitucional poderá afirmar-se, não duvidamos, enquanto uma escolha jurídico-política, mas de forma alguma responde como algo ínsito à jurisdição constitucional. Ao contrário, dá-nos notícia Cox que, sob a Corte de Warren, não era incomum que “perdedores no processo político usassem a litigância constitucional como um instrumento criador de políticas sociais”[32].


A produção legislativa em matéria penal pode servir como veículo para a discriminação e a desproporção, para a compressão ou indiferença conservadora da maioria em relação à minoria. Daí porque, referindo-se à Itália, Sorrenti atestou o fato de que as “decisões interpretativas de rejeição”, no direito penal, são conduzidas “sob a luz do cânone da razoabilidade”[33]. A exigência de extrema racionalidade que a Constituição veicula em relação à matéria criminal não realiza-se apenas no processo legislativo, lhe é anterior e transcendente, e submete-se (como, de resto, todo o direito público) ao princípio da proporcionalidade. A discricionariedade legislativa em matéria penal encontra limites nos valores constitucionais, não apenas nos valores de previsibilidade e anterioridade da lei penal, mas em todo o conjunto valorativo conformador do Estado. Poder-se-ia, v. g., avançar para negar legitimidade constitucional à incriminação que, mesmo presumivelmente apta a alcançar a finalidade preventiva mirada pelo Estado legislador, produzisse, através da pena, dano a direito fundamental, desproporcionalmente maior que a vantagem obtida com o instrumento criminal para tutela de outro bem. A mesma ilegitimidade poderia resultar da desatenção ao princípio da subsidiariedade da tutela penal, que deve ser utilizada pelo legislador sob a lógica da extrema ratio. Nesse ponto, na verdade, o tema das técnicas decisórias em controle de constitucionalidade da lei penal faz fronteira com outro, quiçá mais delicado, o do abuso de poder legislativo.

Por fim, existe o problema do direito penal pré-constitucional, também passível de ser sanado através de decisões aditivas, pelo que torna-se pertinente lembrar a opinião do ministro Sepúlveda Pertence:

O eminente ministro Carlos Velloso, citando Moreira Alves, adverte que não pode a interpretação conforme alterar o sentido da lei; é certo (omissis). De qualquer modo, essa asserção que o ministro Carlos Velloso alicerça no mestre Moreira Alves há de ser colhida cum grano salis, se se cuida, como aqui se trata, de texto legal pré-constitucional[34].

Sobre a admissibilidade das decisões manipulativas em matéria criminal, também controvertem a doutrina e a jurisprudência estrangeiras. Assim, ao menos, a situação que encontramos em alguns países europeus. Exemplo do dissenso espanhol acerca da matéria, oferecem Llorente e Camazano. O primeiro foi categórico:

Questão distinta é a que se refere à interpretação conforme de normas penais e, em geral, sancionatórias, âmbito em que os imperativos da lex certa e da necessária retroação do pronunciamento estimatório in bonus devem levar à redução, ou mesmo à supressão, do recurso à decisões interpretativas em favor da estrita declaração de inconstitucionalidade com a conseqüente nulidade[35].

Camazano, lembrando que o próprio Tribunal espanhol já havia feito uso de interpretações conformadoras de tipos penais[36], considerou que “não se pode excluir, de modo absoluto, a possibilidade de sentenças interpretativas no âmbito penal, se bem” — e aqui estabeleceu o limite que lhe pareceu adequado —, “que há fazer-se uso especialmente prudente de tais pronunciamentos e, desde logo, nunca contra cives, o que veda toda interpretação expansiva ou analógica”[37].

Na Itália, a situação não é distinta. Por vezes, afirma-se estarem vedadas as sentenças manipulativas “em tema de norma incriminadora e punitiva, face à rigorosíssima reserva de lei do artigo 25, parágrafo 2º da Constituição italiana”[38]. A tese do não cabimento de decisões manipulativas em matéria penal conta com vários julgados da Corte costituzionale a emprestar-lhe supedâneo[39]. Na Sent. nº. 42/1977, v. g., o Tribunal de Roma definiu a matéria como “eminentemente política”, pelo que, considerou então a Corte, “resta excluída qualquer possibilidade de intervenção através de sentenças consideradas aditivas”[40]. Em tais situações, a questão de inconstitucionalidade era rejeitada como “manifestamente inadmissível”, sempre com o argumento de que “não é dado ao juiz constitucional pronunciar decisões das quais se possa derivar a criação – exclusivamente reservada ao legislador – de uma nova disposição penal”[41].


Contra a tese da reserva de lei e reserva de parlamento em matéria penal, parte da doutrina opôs consideráveis argumentos. Já se disse, nessa ordem de idéias, que a aceitação da tese comportaria a necessidade de estendê-la a todas as matérias que a Constituição reserva ao legislador[42]. Soma-se a isso a ponderação de Beilfuss, para quem, “enquanto limite funcional das sentenças constitucionais”, o raciocínio a partir da figura da reserva de lei “deve sujeitar-se, em cada caso, à existência de uma verdadeira liberdade de configuração por parte do legislador para reparar a inconstitucionalidade”[43].

Ademais, esse entendimento jurisprudencial nunca logrou, ao contrário do que afirmam alguns autores[44], firmar-se em uma jurisprudência pacífica[45]. Diante da incerteza pretoriana, a doutrina avançou para, considerando superada a questão da admissibilidade, definir os limites que decisões com tal perfil deviam observar na seara criminal. Agnoletto, v. g., opinou que o respeito à reserva de lei “não exclui a decisão manipulativa in bonam partem, que tenha efeito restritivo da aplicação da norma penal”[46].

A análise do conjunto formado pelas decisões de perfil manipulativo proferidas pela Corte italiana interessa, mais que como indiciário do cabimento da modalidade decisória também em matéria de crime e pena, como uma fonte de critérios aos quais a jurisdição constitucional deve submeter o arcabouço estatal persecutório.

Em 1974, por ocasião da prolação da sent. nº. 218 daquele ano judiciário, e após destacar a impropriedade do provimento jurisdicional para “estatuir comportamentos que devam ser punidos e qual deva ser a qualidade e a medida da pena”, a Corte traçou linhas claras para a discricionariedade legislativa na matéria: “desde que esse poder contenha-se nos limites da racionalidade”, julgando, na espécie que lhe era submetida então, que o legislador havia “excedido tal limite, ausente qualquer elemento lógico que pudesse desdobrar-se em fundamento jurídico e racional de uma normatividade como a impugnada”[47].

