Igualdade entre sexos

Lei deveria criar quotas partidárias para mulheres

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29 de junho de 2009, 6h25

A realização, no final de abril, de audiência pública na CCJ da Câmara dos Deputados, voltada à discussão de projeto de lei sobre a discriminação de gênero nas relações de trabalho, revelou a imperiosidade de se positivar, de forma mais ampla, e na linha dos diversos compromissos internacionais assumidos pelo Estado brasileiro, verdadeiro Estatuto da Igualdade de Gênero, capaz de coibir, de modo eficaz, a perpetuação de comportamentos tendentes à subalterna inferiorização da mulher nas mais diversas esferas da sociedade.

Tal tratamento jurídico-protetivo já é adotado há décadas pelo Reino Unido (Sex Discrimination Act, de 1975) e foi reafirmado, pelo Conselho Europeu, na Diretiva Comunitária 2004/113, na qual se assentou que a discriminação em função do sexo transcende o ambiente de trabalho e compromete, por igual, o desempenho feminino de outros relevantes papeis sociais.

No que concerne à participação política das mulheres, dados da Justiça Eleitoral atinentes às eleições de 2008 demonstram que, inobstante o disposto no art. 10, parágrafo 3º, da Lei 9.504/97, a estabelecer que os partidos devem reservar um patamar mínimo de 30% de suas candidaturas a um dos sexos, dos 15.143 candidatos a prefeito, apenas 1.670 eram mulheres, e dos 330.630 candidatos a vereador, apenas 72.476. O que revela uma inaceitável hegemonia masculina no contexto das candidaturas políticas e o completo esvaziamento do referido comando legal, que, por não trazer preceito sancionatório para o caso de seu descumprimento, tornou-se letra morta no processo eleitoral.

Muito embora tramitem no Congresso propostas normativas contra o déficit de representatividade política da mulher — inclusive propostas de emenda à Constituição, com a criação de reservas de vagas —, cabe considerar, por sua pertinência, a experiência de Portugal, quando do processo de criação do Estatuto da Paridade (Lei Orgânica 3/06). Em sua primeira redação, o projeto previa a presença mínima de 33% de cada sexo nas listas de candidatos apresentadas pelos partidos, determinando, ainda, que os nomes fossem ordenados de forma alternada entre os gêneros. O descumprimento do comando geraria a integral rejeição da lista, com a consequente impossibilidade de que qualquer dos candidatos fosse submetido a escrutínio.

Vetado por “desproporcionalidade”, o texto finalmente aprovado traz interessante exemplo, a ser objeto de necessária reflexão: o percentual de 33% de representação mínima de cada um dos sexos foi mantido, assim como a impossibilidade de que, na composição das listas, mais de dois candidatos do mesmo sexo sejam posicionados consecutivamente. A inobservância de tais parâmetros gera, de início, uma notificação do partido, para os devidos ajustes. Mantido o déficit de representatividade, a lista será afixada publicamente e divulgada no site da Internet mantido pela Comissão Nacional de Eleições, sempre com a indicação de que está em desconformidade com a lei. Além disso, o partido que não cumprir os dispositivos de paridade perderá, proporcionalmente à subrepresentação de um dos gêneros, de 25% a 50% da participação na subvenção pública de campanhas. O que equivaleria, no cenário jurídico nacional, às quotas do fundo partidário ou, até mesmo, ao tempo de rádio e televisão destinado à propaganda partidária (direito de antena).

O que se deve viabilizar, pois, é a criação de instrumentos capazes de combater a inércia fática que vem perpetuando, no contexto das candidaturas, uma situação de inaceitável desigualdade de gênero e de injustificável subrepresentação feminina no universo político. As mulheres, muito embora constituam a maioria do eleitorado nacional, persistem por se qualificar como grupo essencialmente vulnerável, a merecer, do Estado, tutela jurídica específica, capaz de lhes assegurar igualdade material de condições, para o pleno exercício de todas suas potencialidades.

Nesse contexto, é de toda pertinência que as autoridades legislativas reflitam sobre a possibilidade de condicionar a integral percepção das quotas do fundo partidário e o total desfrute do direito de antena ao atendimento, pelas agremiações partidárias, do direito fundamental que se posiciona no centro de todo o ordenamento jurídico-constitucional: o da igual dignidade de todos, independentemente do sexo.

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