Pagadores prejudicados

Anistia fiscal é acinte a quem paga imposto em dia

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1 de maio de 2009, 11h40

[Editorial do jornal Folha de S. Paulo publicado nesta sexta-feira (1/5)]

Está perto de concretizar-se o quarto amplo programa de anistia fiscal em nove anos. A mais recente iniciativa começou como Medida Provisória, editada pelo governo Lula no final do ano passado. Inicialmente destinava-se a perdoar as dívidas de até R$ 10 mil contraídas até 2002, bem como a facilitar o pagamento daquelas de pequena monta pendentes após essa data.

Em março, a Câmara dos Deputados modificou a MP e estendeu os benefícios a todos os devedores da Receita Federal, grandes ou pequenos. Estipulou que qualquer outra dívida vencida até novembro do ano passado pode ser parcelada em até 15 anos, com redução de multa e juros e correção por taxas abaixo das cobradas no mercado.

O Senado, anteontem, dobrou a aposta e derrubou algumas restrições contra quem já havia se beneficiado de programas anteriores de anistia e refinanciamento de débitos fiscais. Os senadores também chancelaram o indexador "camarada" para a correção dessas dívidas, instituído pelos deputados: será a Taxa de Juros de Longo Prazo (TJLP) – hoje em 6,25% ao ano – ou 3/5 da Selic – equivalente a 6,15% ao ano, o que for mais alto na época da aplicação.

Pagamentos à vista teriam as multas anuladas, além da redução de 45% nos juros. Para divisão em até 180 meses – outra liberalidade dos congressistas, pois a o governo propunha parcelamento máximo de 60 meses – haveria redução de 60% nas multas e 25% nos juros. As prestações mínimas serão de R$ 50 para pessoas físicas e de R$ 100 para pessoas jurídicas. São condições altamente favoráveis aos devedores. Já para a Receita a renúncia fiscal com a proposta pode alcançar R$ 30 bilhões.

Se a MP original tinha um propósito defensável e limitado – facilitar a regularização de pequenos contribuintes –, as fartas concessões produzidas no Congresso são um acinte a quem paga regularmente os seus impostos. A sensação, bem afirmou a secretária da Receita, Lina Maria Vieira, é que o pacote trata o bom contribuinte como "otário".

A mesma mensagem se transmite ao cidadão que tinha tributos em atraso, mas se esforçou para colocar os pagamentos em dia. Teve o valor corrigido pela taxa Selic, além de ter arcado com os demais encargos previstos. Já quem simplesmente deixou de pagar, sem importar o valor da dívida, a capacidade de contribuição ou o fato de ser reincidente em programas de anistia, será premiado, se depender dos congressistas.

A concessão frequente de anistias generalizadas lança descrédito sobre o fundamento da tributação, a responsabilidade coletiva pela manutenção dos serviços e dos poderes públicos. A carga de impostos no Brasil é absurda, não se nega. Mas é preciso enfrentar esse problema em uma reforma abrangente, que trate de receitas e despesas do Estado. Para que cada um pague menos, é preciso fechar as brechas, legais e ilegais, ao escapismo fiscal.

A anistia proposta no Congresso caminha no sentido contrário e deveria ser revogada, seja pela Câmara, para onde volta a matéria, seja pelo veto presidencial.

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