A análise tipológica do conjunto de decisões manipulativas proferidas em matéria criminal pela Corte, ao menos até onde fomos capazes de levá-la, parece indicar uma prevalência de decisões aditivas e substitutivas, embora presentes também as decisões de nulidade parcial com efeitos aditivos. Extraindo ainda um outro resultado da sobredita análise, há indícios de que as sentenças aditivas são usualmente utilizadas para restringir o âmbito de incidência de uma norma penal incriminadora ou alargar o de um enunciado exculpante, enquanto as decisões substitutivas são eleitas quando se trata de corrigir a inconstitucionalidade na fixação de penas, realizando literal controle da razoabilidade constitucional do dispositivo cominatório.

Da primeira espécie, ou seja, decisões aditivas, são exemplos as sentenças 108/1974, 27/1975 e 61/1995. No julgado mais antigo, a Corte considerou o artigo 415 do Código Penal italiano “ilegítimo constitucionalmente, na parte em que não especifica” que a instigação à luta de classes, para ser considerada crime, “deve ser exercida de modo perigoso para a tranquilidade pública”[48]. Na decisão de 1995, novamente a Corte de Roma avançou em matéria penal, para declarar a ilegitimidade constitucional do artigo 39 do Código Penal Militar, “na parte em que não exclui da inescusabilidade da ignorância de dever inerente ao estado militar, a ignorância inevitável”[49].

Dentre as decisões aditivas stricto sensu, importa-nos, sobretudo, a sentença 27/1975, por versar problemas, tanto processuais como de mérito, em vários pontos similares aos que ocupam o Supremo Tribunal Federal na ADPF-54[50]. Na ocasião submeteu-se à Corte italiana incidente acerca da inconstitucionalidade do artigo 546 do Código Penal, na parte em que punia quem praticava o aborto em hipóteses nas quais, embora não estivesse a mãe sob perigo atual de morte configurador do estado de necessidade, a gravidez fosse atestadamente comprometedora do bem-estar físico e do equilíbrio psíquico da gestante. O Tribunal considerou, então, que o interesse protegido constitucionalmente relativo ao feto poder-se-ia chocar, em algumas circunstâncias, com outros interesses igualmente dignos do ponto de vista constitucional. E que, por isso, a “lei não pode dar ao primeiro prevalência total e absoluta, negando aos outros a adequada proteção. E é justo esse vício de legitimidade constitucional que invalida a atual disciplina penal do aborto”. Considerou a Corte, ainda, que o dispositivo genérico do aborto necessário não cobria a hipótese, pois o dano físico e psíquico da gestante pode ser previsível, sem ser imediato. Sentenciou, então, que a declaração de ilegitimidade do art. 546, por tais motivos, apresentava-se inevitável, lavrando dispositivo no sentido de declarar a ilegitimidade constitucional do dispositivo penal atacado, “na parte em que não prevê que a gravidez possa ser interrompida quando a continuação da gestação implique dano, ou perigo, grave, atestado por médico, para a saúde da mãe”[51].


Como exemplos de decisões substitutivas que têm como meta a supressão de situações de inconstitucionalidade criadas através da fixação de penas, poderíamos referir as sentenças 409/1989 e 145/2002. Na decisão mais recente, a Corte houve por bem redefinir o tempo de duração de um efeito secundário da condenação criminal. O dispositivo declarou a ilegitimidade constitucional da disposição impugnada “na parte em que dispõe que a suspensão perde a eficácia decorrido um período de tempo igual àquele da prescrição do crime”, afirmando que era possível “extrair do sistema uma previsão de duração máxima da mesma cautelar suspensiva, àquela de cinco anos”[52]. Na sent. 409/1989, a Corte ofereceu supedâneo para o que poderia ser denominado controle de constitucionalidade da proporcionalidade da pena, método afeito ao controle do abuso de poder legislativo em matéria penal, a ser instrumentalizado através de decisões de perfil manipulativo:

Esta Corte já observou outras vezes que o princípio da igualdade exige que a pena seja proporcional ao desvalor do fato ilícito punido[53], afim de que o sistema sancionatório atenda, ao mesmo tempo, à função de defesa social e àquela de tutela das posições individuais; e aduziu ainda que a valoração, quando oportuno, entra no âmbito de discricionariedade do legislador, cujo exercício pode ser censurado somente nos casos em que não se tenha respeitado o limite da razoabilidade. A sanção de reclusão de dois a quatro anos, cominada pelo segundo parágrafo do art. 8º da lei em exame, para o delito ali previsto, resulta, tendo em conta a disciplina sancionatória do artigo 151 do Código Penal Militar, manifestamente irrazoável (omissis) Por esses motivos, a Corte Constitucional, reunidos os juízes, declara a ilegitimidade constitucional do artigo 8º, parágrafo 2º, da Lei de 15 de dezembro de 1972, n. 772, na parte em que determina a pena cominada no patamar mínimo de dois anos ao invés de seis meses e no patamar máximo de quatro anos ao invés de dois anos[54].

A questão das decisões com efeitos aditivos em matéria penal tem sua complexidade exacerbada quando tais efeitos surgem de uma decisão de provimento (nulidade) parcial. Aqui, não só a admissibilidade ou os limites, mas a própria natureza aditiva da decisão é controvertida. Aduzindo que, ao contrário da modalidade aditiva stricto sensu, a de provimento parcial não introduz nada (se limitando a excluir a responsabilidade penal), autores há que estremam os dois tipos de decisão. Zagrebelsky, embora reconheça a possibilidade de surgirem efeitos positivos de provimentos nulificadores, afirmou que o argumento da reserva de lei parece não conferir com a decisão de acolhimento parcial, e que o princípio da exclusividade legislativa em matéria penal

deve ser sempre conciliado com o limite constitucional a cujo respeito são destinadas as intervenções da corte constitucional. Por conseguinte, na hipótese[55], a disciplina da prática contra a procriação não deve ser reconstruída como a soma de tal artigo de lei mais a sentença n. 27/1975 da corte constitucional, mas como a soma de tal artigo de lei com o limite (negativo) imposto pelo princípio constitucional (feito valer concretamente pela sentença da corte constitucional). Não parece, portanto, que o reclamo à reserva de lei possa valer como argumento contra a sentença de acolhimento parcial — que tem como seu elemento definidor o alcance apenas negativo. Diversa conclusão deve, ao contrário, valer para a sentença de acolhimento com valor positivo ou paralegislativo[56].

A relativa dicotomia estabelecida entre as decisões de acolhimento parcial e as decisões aditivas, embora a consideremos incapaz de obliterar a eficácia aditiva de muitas decisões que declaram a nulidade de parte do dispositivo, ou de um grupo de suas interpretações possíveis, pode explicar a sent. nº. 440/1995 da Corte romana, relatada pelo próprio Zagrebelsky, ocasião em que foi declarado parcialmente nulo o artigo 724 do Código Penal italiano[57]. A decisão em questão, que provocou dissenso mesmo entre os especialistas que buscaram definir sua tipologia e significado[58], avulta em importância por mais de uma razão.


De início, cumpre referir que a sent. 440/1995 é a última de uma longa série de decisões que foram prolatadas acerca do mesmo artigo 724 do Código Penal italiano. Depois de buscar uma justificativa prática para a inconstitucionalidade discriminatória evidente no artigo atacado[59], a Corte, por ocasião da sent. nº. 14/1973, emitiu reclamo por uma plena atuação do “princípio constitucional da liberdade de religião”. Assentou, então, que o legislador deveria “promover uma revisão da norma, no sentido de estender a tutela penal contra a ofensa do sentimento religioso de indivíduos pertencentes às confissões religiosas diversas da católica”[60]. A atitude de self restraint da Corte apenas conseguiu fazer perdurar a situação de inconstitucionalidade por discriminação legislativa por mais duas décadas – o legislador não reformou o Código Penal. Já em 1988, por ocasião do prolação da sent. nº. 925, a Corte deu mais um passo, afirmando que “a limitação da previsão legislativa à ofensa contra a religião católica” não poderia continuar a justificar-se com o argumento de que a ela pertencia a “quase totalidade” dos cidadãos italianos, e menos ainda com a só exigência de tutelar o sentimento religioso da “maior parte da população italiana”[61]. Finalmente, diante da absoluta inutilidade das técnicas bilaterais antes empregadas, a Corte, na decisão 440/1995, “afirmou a preeminência do princípio constitucional da igualdade em matéria de religião”[62].

Esse breve histórico, por si só, mostra o quanto, e por quanto tempo, a rigidez dos direitos fundamentais pode ser banalizada se ao legislativo for dado, por um excessivo self restraint da jurisdição constitucional[63], um mandato tácito para, ao sabor da maioria, flexibilizá-la. Por óbvio, a esmagadora maioria da população (e do parlamento) italiana é católica, e por isso mesmo a jurisdição constitucional talvez seja a única sede institucional onde alguém, ou algum grupo, não católico, poderia defender seus direitos civis com alguma chance de êxito.

Além da importância da sentença em estudo para o raciocínio dos que assumem o postulado da jurisdição constitucional como elemento contramajoritário do sistema político, sua justificação processual tem relevância por suscitar alguma dúvida quanto à natureza puramente negativa (nulificadora) das decisões de acolhimento parcial. Definindo as fronteiras da decisão que estava prolatando, o Tribunal de Roma assentou:

A declaração de inconstitucionalidade do artigo 724, primeiro parágrafo, do código penal deve, todavia, ser circunscrita à parte que comporta, efetivamente, uma lesão do princípio da igualdade. A norma impugnada se presta, assim, a ser dividida. Uma parte – restando excluída qualquer valência aditiva da presente pronuncia, de per se preclusa em face da particular reserva de lei em matéria de crime e de pena – se subtrai à censura de inconstitucionalidade, resguardando a blasfêmia contra a Divindade em gênero e assim protegendo da investida e da expressão ultrajosa todos os crentes e todas as espécies de fé religiosa, sem distinção ou discriminação, no âmbito — naturalmente — do conceito constitucional de bom costume. A outra parte da norma do artigo 724 considera, ao contrário, a blasfêmia contra os Símbolos e Pessoas referindo-se exclusivamente à religião católica, com consequente violação do princípio da igualdade. Para essa parte, apresentam-se duas possibilidades de superação do vício revelado: a nulidade da norma inconstitucional por defeito de generalidade e a extensão da mesma às confissões religiosas excluídas; à Corte constitucional é dada apenas a primeira, por causa da supramencionada proibição de decisões aditivas em matéria penal. Por esses motivos, A Corte Constitucional, declara a ilegitimidade constitucional do artigo 724, primeiro parágrafo, do código penal, limitadamente às palavras: “ou Símbolos ou Pessoas veneradas na religião do Estado”[64].


Há, porém, uma nuance no argumento. É claro, pode-se estabelecer uma distinção clara, tanto tipológica quanto técnica, entre as decisões aditivas e as decisões de acolhimento parcial, de fato, uma, adita o texto, outra, o reduz. Entretanto, no âmbito da eficácia, a distinção entre os tipos de decisão não é mais possível, pois, a qualquer esforço de raciocínio parecerá claro que escrever A, C, D… e nulificar a parte que diz somente-B conduz ao mesmo resultado, ou seja, a inserção de A, C, D. Sob esse entendimento, a sentença 440/1995, de fato, não é uma sentença aditiva stricto sensu, mas uma sentença de acolhimento parcial com redução de texto, portadora de eficácia aditiva para alargar o âmbito de incidência da norma penal incriminatória, ou seja, com efeitos aditivos in malam partem. Como supedâneo para a recusa da tese que postula efeitos meramente negativos para a decisão de acolhimento parcial — com ou sem redução de texto —, recorremos às lúcidas palavras de Sorrenti:

Tem-se observado que a pronúncia de nulidade total é sempre modificativa do ordenamento jurídico, enquanto a eliminação de uma disposição determina a atração de dispositivos dessa disciplina ou em espaço juridicamente indiferente ou no âmbito de aplicação de uma norma mais geral que resultava comprimido pela presença da disposição impugnada. Em tais hipóteses, porém, a “aplicação dessa segunda disposição ao âmbito fático regulado pela norma nulificada depende diretamente de estar em vigor e do significado que se lhe atribui com base no cânone hermenêutico geral, e só indiretamente da pronúncia de inconstitucionalidade. Diversamente acontece quando, em relação à disposições “gramaticalmente unitárias”, se suprime com uma sentença parcial “textual” algumas palavras em seu conteúdo, que delimita o dispositivo, fazendo entrar-lhe alguma categoria de comportamento e excluindo outra. Nessa nulidade de uma parte de um texto incindível, com o escopo de estender o âmbito de incidência da disciplina prevista na disposição, há, ao contrário, um alcance criativo em senso estrito[65].

Considerações finais

Posto isso, concluímos que a prolação de decisões com perfil aditivo — sejam interpretativas, de acolhimento parcial ou substitutivas — em matéria penal, embora possa ser afastada por uma decisão política do Tribunal acerca de seu próprio papel no sistema de governo, não pode ser taxada como contrária à natureza da atividade da jurisdição constitucional, principalmente, quando se mantém em mente o caráter contramajoritário do Estado constitucional e da jurisdição responsável por seu equilíbrio.

Nada do que aqui defendemos evidencia-se contraditório em relação ao princípio democrático, desde que se reconheça que a democracia parlamentar sazonal evoluiu para uma democracia constitucional contínua, permitindo que “os indivíduos exerçam um trabalho político: o controle, fora dos momentos eleitorais, da ação dos governantes”[66]. Trata-se de um modelo político-institucional que sobrepõe-se à unicidade de fonte e à ilimitada prevalência parlamentar, podendo ser tomada a jurisdição constitucional como âmbito permanente de discussão e de controle, pelo cidadão e pela sociedade, de seus representantes, aumentando assim “a representatividade global do sistema e, portanto, sua democraticidade mesma”[67]. O cidadão figura – comentou Rousseau – como representado nas instituições “legislativa e executiva e como soberano através da jurisdição constitucional”[68].

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[1] Rubio Llorente, et al., Estudios sobre jurisdicción constitucional, Madrid: McGraw-Hill, 1998, p. 130.

[2] Markus Beilfuss, Tribunal Constitucional y reparación de la discriminación normativa, Madrid: Centro de Estudios Políticos y Constitucionales, 2000, p. 118.

[3] Acerca do problema da nomenclatura das técnicas de decisão em controle, cf., Augusto de la Vega, La sentencia constitucional en Italia, Madrid: Centro de Estudios Políticos y Constitucionales, 2003, pp. 215-218.

[4] Decisões manipulativas são, segundo Elena Malfatti, et al., Giustizia costituzionale, Torino: Giappichelli Editore, 2007, p. 304, “le quali la Corte procede direttamente, come detto, a modificare la norma sottoposta al suo esame, attraverso decisioni che sono anche definite como ‘autoapplicative”, ad indicare appunto il carattere inmediato del loro effeto che prescinde da qualsiasi sucessivo intervento parlamentare”. Em sentido análogo, Antonio Ruggeri, Esperienze di giustizia costituzionale, dinamiche istituzionali, teoria della Costituzione, disponível em http://www.associazionedeicostituzionalisti.it/dottrina/teoria_generale/ruggeri2.html, acesso em 25.11.2008, item nº 2: “Si pensi, in primo luogo, alle tecniche decisorie e, specialmente, a quelle maggiormente incisive nella sfera del legislatore. Un tempo (ma tavolta ancora oggi) le sentenze manipolative o ‘nomative’, che dir si voglia”.


[5] Riccardo Guastini, Lezioni di teoria costituzionale, Torino: Giappichelli Editore, 2001, p. 222: “Si dicono ‘manipolatrici’ (o anche ‘normative’) quelle sentenze di accoglimento in cui la Corte costituzionale non si limita a dichiarare l’illegitimità costituzionale delle norme che le sono sottoposte, ma inoltre – comportandosi come un legislatore – modifica direttamente l’ordinamento allo scopo di armonizzarlo con la costituzione”.

[6] Roberto Romboli, El control de constitucionalidad de las leyes em Itália, disponível em: http://www.juridicas.unam.mx/publica/librev/rev/trcons/cont/4/est/est7.pdf, acesso em 14.08.2008, p. 192.

[7] Nesse sentido, Augusto de la Vega, La sentencia constitucional en Italia, cit., pp. 217-218: “nos inclinamos por utilizar el término ‘sentencias manipulativas’ para aludir al fenómeno que el Tribunal denomina en general ‘sentencias estimatorias parciales’. Y ello porque parece el más ampliamente consolidado en la doctrina y remarca suficientemente el carácter inevitablemente ‘transformador’ del sentido de la disposición inherente a este tipo de pronunciamientos, sendo por otra parte el generalmente aceptado en la doctrina española”. Entre nós, com o mesmo entendimento, Gilmar Mendes, et al., Curso de direito constitucional, São Paulo: Saraiva/IDP, 2007, p. 1184: “A doutrina e a jurisprudência brasileiras admitem plenamente a teoria da divisibilidade da lei, assim, o Tribunal só deve proferir a inconstitucionalidade daquelas normas viciadas, não devendo estender o juízo de censura às outras partes da lei, salvo se elas não puderem subsistir de forma autônoma. O mesmo se aplica aos vetos no controle político-preventivo (art. 66, § 2º/CF). Faz-se mister, portanto, verificar se estão presentes as condições objetivas de divisibilidade. Impõe-se aferir o grau de dependência entre os dispositivos. Impõe-se verificar, igualmente, se a norma que há de subsistir após a declaração de inconstitucionalidade parcial corresponderia à vontade de legislador. No exame sobre a vontade do legislador assume peculiar relevo a dimensão e o significado da intervenção que resultará da declaração de nulidade”.

[8] Cf., para posição diversa, Chiara Agnoletto, Gli effetti delle sentenze di accoglimento della Corte costituzionale sugli atti amministrativi e processuali penali, disponível em: http://www.tesionline.com/intl/preview.jsp?idt=21208, acesso em 14.10.2008, que distingue, ao lado de outros autores, as sentenças interpretativas das manipulativas.

[9] Rubio Llorente, et al., Estudios sobre jurisdicción constitucional, cit., p. 123.

[10] G. Silvestri, Le sentenze normative della Corte costituzionale italiana, apud, Giusi Sorrenti, L’interpretazione conforme a Costituzione, Milano: Giuffrè, 2006, p. 198.

[11] Gilmar Mendes, et al., Curso de direito constitucional, cit., pp. 1192-1193.

[12] Cesare Pinelli, Diritto, legge, costituzione. Variazioni sul tema, disponível em: http://www.associazionedeicostituzionalisti.it/materiali/convegni/aic200210/pinelli.html, acesso em: 09.03.2009, item nº 4: “Si trattava di uma concezione diversa tanto dal costituzionalismo americano, dove l’idea di costituzione va sempre oltre i risultati della contingente volontà politica del legislatore, e funde piuttosto da difesa dei diritti costituzionali nei confronti delle mutevoli maggioranze parlamentari, quanto dal costituzionalismo francese, dove al contrario è la sovranità dell’assemblea elettiva ad esprimere una massima disponibilità di interpretazione costituzionale”.

[13] Entre eles, podemos referir a comum recalcitrância parlamentar nos dois países em atender ao apelo por legislação partido das respectivas jurisdições constitucionais. No Supremo Tribunal Federal, encontram-se, pelo menos, duas decisões com efeitos aditivos que se fundam, também, em tal recalcitrância. Cf., nesse sentido, a Ementa do MI 284, Rel. Min. Marco Aurélio, DJ de 26.06.1992: “Reconhecido o estado de mora inconstitucional do Congresso Nacional e considerando que, embora previamente cientificado no Mandado de Injunção nº 283, rel. Min. Sepúlveda Pertence, absteve-se de adimplir a obrigação que lhe foi constitucionalmente imposta, torna-se prescindível nova comunicação à instituição parlamentar, assegurando-se aos impetrantes, desde logo, a possibilidade de ajuizarem, imediatamente, nos termos do direito comum ou ordinário, a ação de reparação de natureza econômica instituída em seu favor pelo preceito transitório” (Decisão substancialmente idêntica foi proferida no MI 562, Rel. Min. Carlos Velloso, DJ de 20.06.2003).


[14] O fenómeno também é recorrente no Tribunal Constitucional espanhol, cf., nesse sentido, Camazano, La acción abstracta de inconstitucionalidad, México: Universidad Nacional Autónoma de México, 2005, pp. 409-410: “La utilización de este tipo de sentencias se plantea especialmente respecto de las hipótesis de desigualdad normativa o trato desigual por parte de una ley, porque la Ley prevé determinadas consecuencias para determinadas hipótesis, pero no para otros supuestos que constitucionalmente hubieran exigido un tratamiento igual. Como dice el TC español, ante tales hipótesis cabe, en principio, equiparar por arriba, suprimiendo las restricciones o exclusiones injustificadas establecidas por el legislador con la consiguiente extensión del beneficio a los discriminados y así lo ha hecho el TC español, por ejemplo, extendiendo la pensión de viudedad prevista en favor de las viudas también a los viudos (SSTC 103 y 104/1983, entre otras); o extendiendo determinadas prestaciones, previstas en el enunciado legal para las hijas o hermanas de pensionistas de jubilación o invalidez, también a los hijos y hermanos (STC 3/1993, de 14 de enero); o extendiendo determinados derechos reconocidos por el texto de la norma a favor de los militares profesionales que ingresaron en las Fuerzas Armadas de la República antes del 18 de julio de 1936 también a los militares profesionales ingresados con posterioridad a dicho año en tales Fuerzas Armadas (STC 116/1987); o extendiendo el beneficio de subrogación mortis causa previsto en la legislación de arrendamientos urbanos al conviviente more uxorio (STC 222/1992, de 11 de diciembre); o suprimiendo determinados límites específicos que operaban para el reconocimiento de una pensión de orfandad a favor de los hijos por adopción con la supuesta finalidad de evitar ciertos fraudes (supervivencia del adoptante por dos años, al menos, desde la fecha de la adopción), y que no operaban respecto de los hijos por naturaleza (STC 200/2001)”. Em todas as hipótesis, note-se, o provimento aditivo era o objeto principal da ação, e não um mero efeito regulador das situações jurídicas apanhadas pelo julgamento do Tribunal.

[15] Como resultado de decisões de procedência parcial sem redução de texto, v. g., o Tribunal alterou o ordenamento na ADI 3324/DF, Rel. Min. Marco Aurélio, DJ de 05.08.2005 e na ADI 2084/SP, Rel. Min. Ilmar Galvão, DJ de 14.09.2001.

[16] Assim ementada a ADI 2652/DF, Rel. Min. Maurício Corrêa, DJ de 14.11.2003.

[17] ADI 1946/DF, Rel. Sydney Sanches, DJ de 16.05.2003.

[18] Coerente com sua recusa geral e constante dos efeitos normativos em controle de constitucionalidade, o Min. Moreira Alves ficou vencido na parte aditiva da decisão que destacamos agora, porém, por ter sido vencedor em outros vários pontos que o pedido de medida cautelar também atacava, restou-lhe a redação da ementa.

[19] Definindo o papel das decisões substitutivas, escreveu Gustavo Zagrebelsky, La giustizia costituzionale, cit., pp. 157-158: “sono utilizzate nelle ipotesi in cui la legge prevede qualcosa mentre, costituzionalmente, dovrebbe prevederne un’altra. In questa ipotesi, la corte usa dichiarare l’incostituzionalità delle legge in quanto (nella parte nei limiti in cui) contiene una certa prescrizione anziché un’altra. Siamo qui al punto massimo ipotizzabile di creatività di una decisione di incostituzionalità”.

[20] ADI-MC 2332/DF, Rel. Min. Moreira Alves, DJ de 02.04.2004.

[21] Corte costituzionale, sent. n. 385/2005, disponível em: http://www.cortecostituzionale.it/giurisprudenza/pronunce/schedaDec.asp?Comando=RIC&bVar=true&TrmD=&TrmDF=&TrmDD=&TrmM=&iPagEl=1&iPag=1, acesso em: 1.1.2009. Cf., ainda sobre o uso de decisões aditivas contra discriminações legislativas, a Sent. 144/1983, disponível em: http://www.cortecostituzionale.it/giurisprudenza/pronunce/schedaDec.asp?Comando=RIC&bVar=true&TrmD=&TrmDF=&TrmDD=&TrmM=&iPagEl=1&iPag=1, acesso em: 10.02.2009, também da Corte costituzionale, contra lei que distinguia entre os filhos de cônjuges separados consensualmente, e os de casais separados litigiosamente, in verbis: “dichiara l’illegittimità costituzionale dell’art. 156, sesto comma del Códice Civile, nella parte in cui non prevede che le disposizioni ivi contenute si applichino a favore dei figli di coniugi consensualmente separati”. Outro direito fundamental garantido pela Corte italiana através de decisão aditiva foi o da ampla defesa no processo penal; cf., nesse sentido, a Sent. 190/1970, disponível em: http://www.cortecostituzionale.it/giurisprudenza/pronunce/schedaDec.asp?Comando=RIC&bVar=true&TrmD=&TrmDF=&TrmDD=&TrmM=&iPagEl=1&iPag=1, acesso em: 3.1.2009, que facultou também aos advogados de defesa – e não apenas ao órgão persecutório como fazia a lei – o acesso ao interrogatório de seus clientes.


[22] ADPF-QO 54, Rel. Min. Marco Aurélio, DJ de 31.08.2007, pp. 170-171. Corroboram as palavras de Sua Excelência, as que escreveu Giusi Sorrenti, L’interpretazione conforme a costituzione, cit., pp. 278-9: “un elevato tasso di creatività nelle decicioni dei giudici trova pur sempre um fattore di copensazione nel ristretto ambito di applicazione della sentenza, circoscritto, dal punto di vista oggetivo, al singolo caso e, da quello soggettivo, alle sole parti del giudizio e in ciò, in definitiva, rinviene la sua giustificazione; mentre la Corte costituzionale opera su un pienno pur sempre diverso, che per quanta (pur giusta) insistenza si faccia sul rilievo del ‘caso’ nei giudizi di costituzionalità, non potrà mai arrivare a combaciare del tutto con quello del singolo episodio della vita, ma sarà sempre più ampio rispetto ad esso”.

[23] MI 670, Rel. para Acórdão Min. Gilmar Mendes, DJ de 25.10.2007, p. 2.

[24] A ADPF-54, a nosso sentir, serve como exemplo desse processo, que tenderá a multiplicar-se entre nós graças à competência introduzida pelo inc. I do parágrafo único do art. 1º da Lei 9.882/99.

[25] A pretensão da Arguente foi assim exposta por Seu Patrono: “Que essa Eg. Corte, procedendo à interpretação conforme à Constituição dos arts. 124, 126 e 128, I e II, do Código Penal (Decreto-Lei nº 2.848/40), declare inconstitucional a interpretação de tais dispositivos como impeditivos da antecipação terapêutica do parto em casos de gravidez de feto anencefálico, diagnosticados por médico habilitado, reconhecendo-se o direito subjetivo da gestante a se submeter a tal procedimento sem a necessidade de apresentação prévia de autorização judicial ou qualquer outra forma de permissão específica do Estado”. Cf., ADPF-QO 54, Petição Inicial, Rel. Ministro Marco Aurélio, disponível em: http://www.stf.jus.br/portal/peticaoInicial/verPeticaoInicial.asp?base=ADPF&s1=54&processo=54, acesso em 29.03.2009, p. 23. Segundo a fundamentação da exordial, a interpretação atacada feria os seguintes dispositivos constitucionais: Art. 1º, inc. IV (dignidade da pessoa humana); Art. 5º, inc. II (legalidade), Art. 6º, caput e, finalmente, o Art. 96 (saúde).

[26] Embora tenham restado vencidos, a Ministra Ellen Gracie e os Ministros César Peluso, Carlos Velloso e Eros Grau confluem, por suas razões de decidir. Todos julgando estar o tribunal diante de uma ação que visa efeitos aditivos em matéria penal. Dos votos vencedores, apenas no do Ministro Gilmar Mendes há a admissibilidade de tais efeitos. O ministro Joaquim Barbosa julgou que tal discussão não dizia com a admissibilidade e reservou-se o tratá-la quando do julgamento de mérito. Os Ministros Carlos Brito, Nelson Jobim e Sepúlveda Pertence entendem não estar envolvida questão de adição jurisprudencial. O Relator, Ministro Marco Aurélio, não se manifestou sobre o ponto em discussão.

[27] Cf., assim, o voto do Ministro Carlos Brito, especialmente os itens 20 a 24 da fundamentação, in: ADPF-QO 54, Rel. Min. Marco Aurélio, DJ de 31.08.2007, pp. 125-129.

[28] Nesse sentido, o voto do Ministro César Peluso, in: ADPF-QO 54, Rel. Min. Marco Aurélio, DJ de 31.08.2007, p. 154: “No fundo se trata – e nisso não há dúvida alguma – de criar, à margem da interpretação das normas de caráter penal, mais uma excludente de ilicitude, e neste ponto gostaria de fazer a seguinte observação: essa tarefa é própria de outra instância, não desta Corte, que já as tem outras e gravíssimas, porque o foro adequado da questão é do Legislativo, que deve ser o intérprete dos valores culturais determinantes da edição de normas jurídicas. É no Congresso Nacional que se deve debater se a chamada ‘antecipação de parto’, neste caso, deve ser, ou não, considerada excludente de ilicitude.”


[29] ADPF-QO 54, Rel. Min. Marco Aurélio, DJ de 31.08.2007, p. 85. No mesmo sentido, votou o Ministro Carlos Velloso, p. 214: “Pretende-se, mediante interpretação da lei penal conforme a Constituição, instituir uma terceira excludente de criminalidade relativamente ao crime de aborto. O que se pretende, portanto, é que o Supremo Tribunal Federal inove no mundo jurídico. E inove mediante interpretação”.

[30] ADPF-QO 54, Rel. Min. Marco Aurélio, DJ de 31.08.2007, pp. 196-197.

[31] ADPF-QO 54, Rel. Min. Marco Aurélio, DJ de 31.08.2007, p. 195.

[32] Archibald Cox, The role of the Supreme Court in american government, New York: Oxford University Press, 1977, p. 102.

[33] Giusi Sorrenti, L’interpretazione conforme a costituzione, cit., p. 261.

[34] ADPF-QO 54, Rel. Min. Marco Aurélio, DJ de 31.08.2007, p. 210. O paralelo com o sistema italiano não requer esforço, cf., para tanto, Markus Beilfuss, Tribunal Constitucional y reparación de la discriminación normativa, cit., p. 166: “El paradigma más claro en este sentido lo constituye, sin duda, el caso italiano, donde la llamada inercia del legislador ya provocó que en sus primeros años de actividad la Corte Constitucional asumiese una importante función de suplencia frente a la pasividad del legislador para reformar las leyes del régimen fascista”.

[35] Rubio Llorente, et al., Estudios sobre jurisdicción constitucional, cit., p. 132.

[36] A esse respeito, confira o leitor a STC 111/1993, do Tribunal Constitucional espanhol, disponível em: http://www.boe.es/aeboe/consultas/bases_datos/doc.php?coleccion=tc&id=SENTENCIA-1993-0111, acesso em 02.04.2009, que deu provimento ao recurso de amparo contra condenação baseada em uma lei penal considerada ofensiva ao princípio da ultima ratio em matéria penal: “3. Según hemos afirmado (SSTC 75/1984, fundamento jurídico 3.), ‘una aplicación defectuosa de la Ley penal puede implicar, eventualmente, la vulneración de un derecho constitucionalmente garantizado, protegido mediante el recurso de amparo. Cuando se alega tal cosa, como en el presente caso ocurre, este Tribunal ha de analizar, desde el punto de vista del derecho constitucionalmente garantizado, la interpretación y aplicación que el Juez ordinario ha hecho de la norma penal’ [F.J. 5]. 4. El principio de legalidad en el ámbito del Derecho sancionador estatal implica, por lo menos, estas tres exigencias: la existencia de una Ley («lex scripta»); que la Ley sea anterior al hecho sancionado («lex praevia»), y que la Ley describa un supuesto de hecho estrictamente determinado («lex certa»); lo que significa la prohibición de extensión analógica del Derecho penal al resolver sobre los límites de la interpretación de los preceptos legales del Código Penal (SSTC 89/1983, 75/1984, 159/1986, 33/1987 y 199/1987, entre otras). Por otra parte, este Tribunal (SSTC 62/1982 y 53/1985) ha considerado que la cuestión de la determinación estricta o precisa de la Ley penal se encuentra vinculada con el alcance del principio de legalidad [F.J. 6] (omissis) 10. Ningún interés público esencial se advierte en la exigencia de un título para la intermediación en el mercado inmobiliario que no responda sino a intereses privados o colegiales, legítimos y respetables, pero insuficientes por sí solos para justificar la amenaza de una sanción penal como la aquí aplicada. Incurriendo, así, en una vulneración del principio de proporcionalidad entre el injusto y la pena que es inherente a un Estado social y democrático de Derecho como el que la Constitución configura (art. 1.1 C.E.)”.

[37] Joaquín Camazano, La acción abstracta de inconstitucionalidad, cit., p. 386.

[38] Augusto Cerri, Corso di giustizia costituzionale, Milano: Giuffrè, 1994, p. 99. No mesmo sentido, Pasquale Costanzo, Legislatore e Corte costituzionale: uno sguardo d’insieme sulla giurisprudenza costituzionale in matéria di discrezionalità legislativa dopo cinquant’anni di attività, disponível em: http://www.giurcost.it.org/studi/CostanzoLanzarate.htm, acesso em 21.12.2008, item nº. 6.


[39] Cf., exemplificativamente, as sentenças de números: 188, 193 e 212/1993 e 260/1994, disponíveis em: http://www.cortecostituzionale.it/giurisprudenza/pronunce/filtro.asp, acesso em: 02.10.2008.

[40] Sentença nº. 42/1977, disponível em: http://www.cortecostituzionale.it/giurisprudenza/pronunce/filtro.asp, acesso em 02.10.2008.

[41] Sentença nº. 146/1993, disponível em: http://www.cortecostituzionale.it/giurisprudenza/pronunce/filtro.asp, acesso em 02.10.2008.

[42] Elena Malfatti, Giustizia costituzionale, cit., p. 124.

[43] Markus Beilfuss, Tribunal constitucional y reparación de la discriminación normativa, cit., p. 75.

[44] Augusto Cerri, Corso di giustizia costituzionale, cit., p. 98, por exemplo, afirmou a jurisprudência pela inadmissibilidade das decisões manipulativas em matéria criminal como “costante, a partire dalla sent. 42/2977”.

[45] Para cada decisão afirmando a inadmissibilidade de decisões aditivas ou manipulativas em matéria penal, existe outra aditando o arcabouço persecutório; cf., exemplificativamente, as sentenças nos. 31/1969, 108 e 218/1974, 27/1975, 139 e 409/1989, 254/1994, 61/1995 e 145/2002.

[46] Chiara Agnoletto, Gli effetti delle sentenze di accoglimento della Corte Costituzionale sugli atti aministrativi e processuali penali, cit., item 3.2.

[47] Sentença nº. 218/1974, disponível em: http://www.cortecostituzionale.it/giurisprudenza/pronunce/filtro.asp, acesso em 02.10.2008.

[48] Sentença nº. 108/1974, disponível em: http://www.cortecostituzionale.it/giurisprudenza/pronunce/filtro.asp, acesso em 02.10.2008. Grifamos.

[49] Sentença nº. 61/1995, disponível em: http://www.cortecostituzionale.it/giurisprudenza/pronunce/filtro.asp, acesso em 02.10.2008. Grifamos. Essa decisão também nos parece importante por um outro motivo, nela vemos confirmada a tese que liga o cabimento das decisões aditivas ao controle do direito pré-constitucional. Entre as razões de decidir da Corte, está a seguinte: “questa Corte non mancò di rilevare come l’interpretazione dell’art. 39 c.p.m.p. quale limite all’efficacia scusante dell’errore su legge extra penale, pur se, ‘certamente rispondente alla ideologia degli autori del codice’, non potesse ritenersi più giustificabile, "sia perché contraria ai principi fondamentali del diritto penale (che sono principi di civiltà), sia perché nel nuovo ordinamento democratico, anche militare, quei principi sono collegati all’ispirazione di fondo della Costituzione che rende ormai anacronistica quella interpretazione’”.

[50] Lá, como aqui, o que se pretendia conseguir era o estabelecimento de uma hipótese exculpante da prática, típica, da interrupção mecânica da gravidez. Lá, como aqui, o parâmetro constitucional envolvia o direito a saúde e a dignidade da pessoa.

[51] Sentença nº. 27/1975, disponível em: http://www.cortecostituzionale.it/giurisprudenza/pronunce/filtro.asp, acesso em 02.10.2008. Grifamos.

[52] Sentença nº. 145/2002, disponível em: http://www.cortecostituzionale.it/giurisprudenza/pronunce/filtro.asp, acesso em 02.10.2008.

[53] Cf., no mesmo sentido, as sentenças nos. 26/1979, 72/1980, 103/1982 e 49/1989, disponíveis em: http://www.cortecostituzionale.it/giurisprudenza/pronunce/filtro.asp, acesso em 02.10.2008.


[54] Sentença nº. 409/1989, disponível em: http://www.cortecostituzionale.it/giurisprudenza/pronunce/filtro.asp, acesso em 02.10.2008. Grifamos.

[55] Zagrebelsky refere-se à decisão 27/1975, que comentamos pouco acima, referente ao alargamento das hipóteses de exclusão da ilicitude no crime de aborto.

[56] Gustavo Zagrebelsky, La giustizia costituzionale, Bologna: Società Editrice il Molino, 1977, p. 165.

[57] Codice Penale, Art. 724 Bestemmia e manifestazioni oltraggiose verso i defunti  Chiunque pubblicamente bestemmia, con invettive o parole oltraggiose, contro la Divinità o i Simboli o le Persone venerati nella religione dello Stato, è punito con l’ammenda da lire ventimila a seicentomila. (1). Alla stessa pena soggiace chi compie qualsiasi pubblica manifestazione oltraggiosa verso i defunti. (La Corte costituzionale, con sentenza n. 440 del 18 ottobre 1995, ha dichiarato l’illegittimità costituzionale del presente comma limitatamente alle parole "o i Simboli o le Persone venerati nella religione dello Stato").

[58] Augusto de la Vega, La sentencia constitucional en Italia, cit., pp.294-295, considerou que a sent. nº. 440/1995 serve como indício de que “el artículo 25 de la Constitución italiana y el principio de legalidad penal impedirán a la Corte tanto crear, reproducir o ampliar tipos penales, como agravar las penas previstas en la ley (omissis) no tanto por le existencia de una expresa reserva de ley, como por el peculiar significado y función del principio de legalidad penal. Tal principio comportaría unas peculiares exigencias de certeza en la determinación del tipo y la pena, que la creación normativa jurisprudencial, aun la constitucional, no estaría en condiciones de satisfacer. A semejante conclusión, ya sostenida claramente en discursos sobre la actividad de la Corte como los de Elia o La Pergola, y mantenida hoy por la práctica constante del Tribunal, vid., significativamente, la sentencia 440/1995”. Markus Beilfuss, Tribunal constitucional y reparación de la discriminación normativa, cit., p. 167, por sua vez, entendeu a decisão como uma extensão do âmbito de incidência da disposição penal manipulada: “la Sentencia 440/1995, relativa a la tipificación del delito de blasfemia, que, como se ha señalado en el Capítulo anterior, se refería exclusivamente a la religión católica. Después de haber desestimado en el año de 1998 una cuestión de inconstitucionalidad dirigida contra dicho precepto porque, entre otras cosas, correspondía al legislador llevar a cabo su reforma, y no habiéndose producido esta última, en esta segunda Sentencia la Corte no dudó en extender a las demás confesiones religiosas dicha protección penal, a pesar de tratarse de una materia reservada a la ley”.

[59] Na fundamentação da sent. 440/1995, disponível em: http://www.cortecostituzionale.it/giurisprudenza/pronunce/filtro.asp, acesso em 02.10.2008, a Corte relatou a história jurisprudencial do art. 724: “Nella sentenza n. 79 del 1958 viene operata una prima conversione del bene giuridico protetto. La religione cattolica è configurata non più come la religione dello Stato in quanto organizzazione politica, ma dello Stato in quanto società: la protezione speciale della ‘religione dello Stato’ si giustificherebbe per la rilevanza che ha avuto ed ha la religione cattolica in ragione della antica ininterrotta tradizione del popolo italiano, la quasi totalità del quale ad essa sempre appartiene. … La norma dell’art. 724 Cod. pen., come altre dello stesso Codice …, si riferisce alla ‘religione dello Stato’ dando rilevanza non già a una qualificazione formale della religione cattolica, bensì alla circostanza che questa è professata nello Stato italiano dalla quasi totalità dei suoi cittadini, e come tale è meritevole di particolare tutela penale, per la maggior ampiezza e intensità delle reazioni sociali naturalmente suscitate dalle offese ad essa dirette".

[60] Sentença 14/1973, disponível em: http://www.cortecostituzionale.it/giurisprudenza/pronunce/filtro.asp, acesso em 02.10.2008.


[61] Sentença 925/ 1988, disponível em: http://www.cortecostituzionale.it/giurisprudenza/pronunce/filtro.asp, acesso em 02.10.2008

[62] Sentença 440/ 1995, disponível em: http://www.cortecostituzionale.it/giurisprudenza/pronunce/filtro.asp, acesso em 02.10.2008: “La perdurante inerzia del legislatore non consente – dopo sette anni dall’ultima sentenza, ribadita nei suoi contenuti dall’ordinanza n. 52 del 1989 – di protrarre ulteriormente l’accertata discriminazione, dovendosi affermare la preminenza del principio costituzionale di uguaglianza in materia di religione su altre esigenze – come quella del buon costume tutelato dall’art. 724 – pur apprezzabili ma di valore non comparabile”.

[63] Talvez, aqui, valesse repetir a lição presente na Ementa do MI 670, transcrita acima, acerca dos “riscos de consolidação de típica omissão judicial quanto à matéria”.

[64] Sentença 440/ 1995, disponível em: http://www.cortecostituzionale.it/giurisprudenza/pronunce/filtro.asp, acesso em 02.10.2008

[65] Giusi Sorrenti, L’interpretazione conforme a costituzione, cit., pp. 194-195.

[66] Assim, Dominique Rousseau, La justice constitutionelle en Europe, Paris: Montchrestien, 1992, pp. 155-156, afirmando que a jurisdição constitucional “introduit en effet deux éléments perturbateurs de la logique représentative classique: la loi ne trouve plus son sens dans la volonté des élus mais dans la Constituution telle que l’interprètent et l’imposent les juges constitutionnels, les citoyens ne sont plus sans moyens de contrainte institutionnelle mais trouvent dans le recours aux tribunaux constitutionnels l’instrument leur permettant de faire contrôler, entre deux élections, le travail législatif de leurs représentants. Ces deux éléments dessinent – peut-être – une forme nouvelle de démocratie que je propose d’appeler ‘démocratie continue’. Elle se distingue de la forme directe de démocratie qui abolit toute distinction entre représentants et représentés, elle se distingue égalament de la forme purement représentative qui rédut au maximum la communication entre représentants et représentés. La démocratie continue peut cepedant se définir – au moins provisoirement – comme un au-delà de la représentation non parce qu’elle la supprimerait mais parce qu’elle transforme et élargit l’espace de la participation populaire en inventant des formes particulières – et notamment la juridictionnelle constitutionnelle – permettant aux individus d’exercer un travail politique: le contrôle, en dehors des moments électoraux, de l’action des gouvernants”. 

[67] Mauro Cappelletti, Necesidad y legitimidad de la justicia constitucional, in: Louis Favoreu (org.), Tribunales constitucionales europeos y derechos fundamentales, Madrid: Centro de estudios constitucionales, 1984, p. 625.

[68] Dominique Rousseau, La legittimità del controllo di costituzionalità delle leggi, disponível em: http://www.associazionedeicostituzionalisti.it/materiali/convegni/aic200610/rousseau.html, acesso em: 09.01.2008, item nº I, A.

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